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Agricultores lesados pela Operação Agro Fantasma recorrem de sentença de improcedência de ação de reparação


Poder Judiciário sentencia encerramento da ação sem escuta às testemunhas e análise das provas.

Foto: Reprodução

Os três agricultores familiares que movem uma ação por indenização moral e material contra a União protocolaram no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nesta sexta-feira (14), um recurso de apelação contra a sentença de improcedência da ação pela 6ª Vara Federal de Curitiba.

Ajuizada em março deste ano, a ação movida por Gelson Luiz de Paula, Nelson José Macarroni e Roberto Carlos dos Santos, agricultores familiares dos municípios de Irati e Inácio Martins, interior do Estado do Paraná, buscam reparar as graves violações cometidas contra os trabalhadores pela “Operação Agrofantasma”, conduzida pelo então juiz federal Sérgio Moro.

Os agricultores relatam diversas ilegalidades e arbitrariedades durante a Operação Agrofantasma. Prisão preventiva ilegal, abuso de autoridade, excesso policial, quebra de imparcialidade e de dever processual de boa-fé são algumas delas. A Operação apurou supostas irregularidades na gestão de recursos e distribuição de alimentos do extinto Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). 

A prisão preventiva determinada por Moro se deu mesmo após o Ministério Público Federal declarar que a prisão poderia ser substituída por medidas cautelares. Conduzidos de forma violenta, os produtores rurais ficaram detidos em Curitiba e Guarapuava, de 48 a 64 dias, no ano de 2013. Na sentença do último processo da operação, expedida em fevereiro de 2017 pela juíza Gabriela Hardt, foi reafirmada a ausência de provas que validem a acusação. “Diante do panorama apresentado, reputo que não restou comprovada a materialidade dos crimes narrados na denúncia, sendo a absolvição dos acusados medida que se impõe”, apontou a Juíza Federal.

No entanto, a absolvição das acusações não foi capaz de remediar o impacto material e moral aos agricultores acusados, suas famílias e, de modo indireto, os beneficiários pela produção de alimentos.

Agora, o juiz Federal que julga a ação de indenização, da 6º Vara Federal, a sentenciou como improcedente sem atender ao pedido de produção de prova testemunhal em audiência de instrução solicitado na ação pelos agricultores. Com isso os agricultores não teriam reparação. Na sentença o magistrado também não se manifestou sobre a violação da presunção de inocência e das garantias constitucionais presentes na Operação e ignorou a atuação violenta da Polícia Federal na prisão dos trabalhadores rurais. 

No recurso protocolado nesta sexta-feira os agricultores solicitam que a sentença que determina o arquivamento da ação seja anulada. 

"Essa ação, para nós, tem um significado bem importante. Desde a operação tivemos um desgaste muito grande para tentar provar nossa inocência. De todas as acusações, não conseguiram provar nada. Mesmo assim, a gente continua resistindo a várias coisas ligadas à operação e ao desmonte dos trabalhos da associação. Essa ação é uma ferramenta que mostra a resistência da associação e dos agricultores. É uma forma de mostrar na prática, com provas, que a gente nunca fez algo de errado para prejudicar alguém ou para nos beneficiarmos. Nosso foco sempre foi para garantir a segurança alimentar das famílias agricultoras e das pessoas beneficiárias dos programas de políticas pública”, destaca o agricultor Gelson.

Protocolado, o recurso será encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Cabe ao órgão se manifestar sobre a manutenção da sentença que julgou a ação improcedente. Não há previsão de datas. 

Mesmo com muitas dificuldades os agricultores tem buscado retomar a produção de alimentos para Programas. Foto: Arquivo dos agricultores

Ilegalidades e arbitrariedades
Com base na alegação de risco à ordem pública e à coleta de provas para o processo, Moro decretou a prisão preventiva dos agricultores - uma medida excepcional no direito penal, apontando que eram os “principais responsáveis pelos crimes no âmbito da Associação Assis”. Os três agricultores faziam parte da Associação, que tem sede em Irati. 

Sem antecedentes criminais e sem nunca ter pisado numa delegacia, os agricultores foram abordados desde a madrugada em suas casas e trabalhos por um extensivo efetivo policial, fortemente armados, e foram conduzidos algemados para Curitiba. A detenção ainda teve episódios de acusação pelos policiais de que os trabalhadores portavam drogas, amedrontamento dos trabalhadores com uso de arma de fogo e coerção para que assumissem os crimes denunciados. Para um dos agricultores também não houve informação, como de direito, do motivo da detenção no momento da condução para a capital. 

Na denúncia, o magistrado da 13ª Vara Federal ainda comparou a atividade da Associação de Agricultores Ecológicos São Francisco de Assis, como de “colarinho branco”, expressão usada para designar crimes cometidos por pessoas que ocupam alta posição social. Durante revista a casa de um dos agricultores os policiais perguntaram sobre onde estava o “iate, dólares e os carros do ano”.  

“É importante destacar que todos os agricultores presos na Operação Agrofantasma tinham renda mensal familiar de até dois salários mínimos e o teto por família no Programa de Aquisição de Alimentos era de 8 mil reais anuais. Mesmo assim, o juiz à época utilizou do argumento de que combateria “crimes de colarinho branco” ao prender e investigar os camponeses, o que corrobora a alegação de erro judiciário e parcialidade”, destaca o corpo de advogados da Terra de Direitos que assessora os agricultores na ação. 

Ainda, durante a fase de investigação a Associação não recebeu nenhuma notificação para apresentação de documentos ou verificação de alguma irregularidade antes das prisões.

Desmonte do Programa 
Além da perda da colheita de suas safras no período em que estavam presos, impacto na renda familiar e à saúde física e emocional, os agricultores assistiram ao desmonte progressivo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), para o qual forneciam alimentos. 

"Nas famílias das vítimas o prejuízo foi enorme. Algumas coisas nunca foram recuperadas com essas prisões injustas. Isso desestabilizou as famílias financeiramente e psicologicamente. As vítimas continuam lidando com esses prejuízos.Os impactos foram grandes em todos os municípios onde foi realizada essa operação que prejudicou o funcionamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), fragilizando as cooperativas e as associações e dispersando os agricultores que já estavam organizados e reunidos. É uma cadeia desde a produção até a comercialização que foi desmontada”, relata Gelson. 

Na época a Associação coordenava o Programa nos municípios de Fernandes Pinheiro, Irati, Inácio Martins, Rebouças e Teixeira Soares, através da modalidade de compra da agricultura familiar com doação simultânea. Ou seja, o Programa comprava a produção dos pequenos agricultores como forma de incentivo à agricultura familiar e eles entregavam os alimentos para asilos, escolas, centros de educação infantil e outros. Apenas nos municípios de residência dos agricultores cerca de 4.334 pessoas foram beneficiadas pelo recebimento gratuito de alimentos.

No ano da Operação Agrofantasma, a Companhia Nacional de Abastecimento estimou que o Programa gerava a produção e disponibilização de cerca de 297 mil toneladas de alimentos, com beneficiamento direto de  128.804 famílias agricultoras pertencentes aos grupos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e recurso para execução das ações de R$ 587 milhões. No primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL), em 2019, o Programa sofreu a intensificação do declínio de produção e orçamento: 14 mil toneladas resultantes de um recurso de R$ 41,3 milhões. Com isso o número de agricultores familiares cobertos pelo Programa caiu para 5.885 agricultores familiares. O ano de 2023 prevê um reduzido orçamento de R$ 2,6 milhões para o Programa renomeado de “Alimenta Brasil”. O valor reflete um corte em 97% do atual orçamento. 




 




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos