STF admite Terra de Direitos e CITA em ação que exige política de proteção dos povos indígenas à Covid-19
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Organizações destacam que atendimento do SUS indígena deve ser assegurado para territórios indígenas não demarcados.
O relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 que trata da urgência de adoção de medidas pelo governo para proteger os povos indígenas da Covid-19, ministro Luis Roberto Barroso, acolheu nesta quarta-feira (29) o pedido da Terra de Direitos e Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) para atuar como Amicus Curiae no processo.
Com tal habilitação como Amicus Curiae (amigos da corte), as organizações podem opinar juridicamente sobre o tema da ação judicial e fornecer elementos para decisão a ser tomada pelo Supremo em julgamento que inicia na próxima segunda-feira (03).
"A admissão do Cita como Amicus Curiae representa mais um avanço na forma de intervenção do movimento indígena no Poder Judiciário. O Cita representa povos Indígenas do Baixo Tapajós que ainda não tiveram suas terras demarcadas e tem a possibilidade de mostrar sua realidade para os ministros e ministras do STF", destaca o assessor jurídico popular da Terra de Direitos, Pedro Martins.
Para o coordenador do CITA, Ednei Arapyun, a participação no processo é fundamental para que o Estado, ao conhecer as realidades específicas dos povos indígenas do Baixo Tapajos, execute políticas públicas que garantam os direitos destes povos. “É muito importante pra que todos possam estar sabendo [sobre as realidades locais] e que a gente não fique desamparado pelas políticas públicas que tem que ser colocadas em nosso meio”, destaca.
De autoria da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com o PSB, PCdoB, PSOL, PT, REDE e PDT, a Ação reivindica que o Judiciário determine imediatamente a adoção pelo governo de medidas para garantir proteção aos povos indígenas no contexto de grave crise epidemiológica. De acordo com dados atualizados nesta quinta-feira (30) pela Articulação, o país já contabiliza 599 mortes e 20.809 casos confirmados de Covid-19 entre os povos indígenas em todo território nacional.
Em acolhimento a parte dos pedidos feitos pela Apib e partidos para salvaguardar os povos indígenas diante da pandemia, o ministro deferiu uma liminar no último dia 08. Com isso Barroso determinou a criação de barreiras para indígenas isolados a fim de evitar o contágio do vírus e a elaboração e monitoramento de um Plano de Enfrentamento da Covid-19 para os Povos Indígenas Brasileiros, com participação de comunidades indígenas, entre outras medidas. A decisão ainda precisa ser referendada pelo plenário da Corte, na próxima semana.
Na decisão liminar o ministro Barroso também determinou que os serviços do Subsistema Indígena de Saúde sejam acessíveis a todos os indígenas aldeados, independentemente de suas reservas estarem ou não homologadas. No entanto, o ministro estabelece que a utilização do Subsistema de Saúde Indígena por indígenas não aldeados deve se dar somente na falta de disponibilidade de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, o indígena residente em área urbana ou não aldeado deve ser atendido pelo SUS convencional e, apenas se este estiver sem capacidade de atendimento, ele deve utilizar os serviços de saúde especializados para indígenas.
No pedido feito pela Terra de Direitos e Cita as organizações destacam que normativas, como a Constituição Federal e Lei nº 9.836/99, que institui o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e assim garante a oferta de um serviço específico à estes povos, não faz distinção de atendimento para territórios indígenas demarcados ou não demarcados.
Para as duas organizações é fundamental que a decisão pela Corte – alinhada às normativas constitucionais e infralegais - contemple o atendimento do SUS indígena para áreas demarcadas e não demarcadas, sem distinção ou flexibilizações. “Os objetivos da ADPF nº 709 terão pouco alcance caso não se confirme em análise de mérito pelo plenário a abrangência da decisão favorável para o atendimento no SUS indígena para as áreas que ainda não foram definitivamente demarcadas”, aponta um trecho do pedido.
De acordo com dados publicados no site da Fundação Nacional do Índio (Funai) há, no momento, 450 territórios indígenas homologados. Já outros 236 estão em fase de delimitação, declaração ou em estudo.
“O STF não dispõe de prerrogativas para diferenciar no âmbito da ADPF nº 709 entre povos indígenas, aqueles que recebem a saúde indígena e aqueles que seriam “menos indígenas”, pois não existe tal discriminação”, sublinha outro trecho do pedido feito pelas organizações.
Para a Terra de Direitos e o Cita a prestação de serviços de saúde, ainda mais neste contexto de pandemia, sem observação às especificidades dos povos indígenas constitui uma forte violência. “Vejamos que se não forem atendidos pela saúde indígena, serão tratados como brancos pobres, os brancos pobres também são subnotificados, mas os indígenas têm sua vida e sua identidade negadas. Qualquer discriminação com indígenas oriundos de terras não demarcada é expressão de racismo”, destaca o documento.
Covid no Baixo Tapajós
As treze etnias que habitam a região do “Baixo Rio Tapajós” representadas pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns apresentam grande vulnerabilidade à Covid-19. Instaladas em territórios indígenas não integralmente demarcados pelo Estado brasileiro, a população indígena estimada em 8 mil pessoas deve ser fortemente afetada pela intensa movimentação turística no segundo semestre e frágil estrutura de saúde pública específica para povos indígenas.
Em testagem realizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Santarém (PA) – um dos municípios do Baixo Tapajós com forte subnotificação de casos – em 14 comunidades e aldeias do Tapajós cerca de 117 (78%) dos 149 testes realizados deram positivo, o que demonstra um alto potencial de transmissão do vírus na região.
Mesmo com alto contingente indígena o Baixo Tapajós ainda carece de um Distrito Sanitário Especial Indígena. Tem sido o Distrito Sanitário Guamá Tocantins (DSEI GUATOC), instalado em região próxima a Belém, que realiza o atendimento aos indígenas do Baixo Tapajós.
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos