Apanhadoras de flores cobram do ICMBio solução de conflitos com Unidade de Conservação em Minas Gerais
José Odeveza
Parque Nacional foi criado sem consulta prévia aos povos tradicionais e sobreposto às comunidades. Povos vivem ameaças há anos.
Nesta última terça-feira (12), as comunidades apanhadoras de flores da Serra do Espinhaço, Diamantina (MG) se reuniram com o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires, para discutir os conflitos gerados com a sobreposição dos territórios tradicionais pelo Parque Nacional das Sempre-Vivas. Denúncias feitas pelos povos tradicionais apontam uma série de violações de direitos, como a perseguição das comunidades por agentes do Parque, emissão de multas pela coleta de flores dentro do território da comunidade, avanço da grilagem nos territórios tradicionais, destruição de cargas de flores e a construção de um Plano de Manejo sem a participação e o consentimento das comunidades.
O Parque Nacional das Sempre-vivas foi criado por Decreto Presidencial em 13 de dezembro de 2002. Segundo informações da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex), a implementação do Parque ocorreu sem a consulta prévia e o consentimento das comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas – procedimento estabelecido pela Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que ali vivem. Ao todo, a área do Parque acabou abarcando o território de mais de uma dezena de comunidades.
Relatos dos comunitários destacam que as comunidades só ficaram sabendo da existência do parque e das implicações da sua criação para suas vidas quando, a partir de 2007, a gestão da unidade no desconsiderou a condição tradicional das comunidades e iniciou uma série de abusos e violações par implementação do Parque.
A partir desse momento as comunidades começaram a experimentar em suas vidas os efeitos de uma gestão autoritária no Parque Nacional das Sempre-Vivas. A expropriação de seus territórios tradicionais, que antes eram de livre acesso, teve um impacto significativo na possibilidade de continuar práticas econômicas essenciais para sua subsistência, como a colheita de flores, a criação de gado e o cultivo de roças tradicionais, destacam as lideranças.
"Já são 16 anos de conflitos. É muito tempo! As comunidades possuem diversos reconhecimentos, nacionais e internacionais, que mostram que são guardiãs da biodiversidade local, das sementes, das águas e da serra. As pessoas cuidam porque é o nosso chão de morada, é a nossa história". Este é o relato da coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas, Diamantina (Codecex), Tatinha Alves, junto ao presidente do ICMBio que se comprometeu com as demandas das comunidades para o fim das violências.
"Nós entendemos que estamos do mesmo lado. A conservação ambiental acontece com as pessoas e nada melhor do que fazer com as pessoas que já estão e são do lugar. Se esse já é nosso entendimento, nós precisamos trabalhar para resolver os problemas", destacou Mauro Pires.
Violências institucionalizadas
Um dossiê construído pela Terra de Direitos, em parceria com a Codecex, elenca todo o histórico de violações contra as comunidades apanhadoras de flores desde a implementação do Parque Nacional das Sempre-Vivas. O documento destaca violências contra os comunitários ao longo desses anos, tanto físicas, psicológicas e patrimoniais, e foi entregue ao ICMBio.
Em um desses episódios de violência contra as comunidades relatados no dossiê uma servidora chegou a apontar uma arma de fogo na cabeça de pessoas da comunidade, incluindo crianças, além de queimar ranchos e cortar plantações. Além disso, a denúncia contém casos de ateamento de fogo em instrumentos de trabalho, em colheitas e até um barraco com vários objetos (cela, arreio, despesa, cama, roupa), sem qualquer notificação prévia ou procedimento legal.
Impactos econômicos da sobreposição
Um estudo do Grupo de Estudos Ambientais (GESTA), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2014 apontou que até a implementação do parque no território das comunidades, mais de 80% dos comunitárias fazem ou faziam a panha de flor, mais de 50% fazem ou faziam a solta de gado, e mais de 20% faziam ou fazem roças tradicionais. Além disso, a pesquisa destacou que 72,41% das famílias entrevistadas pratica o extrativismo, mas que um percentual pequeno considerava a atividade como principal fonte de renda, isso em virtude das restrições ocasionadas pelo Parque Nacional das Sempre-Vivas.
Resolução de conflitos
Na reunião, as comunidades elencaram medidas essenciais para garantia de seus direitos, como a abertura de investigação que apure e responsabilize a conduta dos servidores locais; a escolha/indicação de servidores de confiança para o acompanhamento de processo de construção de Termos de Compromisso Coletivos; a retomada dos estudos para a recategorização do Parque para unidade de uso sustentável; ; a anulação dos autos de infração e multas emitidos contra as comunidades por exercerem suas práticas tradicionais.; a revisão do Plano de Manejo do Parque; a abstenção do órgão em formalizar negócio jurídico que tenho por objeto territórios tradicionais, estando ausente a consulta e o consentimento das comunidades.
Na avaliação da assessoria jurídica da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, o dossiê demonstra como a implementação e gestão do Parque Nacional das Sempre-Vivas provocou graves violações aos direitos coletivos e individuais das apanhadoras de flores. Apesar de mais de vinte anos da criação do Parque, nunca houve um processo de reparação às comunidades. Portanto, as medidas requeridas à Presidência do ICMBIo trata-se do início de um processo reparatório.
Ações: Conflitos Fundiários
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos