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Com Bolsonaro e sem reforma agrária, a pobreza aumentará


*Luciana Pivato e Fernando Prioste

A Constituição Federal apresenta um capítulo específico sobre a reforma agrária e, portanto, é de lá que se impõe o dever de sua realização. Contudo, apesar do Presidente ter assumido compromisso de cumprir a Constituição, sabe-se que a reforma agrária não terá espaço no governo conservador e ideológico de Bolsonaro.

No primeiro dia de governo, através da Medida Provisória 870, Bolsonaro vinculou o INCRA, responsável pela reforma agrária, ao Ministério da Agricultura e criou a Secretaria de Assuntos Fundiário, que terá ascendência direta sobre a autarquia agrária. Para a secretaria Bolsonaro nomeou Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista e opositor ideológico da reforma agrária. Sem basear-se em estudo técnico sobre a reforma agrária na atualidade, o Governo demonstra que não avançará. Outra preocupação é que a MP não faz nenhuma menção a qual ministério estão vinculados importantes programas e ações de relação com a reforma agrária, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO).

Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul, Alemanha, Espanha, França, Itália e Inglaterra implementaram, a seu modo e tempo, políticas de distribuição justa da terra. Se de um lado não há registro de países que se desenvolveram social e economicamente sem fazer reforma agrária, é certo que todos os países que realizaram a distribuição justa da terra experimentaram crescimento econômico e desenvolvimento social.

Há décadas existem comprovações científicas de que a justa distribuição da terra tem relação direta com o bem estar de quem trabalha no campo (Schattan e Vassimon 1968), com a redução da mortalidade infantil e da desnutrição (Victora e Blank 1987), com boas condições de saúde (Hoffmann 2006), com o desenvolvimento econômico municipal (Souza 2004) e com a expansão das liberdades, da educação e da longevidade (Giovanni 2011). Em 2017, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) afirmou que a justa distribuição da terra é necessária para erradicar a fome e alcançar desenvolvimento sustentável. Todos esses estudos levaram em consideração a modernização conservadora da agricultura no Brasil, com a revolução verde. Não se referem ao passado, mas ao presente e ao futuro.

A América Latina é a região do mundo com a maior desigualdade na distribuição de terras. O índice de medição da concentração fundiária (coeficiente de Gini) para América Latina é de 0,79, enquanto na Europa é de 0,57, na África 0,56 e na Ásia 0,55, sendo que quanto mais próximo de 1 maior a concentração. A América do Sul é a região do mundo com maior concentração, com coeficiente de Gini de 0,85. O coeficiente de Gini no Brasil é de 0,854, sendo que a maior concentração está em Alagoas, com 0,871, e a menor em Santa Catarina, com coeficiente de 0,682. Não por acaso o Ìndice de Desenvolvimento Humano (IDH) em Alagoas é o menor do país, contabilizado em 0,631, e o de Santa Catarina o terceiro maior, com 0,774.

A reforma agrária avançou pouco por pressão de ruralistas e do agronegócio, inclusive nos governos do PT. Agora a concentração fundiária deverá aumentar. Com isso, grandes proprietários terão ainda mais poder político e econômico, e a parcela mais pobre da sociedade sofrerá. Reforma agrária não é ideologia socialista, é um projeto atual de superação da pobreza. Enquanto não for realizada o Brasil continuará com seu destino subalterno de um simples exportador de commodities na economia mundial, importando tecnologia e produtos com alto valor agregado. Que os movimentos de trabalhadores rurais de luta pela reforma agrária nos protejam desse destino cruel.

 

*Luciana Pivato é coordenadora da Terra de Direitos e Fernando Prioste é advogado da Terra de Direitos



Eixos: Terra, território e justiça espacial