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Quilombolas do Pará apontam dificuldades com o Cadastro Ambiental Rural


Por Jaime Mota* e Pedro Martins**

Próximo à data prevista em Lei para inscrição no Sistema do Cadastro Ambiental Rural – SICAR, comunidades quilombolas enfrentam desafios com o Sistema. “Nós estamos preocupados com cada comunidade. Tem comunidades que estão num processo de cancelamento desse CAR. Uma comunidade tem três cadastros. A gente se preocupa com isso. A sobreposição é um problema maior dentro desses cadastros” aponta Benedito Mota, Coordenador da Malungu Baixo Amazonas.

Após dias de debate no mês de dezembro, lideranças quilombolas do Oeste do Pará apontam dificuldade com o Cadastro Ambiental Rural. Não só os Territórios não-titulados apresentam problemas, ate mesmo Erepecuru, em Oriximiná, titulado desde a década de 1990, não resolveu sua situação no Sistema de Cadastro Ambiental de imóveis rurais.

A data prevista no Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) é 31 de dezembro de 2017 para obrigatoriedade do CAR para obtenção de Créditos rurais em termo regulamentado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Mesmo assim, antes do prazo, o acesso a uma série de políticas públicas e mesmo a concessão de crédito, vem elencando o recibo do CAR como documento necessário.

Para Daniel de Souza, do Território Quilombola Erepecuru, “Uma das maiores preocupações é a questão de acesso a projetos. Para conseguir recurso no Banco da Amazônia é preciso ter o CAR, além da DAP. Já tem que ter o CAR. Uma outra questão é que não sabíamos quem realmente estava fazendo o CAR.”

No caso das Comunidades Quilombolas já tituladas, é obrigação do INCRA inseri-las no SICAR, de acordo com a Instrução Normativa nº 02/2014 do MMA. A inserção do sistema acaba ocorrendo sem nenhuma ida a campo, sem nenhum esclarecimento às comunidades sobre os efeitos da inscrição no sistema que trabalha com imagens de satélite, uma tecnologia distante às comunidades.

As categorias como ‘Reserva legal’, ‘APP’ e ‘Área de uso alternativo do solo’ foram descritas para cada inscrição no CAR, mas não foram combinadas com as comunidades. Para os quilombolas, o governo ainda não entende o que é território tradicional. “O pessoal não consegue entender área coletiva, uns olham com desconforto dizendo que não existe CAR Coletivo. Os órgãos governamentais não têm sensibilização do processo de CAR Coletivo”, explicou Silvano, do Quilombo de Trombetas, em Oriximiná.

Após a inscrição das comunidades no SICAR, ocorre o processo de validação da inscrição, de competência dos órgãos estaduais de meio ambiente (OEMAs), no caso do Pará é a SEMAS responsável pela avaliação de cada imóvel inserido. Para as lideranças, a SEMAS não atua de forma transparente, e realizou notificações sem nunca ninguém saber, e por conta disso, hoje todas as comunidades estão com o CAR “pendente”.

Em outubro de 2017, a comunidade quilombola de Arapemã em Santarém conseguiu o cancelamento do CAR de um invasor do Território, e ainda aguarda a validação de seu próprio CAR. “Agora o mais importante é que a pessoa que estava lá dentro, que tinha outro CAR, está fora. O importante é que estamos só nós quilombolas, sem ninguém para perturbar”, relatou Ana Cleide, do Território Quilombola Arapemã.

Na tentativa de adequar o SICAR à realidade de Territórios Coletivos de Povos e Comunidades Tradicionais, que o governo federal está tentando implementar o Módulo PCTs. De competência do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), a gestão do SICAR ainda está aquém da demanda das comunidades, que veem um futuro incerto sobre o registro de seus territórios no Sistema.

Sobre o prazo de inscrição no CAR, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4550/2016, que, visa alterar a redação do paragrafo 3º do artigo 29 do Código Florestal para: “§ 3º A inscrição no CAR será obrigatória para todas as propriedades e posses rurais, devendo ser requerida até 5 (cinco) de maio de 2018, prorrogável por ato do Chefe do Poder Executivo”. O PL está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sob relatoria do Deputado Alessandro Molon (REDE-RJ).

* Membro do Coletivo de Estudantes de Direito Indígenas e Quilombolas (CEDIQ)

**Assessor Jurídico da Terra de Direitos no Tapajós

 

Fotos: Oficina sobre CAR Quilombola no Baixo Amazonas. 05 de dezembro, 2017



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Terra, território e justiça espacial