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Organizações pedem para entrar em ação que impede despejos e alertam: é questão de saúde pública


Mapeamento aponta atualmente mais de 72 mil famílias ameaçadas de despejo durante a pandemia de Covid-19

Foto: Scarlett Rocha/ Moradores e apoiadores tentam impedir retirada das casas da ocupação CCBB em Brasília -DF

Na última sexta-feira (07), as organizações de direitos humanos Terra de Direitos e Centro Gaspar Garcia protocolaram o pedido de Amicus Curiae (amigo da corte) na ação que discute o fim das remoções, desocupações, despejos e reintegrações de posse enquanto durar o atual cenário de pandemia da Covid-19. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828 foi protocolada no  Supremo Tribunal Federal (STF) em abril deste ano, pelo Partido Socialismo e Liberdade - PSol, e está sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso.

 No pedido de participação como amigo da corte, as organizações reforçaram a importância da suspensão das remoções em sede cautelar. Argumentam o real cenário das famílias ameaçadas de despejo, marcado pelo desemprego, fome e baixas condições sanitárias e como as remoções agravam o estado de hipervulnerabilidade dessas famílias pela perda das moradias. As organizações reforçam também a necessidade dessas moratórias como essenciais em matéria de saúde pública, porque remoções coletivas implicam em mobilização de grandes operações policiais e a impossibilidade de qualquer isolamento. Assim, em respeito ao princípio da precaução e da maximização do direito à saúde e à vida, a medida de suspensão é essencial. 

A ação no STF pode reforçar um processo de criação de uma barreira maior de proteção para as  famílias em ocupações irregulares. Isso porque, em fevereiro de 2021 o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Recomendação 90/2021 para orientar que juízes e juízas tenham cautela especial na solução de conflitos que tratem de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus e observem a Resolução nº10/2018 do CNDH. No entanto, segundo a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro, “há casos em que a recomendação não tem sido observada. Além de algumas decisões judiciais, ganham destaque os despejos administrativos, realizados pelas Prefeituras sem qualquer ordem judicial e geralmente sem procedimento que possibilite sequer a defesa das famílias.” 

Crise epidêmica e crise social

Segundo dados da Campanha Nacional Despejo Zero - Em defesa da vida no campo e na cidade, foi possível identificar, no período de 01 de março de 2020 até 29 de abril 2021, que mais de 12.570 famílias foram removidas, em 101 casos mapeados em diferentes estados do Brasil – ou seja, em média, mais de 50 mil pessoas. O mapeamento também identificou que ao menos 261 comunidades ainda estão sob ameaça de remoção, de modo que estão sujeitas a perderem seus abrigos, neste grave momento da pandemia, pelo menos 72.169 famílias. O levantamento feito pela Campanha utiliza um método colaborativo, portanto este número deve ser ainda maior, se considerarmos o alto grau de subnotificação para estes casos. 

Segundo o pedido de amicus das organizações, o impacto das remoções e despejos afeta principalmente a vida de pessoas negras. Segundo dados nos dois maiores municípios brasileiros, São Paulo e Rio de Janeiro, a chance de uma pessoa preta ou parda residir em um aglomerado subnormal é mais do que o dobro da verificada entre as pessoas brancas, segundo o último censo realizado. De acordo com o IBGE, em 2018, “o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas (R$ 2.796) foi 73,9% superior ao das pretas ou pardas (R$ 1.608)”. Além disso, o acesso aos serviços essenciais, como saneamento básico, também é menor entre pessoas negras, refletindo a desigualdade racial brasileira. 

Outro aspecto importante defendido pelas organizações para a pausa nos despejos durante a pandemia é o retorno do Brasil ao mapa da fome. Segundo Pesquisa Nacional de dezembro de 2020 da Rede PENSSAN, cerca de 19 milhões de pessoas estão literalmente passando fome, sem conseguir nem mesmo adquirir alimentos básicos. Com a continuidade dos despejos, muitas ocupações que dependem da terra para garantir sua subsistência estariam prejudicadas neste momento de crise. 

O desemprego também é um fator que intensifica a vulnerabilidade de famílias que vivem em ocupações irregulares. Atualmente a expectativa é que em 2021 o Brasil tenha a 14ª maior taxa de desemprego do mundo em 2021, segundo levantamento da Austin Rating, a partir das projeções do último relatório do FMI. Considerando também que no país a maioria das famílias comprometem 30% ou mais da renda domiciliar com o peso excessivo do aluguel, essas famílias ao serem despejadas passam a ter que escolher entre moradia ou alimentação. 

Para o advogado do Centro Gaspar Garcia Benedito Barbosa, “a decisão do STF sobre a ADPF 828  é fundamental. O movimento de luta por moradia está trabalhando intensamente dentro da Campanha Despejo Zero em colaboração com ação proposta pelo Psol para que a gente possa ter uma decisão favorável que norteará as ações em todo Brasil pela suspensão dos despejos”, enfatiza o advogado.  

A ADPF ainda não tem data para ser julgada. O ministro Barroso solicitou informações aos estados da Federação, ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República. Caso o pedido cautelar seja decidido favoravelmente, ficam suspensas as ordens de remoção. Nos casos de área de risco em que a intervenção do poder público seja inadiável, como as regiões suscetíveis a deslizamentos de grande impacto, inundações ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, a Ação pede que sejam cumpridos cuidados inerentes à situação de contágio da Covid-19, com garantia de medidas alternativas de moradia.


Confira o pedido completo de Amicus Curiae

 

 

 

 



Ações: Conflitos Fundiários, Direito à Cidade

Eixos: Terra, território e justiça espacial

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