Amazônia e os desafios da luta popular em tempos de expansão e consolidação do capital
Ayala Ferreira
Quando olhamos a conjuntura brasileira, o sentimento imediato é de que vivemos um cenário de terra arrasada, em que a recente e frágil democracia e a perspectiva de justiça social em nossa sociedade foram bloqueadas por interesses de uma classe dominante privilegiada que se pôs em movimento para salvar o capital em crise econômica, política, social e ambiental.
É verdade, o atual presidente Jair Bolsonaro não inventou a crise estrutural do capital, mas não tenhamos dúvidas de que ele e sua forma de governar são necessários para impor o projeto do capital na busca para se reestabelecer e garantir lucros extraordinários para uma elite cada vez mais centrada em poucos privilegiados.
O modelo que se coloca é a combinação do neoliberalismo na economia com o fascismo nas relações políticas e sociais. Esse modelo não se propõe a resolver os problemas concretos da sociedade na garantia de renda e de direitos fundamentais, e a sua implantação só se torna possível pela repressão e controle social, dimensões que constituem a prática fascista. O fascismo elege inimigos internos que precisam ser aniquilados ou excluídos do convívio social. Essa questão é extremamente preocupante porque, em nossa sociedade, setores populares que pensam criticamente, que vivem nas comunidades e periferias, majoritariamente negras, mulheres e que se organizam em movimentos sociais, sindicatos e conselhos populares são considerados inimigos e são submetidos a graves violências.
A combinação de neoliberalismo e fascismo impõe a retirada dos direitos fundamentais da sociedade brasileira de acesso à educação, saúde, moradia, cultura e segurança como política de Estado. Ela flexibiliza direitos dos trabalhadores pelas reformas – como a trabalhista e a previdenciária – e mercantiliza e privatiza bens da natureza.
Nós, que vivemos na Amazônia, sabemos o que representa a sanha do capital. A realidade aqui nunca foi fácil, pois sempre enfrentamos modelos de desenvolvimento que propõem integrar a Amazônia a interesses do capital nacional e internacional, mercantilizando a natureza e subordinando, quando não excluindo, pessoas e comunidades inteiras. A política agrária e ambiental do governo Bolsonaro busca consolidar essa perspectiva.
A Amazônia é o principal alvo de expansão e consolidação do agro-minero-hidro-negócio e de grandes obras de infraestrutura para produção de energia e de conexão da Amazônia a outras fronteiras mundiais.
O governo tem atuado para afirmar que os sujeitos do campo, das águas e das florestas são inimigos internos porque questionam criticamente o modelo de desenvolvimento predatório. Por essa razão, busca legitimar ações de violência contra esses sujeitos, por meio da legalização do uso de armas por proprietários rurais, garantindo-lhes segurança institucional para cometer atentados contra a vida, da negação de políticas públicas que legitimariam a existência desses sujeitos em suas comunidades e da flexibilização da legislação agrária e ambiental, favorecendo a regularização de terras públicas griladas e a privatização de áreas de conservação ambiental.
Podemos elencar um conjunto de medidas adotadas pelo governo Bolsonaro que atentam contra a democracia e os direitos fundamentais do povo brasileiro. O exemplo mais contundente dessa ação diz respeito à questão ambiental na Amazônia: o desmatamento e as queimadas que o mundo inteiro presenciou sem acreditar no que via foram consequências do modelo predatório do capital, do discurso e das medidas governamentais de contenção financeira para órgãos públicos de controle e fiscalização ambiental, de perseguição e desqualificação das pessoas e pesquisas emitidas por órgãos estatais e por delegar para latifundiários e militares a responsabilidade de presidir órgãos estratégicos.
Nesse contexto, os desafios são inúmeros para os setores populares da Amazônia. O primeiro passo é nos perceber como sujeitos coletivos, aproximando nossas bandeiras e nossos sonhos, nossa capacidade de indignação e de rebeldia para afirmar que aqui se transpira luta e resistência!
*Ayala é integrante do Setor de Direitos Humanos do MST.
:: Este artigo integra a publicação Tapajós: informes de uma terra em resistência - 2ª edição. Acesse aqui a publicação.
Ações: Conflitos Fundiários
Eixos: Terra, território e justiça espacial