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Carta ao Grupo América Latina e Caribe/ RALLT - RED POR UMA AMÉRICA LATINA LIBRE DE TRANSGÊNICOS


A criação de um regime de responsabilidade vinculante sobre os danos causados por organismos geneticamente modificados é essencial. Não apenas para que os danos causados sejam reparados, mas principalmente para que não ocorram. Nossa região tem uma responsabilidade especial neste sentido, não só porque aproximadamente 30% da biodiversidade agrícola está localizada na América Latina, mas também porque já ocorreram casos de contaminação.

Na Bolívia e Guatemala, por exemplo, o milho transgênico starlink (liberado apenas para alimentação animal) foi encontrado em carregamentos destinados a ajuda alimentaria. Ainda que não exista um sistema de monitoramento da contaminação e dos danos ocasionados por OGMs, este ocorrem cada vez com maior freqüência e cada um deles implica prejuízos às populações e à biodiversidade, colocando em evidência a necessidade de um regime vinculante de responsabilidade civil:

? Considerando o caso do milho, originário de nossa região, desde o início do uso comercial das variedades transgênicas, foram registradas ao menos 52 casos de contaminação genética envolvendo 29 países distribuídos em todos os continentes.

? 25% do casos de contaminação no últimos 10 anos, ocorreram com arroz transgênicos, que sequer estava liberado para o consumo em algum país. Estes casos foram causados por 3 variedades de arroz resistente a herbicidas desenvolvidas pela Bayer Crop Science - LLRICE62, LLRICE601 e LLRICE604 - e o arroz Bt63 da China. Nenhum desses experimentos ilegais foi divulgado em 2007; o Bt63 foi descoberto em 2005 e as variedades do arroz LL da Bayer em 2006. Ainda assim, continuam causando enormes problemas a indústria de arroz, que recusou a modificação genética.

? Além disso, é alarmante a propagação dos casos de contaminação por agrotóxico associados aos eventos resistentes aos herbicidas como o caso da soja RR. Recentes estudos acadêmicos do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais demonstram o crescimento de incidentes de contaminação, resultado da expansão de OGMs e do pacote tecnológico associado aos mesmos.

Entre 2002 e 2007 foram registrados 65 casos, onde foram afetadas a saúde humana e a produção animal e vegetal das famílias campesinas e indígenas. Em 28 desses casos morreram pessoas, o último caso foi do menino Jesus Jimenes, ocorrido no Paraguai em agosto de 2007. No caso da segunda geração de cultivos transgênicos, as implicações podem ser muito mais preocupantes, vez que são "desenhados" para produzir drogas e produtos industriais, como plásticos. Estas variedades estão sendo amplamente cultivadas nos campos de experimento, com possíveis conseqüências graves a saúde humana se contaminarem a cadeia agroalimentar .

Ademais, a tendencia da indústria é aumentar.

Assim, levando em consideração estas outras aplicações da biotecnologia se torna ainda mais importante incluir os prejuízos à saúde ao conceito de dano adotado pelo Protocolo. Propostas tais como as apresentadas pelos co-presidentes no documento UNEP/CBD/BS?WG-L&R/5/CRP.1 não vão resolver os problemas já enfrentados por muitos países e, inclusive, podem gerar uma situação de insegurança, incentivando a criação de marcos legais frágeis.

Além disso, estabelecer um regime de responsabilidade baseado na culpa significa o mesmo que garantir a impunidade para os causadores do dano. A responsabilidade baseada na culpa é insuficiente e inadequada, pois deixa para a vítima o ônus de provar que o causador do dano agiu errado.

O sistema de responsabilidade, como já ocorre em vários países da região, deve ser baseado no risco criado pelo causador do dano, ou seja, ocorrido o dano, o responsável deve tomar as medidas de reparação e restauração porque criou o risco de que o dano ocorresse, não importando se agiu com imprudência, negligencia ou impericia.

Temos convicção de que o objetivo do Protocolo de Cartagena de "contribuir para assegurar um nível adequado de proteção no campo da transferência, manipulação e uso seguro dos organismos geneticamente modificados resultantes da biotecnologia moderna que possam ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em consideração os riscos para a saúde humana", será efetivamente cumprido apenas no caso de existir um regime de responsabilidade vinculante, tanto para os Estados, como para os agentes privados.

A existência de um regime de responsabilidade vinculante como o que foi estabelecido vai beneficiar apenas um pequeno grupo de empresas transnacionais que produzem OGM e outro grupo responsável pelo comercio global de commodities agrícolas, enquanto os danos continuam a ocorrer . Para a sociedade latinoamericana é essencial contar com instrumentos como o Protocolo, uma vez que seu meio ambiente, biodiversidade e a saúde de grande parte de sua população se encontra em risco com o desenvolvimento da produção agrícola com OGMs.

Isto quer dizer que o debate não se dá em abstrato, mas que a decisão sobre a natureza do regime definirá a capacidade ou não de sobrevivência das comunidades afetadas. Um regime vinculante que contemple a responsabilidade estrita, o cuidado especial sobre os centros de origem e biodiversidade e uma definição ampla de dano é necessário para os países da América Latina.

Confira este documento na íntegra.



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar