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Com julgamento paralisado no STF, decisão que suspende despejos durante a pandemia segue em vigor


Liminar concedida pelo ministro Barroso no início do mês de junho determina suspensão de despejos e remoções por seis meses de famílias em contexto de vulnerabilidade

Comunidade Mandela, em Campinas (SP), vem sofrendo sequentes ameaças de despejo durante a pandemia.  Foto: Fabiana Ribeiro/Jornalistas Livres

O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828 foi suspenso, na noite desta quinta-feira (10), após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes. Com isso, o julgamento da ação protocolada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em abril deste ano, é paralisado e a decisão liminar do ministro e relator da ação, Roberto Barroso, segue em vigor.

No início de junho, Barroso deferiu parcialmente uma medida cautelar suspendendo por seis meses medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de ocupações realizadas até 20 de março de 2020, data em que foi declarado o estado de calamidade pública da Covid. Para ocupações posteriores a essa data as remoções não estão suspensas, mas o ministro determinou que o poder público deve assegurar abrigo público ou moradia adequada às famílias. Barroso ainda suspendeu, também por seis meses, o despejo liminar sumário de pessoa que aluga o imóvel e esteja em contexto de vulnerabilidade. Neste caso, ele determina que o despejo só pode ocorrer após uma audiência entre as partes e atenção ao devido processo legal.

Realizado em plenário virtual em sessão extraordinária, nos dias 10 e 11, o julgamento da ação já somava  - antes do pedido de destaque de Gilmar Mendes - 5 votos pelo acolhimento à ação. Acompanhando o voto do relator Barroso, os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber votaram pelo acolhimento da ADPF. Já os ministros Nunes Marques e Marco Aurélio divergiram do relator e votaram pela improcedência da ação que reivindica a suspensão dos despejos. Os ministros Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Alexandre de Moraes não manifestaram seus votos ainda. 

Com o pedido de destaque e de acordo com a Resolução 642/2019, o ministro Barroso deve encaminhar o processo ao plenário para julgamento presencial. Diferente do plenário virtual em que os ministros submetem seus votos em uma plataforma virtual, no julgamento no plenário físico (realizado em módulo online por conta da pandemia), ocorre o encontro entre os ministros. Para que o processo retorne para julgamento, é necessário que o presidente do STF, Luiz Fux, in clua a ADPF na pauta do plenário. E então o julgamento é reiniciado, isto é, os votos já manifestados podem ser invalidados. Até a retomada do julgamento, a liminar do ministro Barroso segue válida. 

“Em qualquer circunstância, mas sobretudo nesse momento de pandemia, é essencial evitar que mais pessoas fiquem desabrigadas, por isso a importância da cautelar deferida pelo ministro Barroso, que segue em vigência, aguardando o julgamento do plenário", destaca a assessora jurídica popular da Terra de Direitos e integrante da Campanha Nacional Despejo Zero, Daisy Ribeiro. 

“A crise econômica, o desemprego e a fome conexos à crise sanitária impactam duramente famílias que têm perdido a capacidade de pagar aluguel. Este quadro, ante a ausência total de políticas de acolhimento às famílias, torna fundamental suspender os despejos como forma de o estado garantir o mínimo: interrupção dos fluxos, protegendo o direito à vida, à saúde individual e coletiva de todas as pessoas expostas nas operações de remoção (servidores, famílias, coletividade)”, complementa a pesquisadora do Observatório de Remoções e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Júlia Ávila Franzoni.

Diversas organizações de direitos humanos contribuem no julgamento na figura de amicus curiae (amigos da corte), entre elas a Terra de Direitos, O Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST Brasil) e o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU). Em destaque as organizações pontuaram como a permanência em casa é medida de proteção à vida individual, familiar e coletiva, em especial considerando a grave crise epidemiológica pela qual passa o país. Nas manifestações, as organizações têm destacado o dever do Estado em proteger as famílias em situação de vulnerabilidade, que já vem sofrendo diante da ausência de políticas de acolhimento e com os efeitos perversos da crise sanitária, como o desemprego e a fome.

De acordo com a Campanha Despejo Zero, iniciativa que congrega mais de 140 organizações e movimentos do campo e cidade, mais 14 mil famílias - de todas as regiões do país - foram despejadas desde o início da pandemia no país. 

Ameaças de novos despejos
A importância da vigência da liminar de Barroso acena com outra realidade mapeada pela Campanha - mais de 84 mil famílias correm risco de despejo e remoção. Com variedades ainda mais agressivas do vírus, colapso do sistema de saúde e aumento das desigualdades, a permanência nas casas é condição para proteção das vidas ameaçadas de remoção, apontam as organizações.

“A decisão do ministro Barroso é fundamental para continuar a luta pela suspensão dos despejos durante pandemia, mas é também nosso papel o fortalecimento dessa decisão em todos os espaços de decisão, nas comarcas, junto às comunidades e juízes”, destaca o assessor jurídico do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, Benedito Barbosa. Ainda que tenha a decisão da alta corte, a Justiça de Rondônia manteve nesta mesma quinta-feira a ordem de despejo contra os moradores do Seringal Rio Preto, em Machadinho D’Oeste (RO). As famílias ocupam a área desde 2017, ou seja, seriam contempladas pela liminar do ministro Barroso. 

 




Eixos: Terra, território e justiça espacial

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