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Debate sobre PL do Veneno que flexibiliza regras para agrotóxicos será retomado no Senado


PL 6299/2002 tramita a 20 anos com pouca participação pública. Danos a saúde e ao meio ambiente são principais críticas da sociedade civil 

Projetaços contra o Pacote do Veneno realizado em 2021 / Foto: @projetemos

Está tramitando no Senado um projeto de lei que, se aprovado, terá profundo impacto na vida da população brasileira. Trata-se do PL 6299/2002, aprovado no plenário da Câmara dos Deputados em fevereiro deste ano. Apelidado de "Pacote do Veneno", a proposta altera a legislação para uso, armazenamento, comercialização e fiscalização dos agrotóxicos. Para organizações ligadas ao tema, a medida deve facilitar o uso dos venenos agrícolas, acelerar os registros desses produtos e consequentemente provocar danos severos - e de longo prazo - à saúde coletiva e à biodiversidade brasileira.

Nesta semana a proposta volta a ser alvo de discussões em uma audiência pública - agora para apreciação do Senado Federal - marcada para terça-feira (26/04) a partir das 09h na Comissão de Direitos Humanos da Casa legislativa. O debate terá a participação de organizações ambientais, de saúde e pesquisadores do tema. Entre as/os convidadas a Terra de Direitos representará a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). 

Para facilitar a compreensão de algumas das principais alterações propostas pelo pacote do veneno, a Terra de Direitos e a Campanha Nacional Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida elaboraram este breve comparativo entre a proposta legislativa e a atual Lei dos Agrotóxicos (Lei 7.802/1989). Entre as principais mudanças, o PL do Veneno garante ao mercado dos agrotóxicos no país:  

  • Mudança do nome de agrotóxico para pesticida e produtos de controle ambiental;

  • Flexibiliza as regras para fiscalização e utilização de agrotóxicos, excluindo a participação da sociedade civil; 

  • Permite a utilização de novos agrotóxicos mesmo sem aprovação (caso o pedido de registro não tenha parecer conclusivo expedido no prazo de dois anos); 

  • A avaliação dos impactos à saúde e ao meio ambiente de novos agrotóxicos ficaria sujeita apenas ao Ministério da Agricultura (atualmente é necessário o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do IBAMA;

  • Exclui a possibilidade de entidades (como de defesa do consumidor, do meio ambiente e dos recursos naturais) pedirem a impugnação ou cancelamento do registro de um produto sob argumento de prejuízos ao meio ambiente, à saúde humana e aos animais;

  • Limita a regulação sobre propaganda de agrotóxicos,

Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt a proposta da forma que tem sido discutida é inconstitucional por colocar em risco à biodiversidade e a saúde humana. 

“O conteúdo do projeto é inconstitucional e colide com outras legislações brasileiras em diversos temas, além de ser rechaçado por organizações de pesquisa, saúde e socioambientais. Em especial porque fere direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, como o direito à vida, à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Também vai na contramão de princípios constitucionalizados e reforçados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como a vedação do retrocesso ambiental, a solidariedade intergeracional, a precaução e a prevenção. Além de violar a competência legislativa de estados e municípios determinada constitucionalmente”. 

20 anos de tramitação e pouco debate

A tentativa de mudar a Lei dos Agrotóxicos já foi alvo de críticas de diferentes entidades ao longo da tramitação do chamado "Pacote do Veneno", apresentado em 2002 e dos diversos projetos apensados ao texto original. Quase 20 anos depois, no dia 9 de fevereiro de 2022, foi aprovado em caráter de urgência, pelo plenário da Câmara dos Deputados, com 301 votos contra 150. Mesmo com o tempo, o embate é o mesmo: a saída para modernizar o agro precisa representar a perda de vidas? 

Isso porque, a principal argumentação em favor da medida permanece em nome da uma pretensa modernização da agricultura brasileira. Na mesma persistência, estudos nacionais e internacionais demarcam a relação da utilização desses insumos e a degradação da saúde humana e do meio ambiente. 

O Instituto Nacional do Câncer (Inca) aponta que a exposição aos agrotóxicos pode gerar impactos agudos na saúde dos trabalhadores que têm contato com os venenos agrícolas, como irritação da pele e olhos, coceira, convulsões, até a morte. Contudo, toda a população está suscetível à exposição aos agrotóxicos por meio do consumo de alimentos e água contaminados. Além disso, em 2018, quando uma proposta de substitutivo foi apresentada e aprovada em comissão especial da Câmara, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Fiocruz), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), entre outras entidades, divulgaram duras críticas à proposta. 

Os estudos internacionais sobre o uso de agrotóxicos e seus impactos a vida humana também permanecem os mesmos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a intoxicação por uso de agrotóxicos pode causar, entre outras complicações, arritmias cardíacas, lesões renais, alergias respiratórias e fibrose pulmonar.

Para a advogada Naiara Bittencourt, “o Pacote do Veneno substitui completamente a legislação atual de agrotóxicos''. Longe de "modernizar" o marco legal, o projeto de lei vai na contramão da segurança socioambiental, climática e de proteção à saúde. Flexibiliza e facilita os registros de agrotóxicos mais perigosos; confere mais poder ao órgão agronômico e menos poder aos órgãos de saúde e meio ambiente e deixa lacunas que favorecem a indústria agroquímica e o agronegócio. Ou seja, deixa de proteger a população brasileira em detrimento de mais lucro privado.”

"Boiada" do governo Bolsonaro

O Projeto de Lei 2699/2002 de autoria do então senador Blairo Maggi é apontado como uma das principais metas para o último ano do Governo Bolsonaro. Ao longo de seu mandato, Bolsonaro liberou - até o momento 1.682 novos agrotóxicos. 

Os dados demonstram que houve crescimento das liberações de agrotóxicos. Em 2019 foram liberados 474 agrotóxicos, em 2020, um pequeno aumento com 493 agrotóxicos e em 2021 com um aumento maior ainda, a gestão liberou 550 agrotóxicos, muitos deles altamente perigosos à saúde e ao meio ambiente e por isso proibidos em muitos países.

Em 2021 foi publicado o livro Dossiê contra o pacote do veneno em defesa da vida. Trata-se do Dossiê Científico e Técnico contra o PL 2699  e em favor do PL 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara) formulado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). 

O dossiê, entre outros aspectos, descreve as diversas manobras para  aprovar o PL no Congresso e “analisa e denuncia as propostas perversas do agronegócio e das indústrias agroquímicas e seus aliados no Executivo e Legislativo, no sentido de aumentarem ainda mais a venda e o uso de agrotóxicos, consequentemente, ampliando a intoxicação da vida (vegetal, animal e ambiental) no território brasileiro”. 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

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