Comunidade quilombola Paiol de Telha
Terra de Direitos
“A vida no Fundão era muito boa, tinha festa, reza, trabalho, tinha liberdade. Quando fomos expulsos do Fundão eu já era grande. Depois disso, só tivemos tristeza, é parada em pedacinho de terra, onde não dá pra plantar (…). Fizemos casinha de costaneira e de compensado pra morar. E até hoje, estamos assim, esperando nossa terra.” As lembranças da Neli Terezinha dos Santos, 47 anos, retratam a história do quilombo Invernada Paiol de Telha Fundão, localizado em Reserva do Iguaçu, região Centro do Paraná.
Assim como outras 400 famílias quilombolas da comunidade, Neli vive em condições de vida precárias, por ter sido expulsa do território que pertence aos quilombolas desde o século XIX. A comunidade quilombola Paiol de Telha conquistou o acesso ao território em 1860, quando 11 trabalhadores escravizados foram libertados pela então proprietária das terras, Balbina Francisca de Siqueira, e receberam o território como herança.
A partir da década de 1970, o movimento de violência e expropriação do território se intensificou e até hoje a comunidade vive com insegurança da posse da terra, ocupando pequena porção da área originariamente conquistada ou em localidades próximas. Atualmente grande parte da área está sob posse de colonos europeus ou descendentes cooperados da Cooperativa Agrária Agroindustrial Entre Rios, que produz commodities para exportação. É a cooperativa dos colonos europeus que ajuizou a ação para impedir o trabalho do Incra para a titulação do território quilombola.
No final de 2013 a comunidades quilombola Paiol de Telha obteve uma importante conquista judicial, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4 votou pela continuidade da atual política para titulação de territórios quilombolas. O julgamento terminou no dia 19 de dezembro, com 12 votos a 3, vitória expressiva diante de um quadro de pressão pela derrubada do Decreto. O acórdão da decisão foi publicado em janeiro deste ano.
A ação julgada foi movida pela Cooperativa Agrária Agroindustrial, que questionava o processo administrativo do Instituto de Colonização e Reforma Agrária do Paraná – INCRA para a titulação da terra da comunidade quilombola Paiol de Telha. A Cooperativa utilizou como argumento contra a titulação a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, ajuizada pelo DEM em 2004, contra o Decreto Federal 4887/03, que trata da titulação de territórios quilombolas.
Ao decidir pela constitucionalidade do Decreto 4887/03, os desembargadores federais do TRF4 consolidaram uma posição acerca do tema e influenciaram diretamente as 144 comunidades quilombolas da região Sul e também na decisão de Tribunais de outras regiões do país. A titulação das terras quilombolas está prevista na Constituição Federal de 1988, no art. 68 do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Esse resultado contribuiu para que em 2019 o Paiol de Telha se tornasse o primeiro - e único - território quilombola titulado no Paraná, ainda que forma parcial. O título expedido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no fim de abril de 2019 deu para a comunidade o domínio coletivo de 225 hectares de terras - uma pequena parcela dos 2.960 hectares reconhecidos pelo Incra como território tradicional.
Agora, as famílias seguem lutando por melhores condições de vida na terra já titulada e reivindicam a titulação do restante da área.