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Justiça Federal reafirma omissão e morosidade do Incra e União na titulação do Quilombo Paiol de Telha (PR)


Em julgamento de recurso da União, TRF-4 destaca que Estado brasileiro segue sem dar resposta ao direito ao território tradicional. 

Foto: Lizely Borges

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reafirmou, em decisão proferida no último dia 04 de junho, que o Estado brasileiro tem sido omisso em efetivar o direito ao território tradicional da Comunidade quilombola Paiol de Telha (PR). No julgamento o desembargador Luis Antonio Bonat rejeitou os recursos da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na sentença da 11ª Vara Federal da Justiça Federal que determinou a titulação integral a área de direito da comunidade.   

A decisão do TRF-4 ocorre no âmbito da Ação Civil Pública (ACP) movida em 2018 pela Comunidade contra a União e a autarquia para exigir a titulação integral do território quilombola localizado na cidade de Reserva do Iguaçu, no Centro-Sul do Paraná. O acionamento da justiça foi a alternativa encontrada por Paiol de Telha diante do esgotamento de recursos no diálogo com o Executivo – instância responsável pela regularização fundiária quilombola - e lentidão no avanço do processo de regularização fundiária. Foi apenas com o ajuizamento da Ação Civil Pública que a Comunidade Paiol de Telha obteve, em maio de 2019, o título da pequena área. Isto porque o recurso para aquisição da área de pouco mais de duzentos hectares estava disponível para o Incra deste 2016, mas estava parado. Com isso, Paiol de Telha foi a primeira – e ainda única – comunidade quilombola do Paraná a obter o título do território tradicional.   

Para a liderança da comunidade, Ana Maria da Cruz, a decisão do TRF-4 é mais uma nova afirmação do direito dos quilombolas ao território tradicional. “Novamente, tem sido a justiça o lugar que defende um pedaço de terra para o Paiol. O sistema político e quem está com a caneta [responsável pela política de titulação] ainda não querem garantir nosso direito”, diz. 

Na decisão da última quarta-feira o desembargador contestou novamente o argumento presente no recurso do Incra de inviabilidade da titulação em razão da ausência de orçamento federal. “A invocação da reserva do possível não pode servir para descumprir imposições legais, e o fato de existirem outras comunidades quilombolas para serem regularizadas não elide o direito da comunidade autora”, destacou o desembargador.  

No julgamento pela 11ª Vara a juíza Silvia Brollo já havia contestado o argumento da autarquia. “É de conhecimento deste juízo que o orçamento da União é limitado, possui destinações certas. Mas a questão aqui tratada não é meramente orçamentária, mas de respeito a direitos constitucionalmente previstos, há muito tempo, direitos de moradia e de dignidade da pessoa humana. O direito dos descendentes de quilombolas a terras remanescentes está garantido desde 1988, e até então eles não têm a almejada efetividade da norma”, aponta a juíza. 

“O Incra e a União se adaptaram às pressões por regularização fundiária por via judicial, gerenciam os riscos e só implementam as decisões quando não cabe mais recurso e essa demora gera consequências no Quilombo que espera para ser unificado novamente. Assim, a vitória no TRF-4 é mais um passo dentro do sistema de justiça que reafirma a obrigação do Estado brasileiro em titular os territórios de forma integral”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Kathleen Tiê. A organização assessora a comunidade há décadas no processo de titulação. 

Ônus à comunidade  
O desembargador ainda destacou que o Estado brasileiro segue ser dar resposta sobre titulação de mais da metade do território tradicional quilombola. Isto porque o decreto de desapropriação considerou apenas 1.460 mil hectares dos 2.959 reconhecido como de direito da comunidade.  

“As matrículas de imóveis objetos do Decreto são apenas metade do território quilombola da comunidade Invernada Paiol de Telha, sendo que a outra metade, também contemplada no RTID publicado e na portaria de reconhecimento, não abrangida no decreto, segue sem qualquer resposta da União e do Incra. Os prejuízos aos quilombolas são evidentes, como já restou demonstrado na oitiva de testemunhas e no estudo antropológico”, enfatiza o desembargador. 

Na avaliação da comunidade, o acesso apenas a parte da área de direito da comunidade impede atividades essenciais e de geração de renda, como o retorno das famílias ao território tradicional e o plantio.  “Nós temos a maioria do povo fora do território porque não conseguiram o seu pedacinho de terra. São famílias que moram na periferia das cidades, não tem moradia porque não tem condições de voltaram para a área que é de nosso direito. A gente quer uma condição melhor de sobrevivência”, destaca Ana Maria. 

A decisão do TRF-4 ainda cabe recursos.  

Danos morais  
A Ação Civil Pública também exige o pagamento de indenização para a Comunidade por danos morais coletivos, pela demora na titulação da área. Na decisão da última quarta-feira o TRF-4 manteve também o reconhecimento do dano moral coletivo da morosidade e determinou o pagamento de indenização pelo estado no valor de R$500 mil a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.  

Para a liderança da comunidade este valor é simbólico diante do ônus que a comunidade sofre há décadas pela violação do direito territorial. “Pelo 50 ou 60 anos que as famílias trem ficado de fora do território é valor muito pouco enquanto quem ficou em cima do território dos quilombolas [grupos que se apropriaram da área] ficou milionário. Muitas famílias seguem sem casa, sem uma condição de sobrevivência e uma moradia digna”, aponta. 

 



Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Comunidade quilombola Paiol de Telha
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos