AS-PTA | TRF4 impede a liberação de milho transgênico da Bayer
Terra de Direitos
POR UM BRASIL ECOLÓGICO, LIVRE DE TRANSGÊNICOS & AGROTÓXICOS
Número 667 - 21 de março de 2014
Car@s Amig@s,
Em 13 de março, desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4 decidiram, por unanimidade, anular a decisão da Comissão Nacional Técnica de Segurança – CTNBio que liberou do milho transgênico Liberty Link, da multinacional Bayer. A decisão se deu sob o fundamento de ausência de estudos de avaliação de riscos advindos do transgênico. A sessão julgou a Ação Civil Pública proposta em 2007 pela Terra de Direitos, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC e a AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, que questiona a legalidade da liberação comercial do Liberty Link.
O relator da ação, desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior, leu trechos de seu longo voto por aproximadamente uma hora e meia, sustentando a necessidade de realização de estudos sobre os impactos negativos dos transgênicos em todos os biomas brasileiros. Para Leal Junior, não bastam estudos realizados em outros países, pois a lei obriga que a decisão da CTNBio esteja amparada em estudos que avaliem o impacto dos transgênicos em cada um dos principais biomas do país. Além disso, o desembargador condenou a CTNBio a elaborar normas que permitam à sociedade ter acesso aos documentos dos processos que tramitam na Comissão, possibilitando a uma participação qualificada da população nos processos de liberação comercial.
As desembargadoras federais Marga Inge Barth Tessler e Vivian Josete Pantaleão Caminha, assim como o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, seguiram integralmente a posição do desembargador relator, ressaltando a excelência do voto. Flores Lenz, que em julgamento anterior havia votado pela liberação do milho transgênico, mudou sua posição ressaltando que a análise do relator fará história e criará um novo paradigma de interpretação da matéria.
Com essa decisão o milho transgênico da Bayer não pode ser comercializado no Norte e Nordeste do Brasil, regiões onde não foram feitos estudos técnicos sobre riscos ambientais e à saúde humana advindos dos transgênicos. A decisão cria novos paradigmas jurídicos na matéria e também poderá servir para que se reavaliem todas as demais liberações comerciais de transgênicos no Brasil, já que em nenhum caso as empresas fizeram avaliações de riscos em todos os biomas do território nacional.
Para Fernando Prioste, advogado popular da Terra de Direitos que acompanha o caso, a decisão terá grande impacto no tema, pois obriga que se realizem estudos de avaliação de riscos em todos os biomas brasileiros e obriga a CTNBio a dar ampla transparência aos processos de liberação de transgênicos. “O voto de hoje merece um estudo detalhado, pois aborda o tema com profundidade, analisando os aspectos legais conjugando as consequências sociais e econômicas da liberação de transgênicos no Brasil para as futuras gerações”.
Prioste aponta que, apesar do TRF4 ter agora uma posição firme na matéria, as empresas deverão recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, possibilitando ampliar ainda mais o debate.
“Após dez anos de liberação comercial de transgênicos do Brasil, o debate sobre o tema se intensificou de forma mais complexa, expondo a debilidade da agricultura baseada nos transgênicos e agrotóxicos. A decisão judicial de hoje é um importante elemento que se somará à luta popular por um modelo de agricultura baseado na agroecologia, que garanta direitos aos agricultores e alimento saudável e sem agrotóxicos para a população”, afirmar o advogado da Terra de Direitos.
Saiba mais sobre o caso:
- ACP que pede proibição da comercialização de milho transgênico da Bayer terá novo julgamento, 0/03/2010
- Divergência marca julgamento sobre milho transgênico no TRF4, 07/03/2013
- Brasil perde controle sobre o milho transgênico e põe em risco a biodiversidade do país, 11/10/2010
- Justiça Federal do PR proíbe milho transgênico da Bayer, 29/07/2010
Por Terra de Direitos, 13/03/2014
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Neste número:
1. Anvisa agiliza processo de aprovação de agrotóxicos
2. França proíbe cultivo de milho transgênico Monsanto MON 810
3. Contaminação com transgênicos cresce ao redor do mundo
4. Programa Ecoforte apoiará redes da agroecologia
A alternativa agroecológica
Agricultoras do Polo da Borborema tomam as ruas de Massaranduba-PB reivindicando direitos e o fim da violência contra a mulher
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1. Anvisa agiliza processo de aprovação de agrotóxicos
Sob forte pressão do Ministério da Agricultura e do setor produtivo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou 19 novos agrotóxicos e produtos equivalentes para aplicação no país só no primeiro bimestre deste ano. Em igual período do ano passado, já sob críticas por causa de uma suposta morosidade nos processos de liberação, foram apenas três.
Para aplacar a insatisfação vinda do campo, o governo já havia autorizado o Ministério da Agricultura, por meio da Medida Provisória 619/2013, a dar o sinal verde, em caráter emergencial, para importação, produção, distribuição, comercialização e uso de agrotóxicos ainda não registrados no país.
A medida teve como objetivo permitir a utilização de defensivos à base de benzoato de emamectina, voltados ao controle da lagarta Helicoverpa armigera, que ataca lavouras de grãos e algodão. Na época, era grande o movimento que defendia o esvaziamento da Anvisa e a criação de uma nova agência só voltada a avaliações de agrotóxicos.
E novas aprovações continuam a sair. Ontem, o Ministério da Agricultura publicou uma portaria (188/2014) que estabeleceu emergência fitossanitária em Minas Gerais, devido ao "baixo" nível de capacidade no combate à broca do café, e amanhã o ministro Antônio Andrade deve anunciar, em evento no Estado, a aprovação emergencial do ciantraniliprole, da DuPont, para combater o inseto. A decisão veio depois de a Anvisa proibir no país, no segundo semestre de 2013, a comercialização do endossulfam, até então o principal produto contra a praga.
Na esteira das autorizações emergenciais, o Ministério da Agricultura também está prestes a liberar o benzovindiflupir, da Syngenta, recomendado para combater a ferrugem asiática da soja. O produto está entre os que foram aprovados neste ano pela Anvisa. O Ministério da Agricultura está avaliando os últimos detalhes para publicar a bula do produto.
Mesmo com o ganho de agilidade [sic] da Anvisa, a fila de produtos à espera de análise ainda chega a 1.136, enquanto a lista de produtos que estão sendo analisados chega a 188 fórmulas. Mas o ímpeto das reclamações do setor produtivo diminuiu e a Casa Civil voltou atrás na ideia de criar uma nova agência para essas questões. Até o ano passado, a intenção da Casa Civil era criar a Comissão Técnica Nacional de Agrotóxicos (CTNAgro), subordinada a ela própria, mas com 13 membros de setores da sociedade civil e do governo federal.
Somando-se as liberações emergenciais e as regulares, o Brasil, que já é um dos maiores países consumidores de agrotóxicos do mundo, caminha para registrar vendas de 1 milhão de toneladas desses produtos em 2014. No ano passado, as vendas geraram faturamento superior a US$ 10 bilhões, 8% mais que em 2012 - quando o volume chegou a 823 mil toneladas. Um dossiê feito em 2012 pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) mostrou que, dos 50 produtos mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos na União Europeia.
Nessa conta, estão declarados apenas os produtos comercializados de maneira legal. Além deles, ainda existe um mercado informal no Brasil. Segundo dados do Sindiveg, até 2010 os produtos falsificados representavam 5% das apreensões e os contrabandeados, 95%. Em 2013, o percentual de falsificados cresceu para 50%.
Mesmo com a perspectiva de consumo recorde de agrotóxicos no Brasil em 2014, o lobby para a aprovação de mais produtos continua firme e forte. Na quarta-feira passada, deputados da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se reuniram com o ministro da Agricultura, Antônio Andrade, para pedir agilidade no registro de novos defensivos [agrotóxicos] genéricos para a agricultura.
Valor Econômico, 14/03/2014 – via Seagri-BA.
2. França proíbe cultivo de milho transgênico Monsanto MON 810
O ministério francês da Agricultura proibiu neste sábado por decreto a comercialização, utilização e cultivo de milho geneticamente modificado MON 810, produzido pelo grupo americano Monsanto.
"A comercialização, a utilização e o cultivo de variedades de sementes de milho procedentes do milho geneticamente modificado MON 810 (...) ficam proibidos até a adoção (...) de uma decisão definitiva", estipula o decreto, publicado no Diário Oficial.
Já estava previsto que uma proposta de lei que proíbe o cultivo de milho transgênico fosse debatida no Parlamento francês no dia 10 de abril.
Mas o ministério da Agricultura considerou que havia urgência "devido à proximidade do início do período de plantio" para estabelecer a proibição, invocando o "princípio de precaução".
"Segundo dados científicos confiáveis e pesquisas internacionais muito recentes, o cultivo de sementes de milho MON 810 (...) apresentaria graves riscos para o meio ambiente, assim como um risco de propagação de organismos daninhos convertidos em resistentes", indica o texto.
Os Estados da União Europeia têm a possibilidade de proibir em seu território um OGM autorizado pela UE.
Mas a França quer modificar uma proposta da Comissão Europeia para ampliar e consolidar os motivos pelos quais um Estado membro pode se negar a cultivar um OGM em seu território se Bruxelas autorizar.
Paris quer que cada empresa produtora de OGM "solicite a cada Estado uma autorização para cultivá-los", disse recentemente o ministro da Agricultura, Stephane Le Foll.
EM (da AFP), 15/03/2014 – via Em Pratos Limpos.
3. Contaminação com transgênicos cresce ao redor do mundo
A contaminação dos alimentos para consumo humano e animal comercializados no mundo com culturas geneticamente modificadas está aumentando na medida do crescimento da produção mundial. A constatação é de uma pesquisa feita pela agência para a Alimentação e Agricultura da Organização das Nações Unidas (FAO).
A pesquisa, feita em 75 países, revelou 198 incidentes de "baixos níveis" de culturas geneticamente modificadas misturadas com culturas convencionais entre os anos de 2002 e 2012, informou a agência da ONU baseada em Roma, em um relatório disponibilizado na internet. O número de casos saltou entre 2009 e 2012, com 138 das constatações reportadas nesse período.
O plantio global de culturas geneticamente modificadas cresceu 3% para o recorde de 175,2 milhões de hectares no ano passado, segundo o Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês). As culturas modificadas enfrentam oposição política na União Europeia (UE).
"Os incidentes estão provocando perturbações comerciais entre países, com o bloqueio de importações de carregamentos de grãos, cereais e outras culturas, e a destruição ou devolução de produtos para seus países de origem", afirma o relatório da agência da ONU.
Os alimentos são o terceiro maior grupo de produtos comercializados no mundo, perdendo apenas para os combustíveis e os produtos químicos, com os valores exportados avaliados em US$ 1,375 quatrilhão em 2012, segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC). As exportações globais de todos os produtos agrícolas somaram US$ 1,657 trilhão, ainda segundo a OMC.
O maior número de incidentes envolveu culturas como linhaça, arroz, milho e mamão, informou a agência. Os carregamentos de culturas com baixos níveis de modificação genética tiveram origem principalmente nos Estados Unidos, no Canadá e na China, segundo o relatório.
A China, segunda maior consumidora de milho do mundo, começou em outubro a rejeitar alguns lotes do grão provenientes dos EUA, que continham MIR 162, uma variedade geneticamente modificada de milho desenvolvida pela Syngenta e que não foi aprovada no país.
Países da UE como França, Reino Unido e Alemanha rejeitaram dezenas de carregamentos de macarrão da China nos últimos quatro anos, pois eles continham arroz geneticamente modificado e não autorizado. As importações de sementes de linhaça do Canadá pela UE caíram depois da descoberta, em 2009 e 2010, de uma variedade biotecnológica não autorizada chamada CDC Triffid.
"O número de incidentes é pequeno em relação aos milhões de toneladas de alimentos para consumo humano e animal comercializados todos os dias", diz Renata Clarke, uma funcionária graduada da FAO que trabalha com segurança alimentar e que esteve encarregada da pesquisa.
A FAO conduziu a pesquisa nos 193 países-membros entre fevereiro e junho do ano passado. Dos 75 que responderam, 55 afirmaram ter uma política de tolerância zero em relação a culturas modificadas geneticamente sem autorização, enquanto 17 disseram não ter nenhuma regra para os alimentos para consumo humano e animal no que diz respeito à segurança, ou mesmo regras ambientais para as culturas geneticamente modificadas.
Dos países que responderam, 37 disseram ter pouca ou nenhuma capacidade de detectar culturas geneticamente modificadas, diz a FAO. "Ficamos surpresos ao ver incidentes em todas as regiões", diz Clarke. "Parece que quanto maiores os testes e o monitoramento feitos por eles, mais incidentes eles constatam".
Valor Econômico, 1703/2014 – via Suinocultura Industrial.
4. Programa Ecoforte apoiará redes da agroecologia
Lançado sexta-feira (14) no Palácio do Planalto, em Brasília (DF), o Programa Ecoforte vai apoiar organizações que atuam na promoção da agroecologia, extrativismo e produção orgânica. Faz parte do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Brasil Agroecológico), e seu primeiro edital prevê o investimento de R$ 25 milhões financiados pela Fundação Banco do Brasil, o Fundo Amazônia e o Fundo Social do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A solenidade contou com a presença do Ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, e representantes do governo e da sociedade civil.
O Ecoforte visa fortalecer as redes de agroextrativismo e produção agroecológica e orgânica, com foco em produtores familiares, extrativistas, povos e comunidades tradicionais, dando ênfase na inclusão das mulheres e juventudes, explicou Conceição Gurgel, da Fundação Banco do Brasil. Vai ampliar o trabalho que as redes desenvolvem nos territórios com a produção de base agroecológica e identificar práticas e instrumentos que fortaleçam essas unidades, complementou.
De acordo com Denis Monteiro, secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), é muito significativo o lançamento do programa no ano internacional da agricultura familiar, camponesa e indígena, e num momento em que o mundo busca soluções para crises que colocam críticos desafios à segurança e soberania alimentar. Ele também se referiu ao recente documento do relator da ONU para o direito humano à alimentação, que aponta a agroecologia como enfoque para a reestruturação dos sistemas agroalimentares.
“A agroecologia proporciona as condições para a produção de alimentos em quantidade, qualidade, e diversidade, promovendo a saúde humana e ambiental, evitando desmatamentos e conservando os solos, as águas e a biodiversidade. Para a ANA, o Plano é a expressão do reconhecimento do atual governo federal desses potenciais da agroecologia. Como sociedade civil organizada, cobraremos sua efetivação. O Programa Ecoforte, ao se orientar pelo enfoque territorial, é um elemento chave para a efetivação do Planapo”, afirmou Monteiro. Ele mencionou, no entanto, que a expectativa era de um montante maior de recursos destinados ao primeiro edital.
O secretário geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, reconheceu a limitação do programa frente às iniciativas do governo em relação a outras políticas. Disse ainda que é o resultado da costura paciente, feita pela pressão, briga, protesto e generosidade de quem faz militância e aqueles que ocupam postos dentro do estado. Para ele, as conquistas ainda são pequenas mas alguns caminhos estão sendo encontrados para mudar a lógica do Estado graças a pressão dos movimentos sociais.
“É um estado feito pelas elites para financiar os grandes, e nós vamos tentando mudar a lógica. Mas dá um trabalho enorme, tudo para eles é rápido e para os pequenos é um esforço enorme. As pessoas que estão no governo e têm juízo sabem que isso passa, e só vale quando você presta um serviço exatamente na lógica que nos moveu na década de 70, que é o ideal de construir a justiça. E o projeto da agroecologia é lindo, produzir o alimento respeitando a terra e dando autonomia para as pessoas viverem com dignidade e ao mesmo tempo oferecendo um produto que dá vida saudável, não dá câncer. É evidente que estamos felizes ainda que esse resultado esteja longe do que gostaríamos, queria estar anunciando muito mais, mas vamos continuar brigando. Os recursos públicos serão democratizados, acabou o tempo da casa grande e da sensala”, destacou o ministro. (...)
Ainda que limitado, esse é apenas o primeiro edital nessa linha financiado pelo BNDES, afirmou Francisco Oliveira, assessor da presidência do banco. Segundo ele, a agroecologia é estratégica na linha de financiamento da entidade para a agricultura e a agricultura familiar. “Cabe às organizações cobrar do banco o financiamento. BNDES tem um papel importante no Pronaf, é preciso chamá-lo e criar programas de convergência para que papeis se somem. Foi assim no Terra Forte, e acreditamos que seja assim no Ecoforte também. Não é a fundo perdido, como se dizia antigamente, é recurso não reembolsável, é parte do lucro do banco. Estamos dispostos a fazer muitos editais, temos que ir atrás dos recursos e cumprir com os compromissos. Se trata de uma disputa de fundo público. É preciso contar com entidades fortes da sociedade civil. Exemplo das cisternas da ASA, ao todo 20 mil, R$ 200 milhões”, disse.
O Programa Ecoforte vai apoiar projetos voltados à instensificação das práticas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade e de sistemas produtivos e de base agroecológica. O total dos investimentos está na ordem de R$ 175 milhões, e no primeiro edital serão destinados R$ 25 milhões a 30 projetos selecionados, cada um no valor máximo de R$ 1,25 milhão. Os agricultores familiares, assentados da reforma agrária, povos e comunidades tradicionais e indígenas, bem como suas associações e cooperativas, serão os beneficiários. Os projetos terão dois anos para a execução. Mais detalhes do Programa na página da Fundação Banco do Brasil.
ANA – Articulação Nacional de Agroecologia, março de 2014.
A alternativa agroecológica
Agricultoras do Polo da Borborema tomam as ruas de Massaranduba-PB reivindicando direitos e o fim da violência contra a mulher
Mais de 3.500 agricultoras dos 14 municípios que compõem o Polo da Borborema e de outras regiões do estado que fazem parte da ASA Paraíba estiveram reunidas pela quinta vez na Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, organizada pelo Polo da Borborema em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia. O município de Massaranduba recebeu a edição 2014 da Marcha, na manhã de sexta-feira, 14 de março. A concentração aconteceu a partir das 8h30 na Vila Nicolândia, na entrada da cidade, onde cerca de 50 ônibus estacionaram trazendo as caravanas dos municípios.
As caravanas organizadas chegavam com camisetas, chapéus, bandeiras, faixas e, sobretudo, com muita alegria. Após a acolhida realizada pelas mulheres da coordenação do Polo da Borborema, foi apresentada a peça “Margarida grávida de novo?”, encenada pelo grupo de teatro do Polo da Borborema. Nessa edição, o espetáculo trouxe a questão dos desafios que as agricultoras ainda encontram para acessar as políticas públicas voltadas para as mulheres. Ao mostrar situações em que “Biu” esposo de “Margarida”, faz plano e se apropria dos recursos como a bolsa família e o auxílio maternidade da mulher que está esperando um filho, e também da falta de espaço dentro de casa para que a esposa participe das decisões como o acesso à cisterna-calçadão, do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). V MarchaA peça trouxe a reflexão sobre a necessidade da luta permanente das mulheres para enfrentar os mecanismos históricos de dominação que insistem em bloquear o seu acesso às políticas e que elas possam ter autonomia para gerir os recursos e desfrutar de benefícios conquistados pelas mulheres camponesas.
Após a peça a agricultora Kátia Maria dos Santos Barbosa, do sítio Bom Sucesso em Solânea deu o seu depoimento de superação: “Eu tinha um Biu dentro de casa, meu marido fazia isso tudo comigo, até que eu comecei a participar, fui conhecendo outras mulheres e criei coragem pra denunciar ele. Ele quis pegar o bolsa família que a gente recebia, ele não quis receber a cisterna-calçadão que a gente tinha direito. Eu saí de casa por 6 meses. Depois de muito tempo e muita luta, a gente foi conversando e se acertando, hoje ele se transformou e é outro homem pra mim, ajuda dentro de casa e toma de conta de tudo pra eu ir pras reuniões, me apoia”, disse a agricultora.
Motivadas pela peça e pelo testemunho, as mulheres seguiram em marcha até o Parque do Povão, uma praça de eventos localizada no Centro da cidade. Acompanhadas por dois minitrios elétricos e segurando bandeiras, faixas, cartazes e painéis as mulheres e homens marcharam cantando músicas emblemáticas da luta por igualdade e gritando palavras de ordem.V Marcha
Vítimas da violência
Durante o trajeto 63 mulheres, vestidas de preto e segurando cruzes também pintadas de preto, ao som de bumbos e matracas, surgiram em procissão no meio da multidão simbolizando as 63 mulheres assassinadas na Paraíba só no ano de 2013, segundo dados levantados pelo Centro da Mulher 08 de Março, de João Pessoa. “Delas foram roubados os direitos de andar, de falar, de amar e ser amada, de chorar ou de sorrir, de produzir. Delas foi roubado o direito de existir! Venham mulheres, venham para nossa luta! Juntem-se, juntem à nossa caminhada”, chamavam as lideranças de cima do trio.
Dentro da cidade, em frente à Igreja Matriz, foram lembrados os assassinatos de duas mulheres de Massaranduba, a jovem Avanir dos Santos Lima, de 15 anos, espancada até a morte por um conhecido de sua família em 1998 e Maria Lúcia da Silva, assassinada a facadas por seu marido em 2006. A filha de “Lucinha” como era conhecida, disse muito emocionada: “Muita gente deu conselho pra ela deixar ele, mas ela sempre dizia que ele ia mudar, ele mesmo se ajoelhava dizendo isso. Infelizmente, ela não teve coragem pra dizer um basta e aconteceu o que aconteceu. Por isso eu digo a todas as mulheres que vivem uma situação parecida, que procurem ajuda, que denunciem, se separem, pra não acontecer o que aconteceu com minha mãe”, disse tomada pela emoção. A mãe de Avanir, Severina dos Santos Lima, também deu seu depoimento e compartilhou o seu sentimento de indignação por perder uma filha tão jovem vítima da violência de gênero.
Encerrando esse momento marcado pela emoção e debaixo chuva, falou Angineide Macêdo, mãe de Ana Alice Macêdo, jovem militante do Polo da Borborema que foi raptada, violentada e brutalmente assassinada quando voltava da escola em 2012. Angineide rememorou o caso e não conteve as lágrimas ao lembrar a filha: “Já faz quase dois anos que tudo isso aconteceu, mas pra mim é como se fosse ontem, porque eu fico aqui quase que procurando o rosto dela no meio do povo, pois ela sempre estava comigo, assim foi na primeira marcha de Remígio, na marcha de Queimadas, de Esperança. E eu fico feliz porque essa marcha tem tirado muitas mulheres de situações de violência”, disse. Angineide agradeceu ainda ao Comitê de Solidariedade Ana Alice, formado por diversas entidades que vem acompanhando o caso desde o seu desaparecimento, prestando solidariedade à família e agindo em outros casos em busca de justiça, agradeceu a campanha de arrecadação que ajudou a cobrir os gastos advocatícios para que se pudesse acompanhar as audiências e todo o andamento do processo na justiça. As mulheres do Polo e o Comitê Ana Alice se manterão unidas até que o assassino seja julgado e condenado.
No Parque do Povão para receber a Marcha foi montada uma feira, chamada de “Jardim das Margaridas” onde as agricultoras expuseram e comercializaram produtos fruto do seu trabalho como artesanato, frutas, hortaliças, sementes, doces, sucos, bolos, tapiocas, etc. Após novos depoimentos de superação, houve a apresentação dos grupos de cirandeiras “A Cor da Terra” e “Desencosta da Parede”, ambos da comunidade Caiana das Crioulas, do município de Alagoa Grande, vizinho à Massaranduba. Formado por jovens, crianças e idosas o grupo de cirandeiras animou as participantes da Marcha acompanhado pelo trio de forró “Mistura de Geração” formado por agricultores dos municípios de Esperança e Lagoa de Roça.
Homenagem
Uma homenagem a todas as mulheres parteiras, rezadeiras ou benzedeiras marcou o encerramento da Marcha. “Não poderíamos deixar de homenagear estas mulheres que tanto contribuíram e ainda contribuem, nas suas comunidades, com o seu saber, com o seu conhecimento. Quantas de nós não nascemos pelas mãos de uma parteira, não fomos ao socorro de uma benzedeira? Eu mesma nasci com ajuda de uma parteira”, disse Roselita Vitor da Coordenação do Polo da Borborema e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio. Uma benção coletiva foi feita pela agricultora Narciza Gomes da Silva, do sítio Furnas, em Areial. Naziza, como é chamada, conta que desenvolveu o dom da reza através dos conhecimentos repassados por sua avó. Naziza já reza crianças há 25 anos em sua comunidade e tem muita satisfação em usar a sua fé para o bem dos outros. Já a agricultora Josefa Firmino de Lima, dona V Marcha“Nenê parteira”, como é conhecida, mora no sítio Pedra do Sino em Queimadas e já fez mais de 8 mil partos nos 20 anos em que exerce a atividade. Ela conta que é mãe de nove filhos, sete desses nasceram em casa, com a ajuda de uma parteira. Após esse momento de homenagens, a programação foi então encerrada com a música “Salve a parteira” do cantor e compositor cearense Zé Vicente, que foi cantada por todas as participantes formando um animado coro.
A V Marcha chega ao fim revigorando a luta das mulheres agricultoras. Do Parque do Povão retomam a caminhada, mais conscientes e encorajadas a buscar autonomia, liberdade, a experimentar, a produzir, a lutar por transformações e pela construção um mundo mais igual. Na bolsa carregam uma certeza: se encontrarão no ano que vem em Lagoa Seca para juntas fazerem a VI Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia.
AS-PTA, 16/03/2014
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Campanha Brasil Ecológico, Livre de Transgênicos e Agrotóxicos
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