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Em ato em frente à Prefeitura de Curitiba, população de rua reivindica medidas de proteção à Covid-19


Refeições diariamente produzidas pelas iniciativas solidárias foram distribuídas para a população. Um abaixo assinado também deve ser entregue aos órgãos públicos.

Refeições foram distribuídas em frente à prefeitura de Curitiba, para denunciar a falta de uma política de alimentação adequada à população em situação de rua da cidade (fotos: Giorgia Prates/Brasil de Fato Paraná)

Organizações sociais e movimentos de defesa dos direitos da população em situação de rua realizam, nesta terça-feira (11), um ato em frente à Prefeitura de Curitiba (PR) para reivindicar a adoção pelo poder público de medidas emergenciais para proteção desta população diante da Covid-19.

“O ato tem como objetivo garantir os direitos básicos da população em situação de rua, como acesso à água, à alimentação, a banheiros e o acolhimento desta população, em respeito ao que determina a Organização Mundial da Saúde para contenção da pandemia”, destaca o membro da coordenação do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Leonildo Monteiro.

Com mais de cinco meses da confirmação do primeiro caso de Covid-19 na capital, o poder público não formulou – até o momento – políticas públicas substanciais para abrandar os impactos sociais da pandemia nas populações vulneráveis, tais como a população em situação de rua, ainda que tenham sido constantes as reivindicações por medidas dirigidas à este contingente. As ações desenvolvidas pelo poder público, ao contrário do que reivindicam as organizações, pouco dialogam com as demandas apresentadas ou são insuficientes. Questões como acesso à alimentação e local para higiene e acolhimento – essenciais para conter a disseminação do vírus – não têm sido atendidas em sua totalidade.

Ainda que a Justiça do Paraná tenha acatado parcialmente, no dia 24 de julho, os pedidos feitas pelas Defensorias Públicas do Estado e União em uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelos órgãos no início de maio, determinando que o município garanta à população o acesso gratuito imediato aos banheiros no centro da cidade e alimentação, inclusive nos restaurantes populares durante a pandemia, os movimentos e organizações que atendem esta população relatam que as demandas não foram implementadas, mesmo com determinação judicial.

“Este ato assume um tom de denúncia do que não está sendo feito, do que a gente conseguiu na justiça e ainda assim não tem sido providenciado, para escancarar o que vem acontecendo com a população em situação de rua, que continua exposta, desprotegida e sem fornecimento de alimentação, acesso a banheiro”, destaca a coordenadora da organização Mãos Invisíveis, Vanessa Lima.

Em liminar deferida no mês de junho, o acesso gratuito aos banheiros do Mercado Municipal foi liberado. No entanto, o uso dos banheiros públicos instalados nas áreas de maior concentração da população em situação de rua, como nas Praças Tiradentes, General Osório e Rui Barbosa, determinado judicialmente no último dia 24, ainda não ocorre, aponta o Movimento.

Para a defensora pública, Mariana Gonzaga Amorim, o provimento dos pedidos contidos da Ação Civil Pública – como água, alimentação, banheiros e máscaras de proteção, entre outros – busca atender as mínimas condições de sobrevivência. “Na Ação a gente está tratando do fundamental e emergencial para garantir vidas”, sublinha.

“A atuação do poder público é urgente e indispensável. Na medida em que a pandemia avança, não há medidas de proteção e há cada vez mais redução e esgotamento das pessoas que realizam um trabalho voluntário de atendimento a esta população, cada vez há maior dificuldade para garantir condições de sobrevivência das pessoas em situação de rua”, destaca Mariana.

 

Violação de direitos

Para as organizações, o contexto de adoecimento e drogadição, presente em parte das pessoas em situação de rua, e as condições a que a população é exposta diariamente e que a torna mais vulnerável à Covid exigem uma atenção imediata e ações específicas por parte da gestão pública – o que, na avaliação das organizações e movimentos, não ocorreu.

Para eles, as medidas adotadas pelo poder público não levaram em conta as especificidades das realidades de quem está nas ruas e as mudanças impostas pela pandemia. Fechamento do comércio ou restrição de circulação, sem medidas compensatórias para prover acesso à água e alimentos à população de rua, são alguns dos exemplos.

Distante da área central, a Prefeitura tem fornecido 150 refeições na Praça Plínio Tourinho. O número de refeições ainda está distante do contingente estimado pelo MNPR entre 5 a 7 mil pessoas em situação de rua na capital. “Quando se cria apenas uma estratégia de oferecimento de alimento em ambientes controlados que a Prefeitura coordena e se deixa de lado outras formas de prover a alimentação estamos reduzindo drasticamente a quantidade de pessoas atendidas”, destaca o professor do Núcleo de Direitos Humanos da PUC/PR, Rodrigo Alvarenga. O professor destaca que inúmeros direitos humanos tem sido violados com a não garantia de proteção à Covid às pessoas em situação de rua.

A assistente social e integrante da Câmara Temática de Assistência Social do Conselho Regional de Serviço Social (Cress), Flávia Scalsavara, ainda destaca a dificuldade de acesso ao auxílio emergencial por esta população como exemplo de um desenho de medidas que não contempla as realidades particulares. “A população em situação de rua não acessa o auxílio emergencial, não está cadastrada no CaDÚnico, muitas não lembram dos dados pessoais ou estão com CPF inválido. Essa população não tem acesso a celular ou internet para efetivarem o cadastro”, relata. “É feito um recorte da assistência que não atende a este público”, complementa.

Além das deficiências nas medidas adotadas no contexto de pandemia, ela ainda destaca que a não superação de problemas estruturais da política para esta população reflete negativamente na proteção social ao atual momento. “Você continua com os mesmos equipamentos, não abre o diálogo com organizações e vê uma política que não está funcionando. Um exemplo é a recusa das pessoas ao acolhimento. Se as pessoas em situação de rua recusam é porque algo aconteceu”, enfatiza.

 Em maio, as organizações que integram a campanha ‘Resistindo com Solidariedade’ - entre elas a Terra de Direitos - enviaram aos órgãos públicos de Curitiba a proposta de um Plano Emergencial de Assistência Social para Curitiba, que previa ações também para a população de rua. Até o momento, não adotou um plano nesse modelo. 

"Além da falta de diálogo com a sociedade civil, vemos uma falta de respostas por parte do poder público que sejam à altura da demanda e das urgências”, destaca a advogada popular da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro. E pondera: “Quando se denuncia essas omissões estatais, desde o governo federal ao municipal, se está denunciando essa necropolítica, de decidir quem morre ou quem vive nesse contexto de pandemia, face o contexto de extrema vulnerabilidade e inclusive aumento de número de pessoas em situação de rua." 

 “Vivemos a normalização da Covid e da fome”

Durante o ato serão distribuídos café da manhã e almoço para a população em situação de rua e pessoas em contexto de vulnerabilidade que passarem pelo local. Diariamente, as organizações produzem voluntariamente de 300 a 350 marmitas – como meio para amenizar o não fornecimento de alimentação pelo poder público.

A entrega das refeições, que antes atendia a várias praças da população central até a Vila das Torres, passou a se limitar à Rui Barbosa. Com aumento do desemprego, do preço do gás e dos alimentos, o grupo tem visto nos últimos meses um aumento significativo da fila de recebimento das refeições – de pessoas que passaram recentemente a estar em situação de rua como também de famílias com dificuldade em suprir a necessidade alimentar diária.  

O tempo também trouxe a redução no número de doações de dinheiro e alimentos para a produção das marmitas. Com caixa em baixa, as organizações avaliam que podem fornecer as refeições até final de agosto. “As doações diminuíram significativamente. Vemos uma normalização de tudo – assim como das mortes, convivemos com a normalização da fome também. Sabemos das dificuldades das pessoas, mas o fato é que a fome virou cotidiana. E a demanda pelas marmitas tem aumentado”, lamenta Vanessa.

Durante o ato, o Movimento da População em situação de rua também entregará para órgãos públicos um abaixo assinado reivindicando a oferta imediata de alimentação adequada para a população. 

 




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos