Notícias da Covid-19

Comunidades tradicionais pantaneiras do Mato Grosso recebem cestas básicas de alimentos da reforma agrária


Iniciativa busca garantir segurança alimentar às famílias durante a pandemia. Com recorde de queimadas, Pantanal perdeu 29% da área total.

As cestas básicas chegaram de barco até as comunidades. Foto: Edinalda Pereira do Nascimento

As famílias das comunidades pantaneiras Piraim e Barranqueira, localizadas no município de Barão de Melgaço (MT), no curso do rio Piraim, receberam no último sábado (05) cestas básicas de alimentos oriundos da reforma agrária. A iniciativa da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, com apoio da Terra de Direitos, busca garantir segurança alimentar às 104 famílias neste contexto de pandemia da Covid-19. 

Ainda que estejam distante em apenas 110 quilômetros da capital Cuiabá e o município tenha recebido aporte financeiro para o contexto de pandemia, as comunidades relatam não terem recebido auxílio para atendimento às necessidades básicas.

No entanto, não apenas a ameaça da crise epidemiológica é presente nas comunidades tradicionais. Percorrer lentamente as baixas águas do Rio Piraim, afetadas pela forte seca e intensas queimadas na região pantaneira, para chegar às comunidades, é uma síntese sobre como as comunidades tradicionais sofrem com o abandono do Estado e com a mercantilização da terra que avança sob seus territórios.

“As comunidades tradicionais pantaneiras estão passando por um dos momentos mais difíceis de sua história pois, não bastasse o Covid-19 que tem afetado as comunidades, soma-se a isso a questão dos incêndios florestais ocorridos neste ano. Tudo isso coloca as comunidades em situação de vulnerabilidade social e ambiental, com os territórios atingidos pelo fogo. Muitas roças, áreas de coleta de frutos e até mesmo a água têm sido contaminadas”, destaca a coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, Claudia Sala de Pinho.  

Em grande escala, as queimadas - em grande parte vinculadas à criação de gado - devastaram o bioma Pantanal neste ano. De acordo com monitoramento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), até o dia 11 de novembro foram registrados 21.752 pontos de queimadas, maior número registrado desde o início do monitoramento, em 1998. O resultado foi a perda de 29% do bioma nos estados do Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul, aponta nota técnica do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além de uma vegetação e uma fauna tomada por fogo e pelas cinzas, a perda dos plantios de alimentos também faz parte desta trágica marca recorde. Com isso, os povos pantaneiros tiveram uma intensificação da insegurança alimentar. 

"As comunidades Pantaneiras têm enfrentando muitas dificuldades no acesso aos direitos básicos, agravado pela pandemia. As queimadas já afetaram em larga escala o modo de vida das comunidades, já cercadas pelo agronegócio e empreendimentos, tendo os seus territórios progressivamente expropriados e seu bioma afetado pelo projeto neodesenvolvimentista que prioriza acumulação de capital em detrimento da conservação socioambiental da biodiversidade”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Ceci Martins. 

Como o acesso aos alimentos se apresenta como demanda imediata diante do contexto das queimadas, as iniciativas de solidariedade desempenham um importante papel. “A produção e o acesso aos alimentos têm sido cada vez mais difícil. Culturalmente as comunidades tradicionais sempre fizeram roças, coletavam frutos, pescavam e algumas cultivavam hortas, com a destruição dos territórios pelos incêndios é preciso ter resiliência na busca de alternativas a curto e médio prazo, como ação de solidariedade, busca por sementes e produção de mudas, ainda intensificando plantio de hortas”, lamenta Claudia. 

“A ação de solidariedade vem para trocar apoio com as comunidades tradicionais, cuja luta no Pantanal é puxada pela Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, organizada em torno da defesa do bioma, direitos e territórios dos pantaneiros e pantaneiras”, complementa Ceci. 

Além das queimadas, a Covid e o agronegócio ameaçam os territórios tradicionais. Foto: Edinalda Pereira do Nascimento

 

A entrega dos alimentos inspirou o morador da comunidade Santana do Piraim, no município de Barão de Melgaço, Adotivo Lino da Silva, a rascunhar uns versos. Com a permissão dele, seguem as palavras que falam sobre resistência:

Através destes simples versos,
Uma história eu vou contar,
Que ocorreu em Piraim, 
Na região do Pantanal.

Piraim fica bem distante;
Que ali ninguém quase passa!
Se quiserem nos visitar;
Não fique imaginando vá e faça!

Continuando aquela história,
Com detalhes em todos segundos!
Pra não perder os fios da meada,
E nela ir à fundo! 

Era quase onze da manhã,
No porto da minha casa três embarcações ancoravam.
Todos cheios de alimentos,
Que pras famílias doavam!

Não sabia de onde vinha,
E quem estava no comando,
Sabia que dois eram irmãos, 
E pra um foi perguntado.

De onde vem essa ajuda?
Respondeu com muito respeito,
Uma delas vem do projeto;
Chamada Terras de Direitos.

Mas a outra que faz presença,
Te ajuda da mesma maneira.
Rede de Comunidades,
Tradicionais Pantaneira.

Eu ali em pensamento, 
Logo a Deus foi agradecendo! 
Por cada um daquela equipe,
Pela boa ação que estavam fazendo!

Meu Deus muito obrigado
Por  ter nos ajudado,
Pois recursos muitos não tinham, 
Pra comprarem nos mercado!

Sempre no mês Dezembro,
Quem presenteia é o Papai Noel. 
Mas este ano foi diferente, 
Quem nos presenteou foi o PAPAI DO CÉU. 

Todas as famílias ganharam,
E transbordam de felicidades.
Pois, por causa da pandemia, 
Encontravam dificuldades. 

Os recursos que eles tinham, 
Não sobra por serem pouco!
Pois os preços das coisas estão
Subindo feito louco!

"As embarcações em ação "

Uma dela  tinha  no comando,
Um rapaz chamado Dileno.
Lá pelas onze da manhã, 
Com sua lancha foi descendo.

Passando de porto em porto,
As suas entregas fazendo. 
Devido a viagem longa,
Já chegaram na barra escurescendo.

As oitos horas da noite foram chegando, 
Viram que eram casa de alguém. 
Desceram da embarcação pra saberem,
Que  aquela casa era de quem!

Dona Francisca era proprietária,
Da casa manda chegar!
Só deixaram as cestas básicas,
Pra outras famílias ela entregar.

Partiram o rio acima,
Vendo a noite passar,
Só chegaram de madrugada, 
Vendo o dia clarear!

Dessa forma muito simples,
Simples assim, vai ficar.
Vai com Deus em seu comando,
E com Deus essa história vou encerrar!
 
 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar

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