Estado brasileiro é denunciado à OEA por violar direito à informação e acentuar vulnerabilidade à covid-19
Lizely Borges
Denúncia assinada por conjunto de organizações destaca que postura de governo põe população em risco, em especial a população negra.
A sistemática e caótica condução das informações sobre a pandemia da Covid-19 pela Presidência da República, com impactos diretos no aumento da vulnerabilidade da população mais pobre do Brasil, em especial da população negra, é objeto de denúncia feita por um coletivo de organizações e protocolada na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
No documento o espectro diverso de peticionários, entre eles a Terra de Direitos, denuncia que as frequentes manifestações e ações de Jair Bolsonaro (sem partido) e seu governo criam um ambiente de desinformação, omissão e caos sobre a gravidade e riscos da pandemia, em evidente violação do direito humano à informação verdadeira, transparente, coerente e baseada em evidências científicas, direito este assegurado em normativas internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos e Constituição Federal. A denúncia foi protocolada em abril.
Ainda que a pandemia global apresente expressivos números, como mais de 3 milhões de casos confirmados e mais de 200 mil mortes em decorrência da doença, e a contabilização de casos no país já seja trágica, o governo brasileiro tem emitido informações e mensagens contraditórias às orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e representantes da própria pasta da Saúde, sem respaldo em conhecimento científico. Declarações por Bolsonaro de que se trata de uma “gripezinha”, de que “noventa por cento de nós não teremos qualquer manifestação caso se contamine” e mesmo o desenvolvimento da campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, de defesa da flexibilização do isolamento social geram, de acordo com a denúncia, um ambiente desinformativo de relativização da gravidade da pandemia.
“São medidas que, em vez de esclarecer e informar o público de forma cientificamente embasada e de maneira coerente, confundem os cidadãos e as cidadãs brasileiras, pois menosprezam a gravidade internacional da pandemia de coronavírus e contraindicam as demais medidas sanitárias e de informação apresentadas por outras autoridades públicas brasileiras (governadores de estados federados e Ministro da Saúde)”, aponta um trecho da denúncia. Um resultado direto das declarações, sublinha o denúncia, tem sido a realização de carreatas em diversas cidades brasileiras, cujo objetivo são o de defender o fim das medidas de restrição de contatos.
Para os signatários da denúncia e como apontam estudos sobre a manifestação da pandemia, a flexibilização do isolamento social deve impactar, com maior força, a “população mais pobre do Brasil, em sua maioria negra, diante das condições de vulnerabilidade social impostas a esse grupo e do anunciado colapso do sistema público de saúde, conhecido pelo órgão de inteligência do governo”, destacam as organizações.
Com o entendimento de que, diante da dúvida sobre adoção de medida sanitária, deve prevalecer a escolha que ofereça maior proteção à saúde, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso, proibiu – em decisão liminar – a produção e circulação da campanha dias depois de lançada.
O documento ainda destaca o risco de pronunciamentos pela Presidência sem amparo cientifico, como a defesa do uso de cloroquina, e a da defesa da economia, em sobreposição à defesa da vida quando, por exemplo, argumentou que a população mais pobre deve seguir com o deslocamento para exercício de suas atividades de trabalho.
Adoção de medidas
Diante de uma sistemática desinformação promovida pelo governo brasileiro, sem indicativo de interrupção desta prática, o conjunto de assinantes solicita a adoção de medida cautelar de recomendação ao governo brasileiro, em especial à Presidência, para que informações contrárias as recomendações da OMS sobre a pandemia não sejam divulgadas.
“Na medida em que são desconhecidos vacinas e medicamentos eficazes contra a doença e na medida em que é de conhecimento público mundial que o seu contágio é rápido, aumentando dia após dia o número de infectados em escala exponencial, tem-se demonstrado a urgência da situação, a demandar a intervenção da Comissão, para recomendar ao Estado brasileiro a divulgação de informações coerentes, transparentes e baseadas em evidências científicas acerca dos riscos a que estão expostos os seus cidadãos e as suas cidadãs e os seus entes queridos”, diz outro trecho.
Considerando a gravidade do contexto e do posicionamento do governo brasileiros, os peticionários ainda sugerem que seja instalada uma Relatoria específica para a pandemia do Covid-19 e a proteção de direitos humanos.
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos