Notícias / Notícias



Comunidade Paiol de Telha (PR) recorre à decisão do TRF-4 e reafirma direito ao território tradicional


Em julgamento de ação movida pela Cooperativa Agrárias contra a Comunidade, desembargadores desconsideram que posse quilombola já está assegurada pelo Incra.

  Área da comunidade tradicional quilombola já está em avançado estágio do processo de desapropriação e indenização. Foto: Lizely Borges

A Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha, localizada em Reserva do Iguaçu (PR), recorreu nesta segunda-feira (10), à decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em julgamento da ação sobre a posse de três áreas da comunidade tradicional.  

Em decisão recente os desembargadores do TRF-4 acolheram o recuso de apelação em ação de interdito proibitório movida pela Cooperativa Agrária que busca reaver o território tradicional já reconhecido pelo Estado brasileiro como de direito da população tradicional. O julgamento da ação havia sido suspenso em julho do ano passado, pelo pedido de vista do desembargador federal Rogério Favretto para análise mais detalhada da ação.

Com a retomada do julgamento nas últimas semanas, os magistrados acolheram o pedido de reintegração de posse pela Agrária até encerramento processo de desapropriação e do pagamento da indenização à Agrária – uma das etapas finais do longo processo de titulação de um território tradicional quilombola. Na área em julgamento residem atualmente 50 famílias quilombolas.

Atenta ao julgamento, a Comunidade aponta que a decisão do TRF-4 desconsidera que as áreas em questão já estão sob posse e em nome do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) – num avançado estágio do processo de desapropriação e indenização de área quilombola.  

Em 2021 a autarquia obteve a imissão de posse das áreas que ainda não foram tituladas. Ainda que não seja propriamente a titulação da área, a imissão antecipa os efeitos de titulação até que a efetiva titulação aconteça, permitindo às famílias o exercício da posse tradicional quilombola sobre essas áreas. Isto porque, como medida liminar, possibilita que a autarquia federal transfira a posse das matrículas para a associação quilombola da comunidade. Com isso, a posse não é mais da Cooperativa. Assim, do ponto de vista jurídico, a ação julgada pelo Tribunal Regional Federal perdeu validade. A imissão da posse também permite, em termos legais, o direito de ocupação das áreas e organização da vida no território tradicional pelas famílias. O recurso em julgamento apenas foi para o TRF-4 porque a Cooperativa já tinha perdido na 1ª instância, na 11ª Vara de Curitiba. Na justiça federal a Agrária buscava reverter a decisão inicial.  

A decisão pelo TRF-4 também desconsidera recente decisão do 11ª Vara Federal da Justiça Federal sobre os direitos territoriais da Comunidade Paiol de Telha. Em abril deste ano a 1ª instância sentenciou a União e o Incra a regularizarem a totalidade do território tradicional. Isto porque apenas 225 dos 2,9 mil hectares reconhecidos pelo Incra por meio da Portaria de Reconhecimento nº 565 foram titulados até o momento. A sentença ocorre no âmbito da Ação Civil Pública (ACP) movida em 2018 pela Comunidade contra a União e a autarquia justamente pela morosidade no processo de regularização fundiária do território quilombola. Ainda que a imissão de posse e a decisão da Ação Civil Pública sejam em esferas distintas, ambas determinam o compromisso do Estado na titulação quilombola e de não assegurar o ônus da morosidade do processo às famílias – diferentemente da recente decisão do TRF-4. 

É importante que os desembargadores do TRF-4 reconheçam a área que é de direito das famílias quilombolas para que estas famílias estejam num espaço digno para cuidar de seus filhos, ter o sustento na mesa e desenvolverem suas atividades culturais”, destaca o presidente da Associação da Comunidade Paiol de Telha, Divonzir Manuel dos Santos. 

Na avaliação da assessoria jurídica da Terra de Direitos, organização que assessora a comunidade Paiol de Telha nos processos de regularização fundiária, o TRF-4 deve reconhecer que a posse das áreas não está mais sob controle da Cooperativa Agrárias, mas da própria comunidade.  

"Desde novembro de 2021 a posse regular das áreas em questão não é mais da Cooperativa Agrária, pois o processo de desapropriação avançou com a imissão de posse e consolidação da propriedade para o Incra que em novembro de 2022 as transferiu para a comunidade”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Kathleen Tie.   

Com isso, a pressão ao Estado para pagamento de indenização da área deve ocorrer pela pressão à União, e não às famílias quilombolas. Medidas como ingressar na Ação Civil Pública, como terceira parte interessada ou propor uma ação ou mesmo seguir em acordos com o Incra, entre outras possibilidades, são - na avaliação da Terra de Direitos – medidas de menor impacto às famílias residentes na área. As 50 famílias já têm instaladas nas três áreas em julgamento, por exemplo, plantio de alimentos, criação de animais e casas. 

 

 



Notícias Relacionadas




Ações: Quilombolas
Casos Emblemáticos: Comunidade quilombola Paiol de Telha
Eixos: Terra, território e justiça espacial