Seis das oito principais ações de enfrentamento da pandemia estão com execução orçamentária abaixo de 50%
Coalizão Direitos Valem Mais chama a atenção para a baixa, lenta e seletiva execução do orçamento federal da COVID-19 e para a necessidade de revisão urgente da LDO 2021. Documento apresenta alternativas para recomposição do financiamento das políticas públicas.
Quatro meses após a aprovação da lei de medidas de emergência para o combate ao COVID-19 (Lei 13.979), seis das oito principais ações de enfrentamento da pandemia estão com execução orçamentária abaixo de 50%. Na saúde, apenas 25% dos recursos foram executados. Já no orçamento para repasse da União aos Fundos de Participação de estados, municípios e distrito federal, o percentual executado foi de apenas 12%.
Em novo Alerta Público ao Congresso Nacional, sistema de Justiça e sociedade lançado nesta sexta-feira (05) a Coalizão Direitos Valem Mais, que reúne 192 organizações e redes de sociedade civil, Conselhos Nacionais de Direitos, entidades sindicais e instituições acadêmicas das várias áreas sociais destaca a baixa, lenta, seletiva e desigual regionalmente execução orçamentária do governo federal e a insustentabilidade da manutenção da Emenda do Teto dos Gastos (EC95/2016).
Dotação autorizada, paga e porcentagem da execução por ação orçamentária
Ação orçamentária |
Autorizado |
Pago |
%Executado |
00S4 – Auxílio emergencial de proteção social a pessoas em vulnerabilidade |
R$ 123,9 bilhões |
R$ 76,4 bilhões |
62% |
21C2 – Benefício emergencial de manutenção do emprego e da renda |
R$ 51,6 bilhões |
R$ 5,8 bilhões |
11% |
21C0 – Enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional |
R$ 39,7 bilhões |
R$ 9,9 bilhões |
25% |
00S5 – Concessão de financiamento para pagamento da folha salarial |
R$ 34 bilhões |
R$ 17 bilhões |
50% |
00S3 – Auxílio financeiro aos estados, DF e municípios para compensação da variação nominal negativa dos recursos repassados pelo fundo de participação |
R$ 16 bilhões |
R$ 1,9 bilhões |
12% |
8442 – Transferência de renda diretamente às famílias em condições de pobreza e extrema pobreza |
R$ 3 bilhões |
R$ 257 milhões |
9% |
00NY – Transferência de recursos para a conta de desenvolvimento energético |
R$ 900 milhões |
R$ 650 milhões |
72% |
20TP – Ativos civis da União |
R$ 338 milhões |
R$ 102 milhões |
30% |
Fonte: IFI, Painel de créditos extraordinários (dados extraídos em 26/05/2020). Elaboração: Coalizão Direitos Valem Mais
Além de chamar atenção para a baixa execução orçamentária no combate à pandemia, o documento também alerta para insustentabilidade de manter o Teto dos Gastos (EC95/2016) em vigência. Aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer, o Teto de Gastos é considerado pela ONU como a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta por impor drásticos cortes no investimento social e ambiental. A Ministra Rosa Weber é a relatora das seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade que pedem o fim da Emenda. No final de maio, a EC95 foi objeto de carta ao STF de Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, que pediu às Ministras e aos Ministros da Corte que suspendam a Emenda em prol da vida de meninas e mulheres e da implementação do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
No Alerta Público, a Coalizão destaca que a deflação de 2020 levará a mais cortes em 2021. Isso ocorre em decorrência das regras previstas na Emenda Constitucional 95, que estabelecem a correção dos gastos públicos com base na inflação do ano anterior: a deflação, ou seja, inflação negativa, acarreta diminuição de recursos.
"É fundamental que a Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2021, enviada pelo Executivo Federal em 15 de abril, a ser apreciada pelo Congresso até meados de julho, estabeleça mudanças profundas no texto suspendendo os efeitos da Emenda do Teto dos Gastos. A manutenção da Emenda inviabilizará o custeio da máquina pública em 2021 por conta: da deflação nesse ano; da situação extremamente precária das políticas sociais e ambientais; e da necessidade de mais investimentos públicos para a sustentação e ampliação da renda básica emergencial e recuperação econômica no contexto pós-pandemia", alertam as entidades no documento.
Além da análise orçamentária, o Alerta Público apresenta um conjunto de alternativas econômicas para que o Estado brasileiro recupere a capacidade de financiamento das políticas públicas. O documento também critica os vetos do Presidente Bolsonaro, divulgados no dia 3 de junho, à lei que previa a extinção do Fundo de Reserva Monetária, mantido pelo Banco Central, que possibilitaria a destinação de R$ 8,6 bilhões a estados, Distrito Federal e municípios para compra de equipamentos e materiais de combate à COVID-19.
Pelo fim do Teto de Gastos
- No final de maio, a EC95 foi objeto de carta ao STF de Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, que pediu às Ministras e aos Ministros da Corte que suspendam a Emenda em prol da vida de meninas e mulheres e da implementação do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014).
- No mês de março (17/03), as entidades reunidas na coalizão Direitos Valem Mais entraram com uma petição no Supremo Tribunal Federal pela suspensão imediata da EC 95/16. No documento, as organizações alegam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das políticas sociais e de aumento da pobreza da população, e que seus efeitos vão ultrapassar 2020.
- No início de abril (13/04), a coalizão lançou um alerta sobre a absurda priorização do sistema financeiro sem contrapartida na PEC do Orçamento de Guerra, que está em tramitação no Congresso.
- Já em 23 de abril, a derrubada do Teto de Gastos foi recomendada por uma pesquisa orçamentária conduzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), uma das entidades da coalizão. A partir da análise do orçamento público, a pesquisa demonstra que as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da Emenda Constitucional 95 reduziram as políticas sociais necessárias para proteger a população mais vulnerável, deixando o Brasil “com baixa imunidade” para enfrentar a pandemia.
- Na semana passada (29/04), especialistas da ONU emitiram um novo comunicado ao governo brasileiro em que afirmam que a política econômica do país tem colocado “milhões de vidas em risco”. Para que seja possível enfrentar a pandemia, eles recomendam o fim das políticas de austeridade, como o Teto de Gastos, e o aumento o investimento no combate à desigualdade.
- No inicio de maio, a Coalizão entregou à Ministra Rosa Weber um amplo estudo sobre os impactos da EC95 na pandemia e no cenário pós pandemia e lançou um Apelo Público ao STF. O documento respondeu a um pedido de informação da Ministra ao governo federal sobre os impactos do Teto dos Gastos no enfrentamento da pandemia. O governo federal também entregou sua resposta, ignorando completamente as informações do Conselho Nacional de Saúde, demandadas pela Ministra Rosa Weber.
Sobre a Emenda Constitucional 95
- Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 constitucionalizou a política econômica de austeridade por vinte anos, estabelecendo a redução do gasto público em educação, saúde, assistência e em outras políticas sociais, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra.
- A EC95 instituiu o chamado Novo Regime Fiscal, estabelecendo uma regra para as despesas primárias do Governo Federal com duração de 20 anos e possibilidade de revisão – restrita ao índice de correção – em 10 anos. Pela regra, o gasto primário do governo federal fica limitado por um teto definido pelo montante máximo do ano anterior reajustados pela inflação acumulada, em 12 meses medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
- Devido aos seus efeitos drásticos, a Emenda é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam seu fim imediato pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.
- Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc, da Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.
- Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.
- Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.
- Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.
- Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem as desigualdades e constituem motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos