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“Judiciário não é uma solução emancipatória. Emancipatórios são nossos sonhos transformados em ação política"


Em debate inaugural realizado pela Terra de Direitos debatedores situam papéis do Judiciário no enfrentamento à pandemia e violações

Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

Diante do protagonismo crescente do Judiciário brasileiro nos últimos anos - desde em operações de combate à corrupção, no golpe contra Dilma Rousseff e no contexto de pandemia - o papel desse terceiro poder foi o centro do debate promovido na noite desta segunda-feira (04) pela Terra de Direitos.

A live ‘Respostas à pandemia: o ativismo judicial é a solução?'  inaugurou a série “Direitos Humanos em Foco”, o novo quadro de debates online semanais promovidos pela organização e que tem como eixo estruturante a garantia dos direitos humanos.

Em diálogo com a conjuntura, a equipe da Terra de Direitos e convidadas/os irão refletir sobre a relação entre o direito à moradia, à terra e território, à alimentação saudável, ao respeito e soberania dos povos e comunidades tradicionais, a ação de empresas e megaempreendimentos, entre outros.

Mediado pela pesquisadora e coordenadora da Terra de Direitos, Élida Lauris, esse primeiro debate contou com a participação da advogada de direitos humanos integrante da Coalizão Negra de Direitos, Sheila de Carvalho, do juiz do Tribunal de São Paulo e integrante da Associação Juízes pela Democracia (AJD), André Augusto Bezerra, e do professor de direito da Universidade Federal do Pará (UFPA), Antônio Maués.

A partir da crise de legitimidade política envolvendo os três poderemos no país, os participantes refletiram se, diante da pandemia enfrentada pelo Brasil, há condições de que problemas políticos sejam resolvidos politicamente ou se a judicialização será a única saída.

O juiz André Bezerra aponta que, cada vez mais, juízes e desembargadores são chamadas a atuar em questões que, em princípio, não lhes caberia, e apontou para os riscos disso. Segundo ele, a composição do poder judiciário - de homens e brancos, em sua maioria -, a falta de transparência e a hierarquização herdada durante a ditadura militar revelam pouca democracia no espaço.  "A judicialização na política nunca é solução democrática para nada", avalia. 

Apesar da críticas, o juíz também pondera que a judicialização se torna cada vez mais necessária, em um contexto de déficit democrático também nos poderes executivos e legislativos, com posturas e medidas autoritárias tomadas pelo presidente da república. 

“Como esperar que uma decisão judicial proibisse  a veiculação de uma propaganda do governo contra o isolamento?”, destaca. Outras decisões relevantes do Supremo Tribunal Federal (STF) neste contexto de pandemia - como a proibição da entrada de missionários em terras indígenas ou a suspensão de despejos  - também foram citadas. 

A advogada Sheila de Carvalho aponta que, em muitos casos, a judicialização da política é necessária - e tem bons resultados. “Não há problema em trazer os debates travados na sociedade para o âmbito do judiciário”. No entanto, ela alerta que para que a judicialização da política não seja confundida com ativismo judicial - este último muito mais perigoso.

Exemplo desse tipo de ativismo, segunda Sheila, foi a atuação do então ministro do STF, Joaquim Barbosa, no caso Mensalão, quando o ministro “deixou de ser corte para protagonizar o debate”. Nesse objetivo, a advogada destaca que em diversos momentos Joaquim Barbosa passou por cima da constituição - o que parece algo normalizado nos dias atuais. “De tanto fugir a regra, hoje vivemos essa exceção absoluta”.   

Papel do judiciário

O professor de direito, Antônio Maués, também lembrou do papel decisivo do poder judiciário em outros momentos políticos brasileiros - e muitas vezes, com a conivência do STF no desrespeito à constituição, como nos casos da Operação Lava Jato e golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Mas ele destaca que, com o acentuamento da crise de governabilidade de Jair Biolsonaro e a pandemia de Covid-19, o Supremo volta a buscar o protagonismo político, como nas decisões que suspenderam campanhas do governo contra o isolamento social. 

“STF está recuperando a visão de que cabe ao judiciário atuar como contrapeso e freio”, fala. O professor também destaca que é possível observar decisões da Corte que buscam barrar o avanço de um projeto autoritário, mas alerta: “Se vemos movimento para frear presidente, não vemos mesma movimentação para garantir direitos sociais”.  

Coordenadora da Terra de Direitos, Élida Lauris também destaca que é Judiciário é um poder em disputa mas, por si só, não deve ser visto como tábua de salvação aos problemas enfrentados atualmente no Brasil. “O judiciário  não é um bem ou uma solução emancipatória pra nada,  emancipatórios são nossos sonhos transformados em ação  política, são nossas alianças e a nossa visão de bem viver e de construção de uma sociedade melhor. A partir daí a nossa  ação política em torno da discussão do judiciário pode ser transformadora. Vinda de nós, sociedade”.

Direitos Humanos em foco

A série ‘Direitos Humanos em Foco’ será transmitida ao vivo todas às segundas-feiras, às 19h, nos canais do Youtube e Facebook da Terra de Direitos. 

A compreensão que orienta a realização dos debates online é a de que este período - de grave crise estrutural e epidemiológica, revelador de uma falência do modelo social, econômico e de bem-estar e da expressão perversa das desigualdades e mercantilização da vida – deve ser acompanhada de um amplo e intenso debate pelo conjunto da sociedade, a fim de pensar caminhos e responsabilidades pelos diferentes sujeitos, tendo como base de leitura das realidades a reafirmação e efetivação dos direitos humanos como imperativos no enfrentamento destas crises. 

Esta leitura pela Terra de Direitos do cenário atual , assim como o relato das ações desenvolvidas pela organização neste contexto, estão mais detalhados nos editoriais publicados. Acesse o último editorial

Assista o debate completo:

 



Ações: Democratização da Justiça

Eixos: Democratização da justica e garantia dos direitos humanos, Política e cultura dos direitos humanos

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