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Em audiência no STF, movimentos e organizações sociais defendem o fim das isenções fiscais para agrotóxicos


Evento reuniu povos tradicionais, indígenas, especialistas e organizações para debater os impactos dos agrotóxicos à saúde e meio ambiente

Foto: STF

Nesta terça-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu uma audiência pública vinculada à Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, com o objetivo de debater as isenções tributárias concedidas ao setor de agrotóxicos. O evento reuniu especialistas, representantes do poder público, movimentos e organizações sociais para discutir os impactos do uso de agrotóxicos no Brasil, especialmente em relação à saúde, ao meio ambiente e à segurança alimentar. A Terra de Direitos participou se posicionando contra a isenção fiscal para agrotóxicos.

Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em 2016, a ADI questiona a inconstitucionalidade das cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.

Sob condução do ministro e relator da ação, Edson Fachin, a audiência contou com exposição de representantes de diversas organizações da sociedade civil, parlamentares, representantes do Executivo e de institutos de pesquisa.

Entre os expositores, Darci Frigo, diretor executivo da Terra de Direitos, foi enfático em sua fala, criticando o argumento de que os incentivos fiscais aos agrotóxicos seriam necessários para garantir a segurança alimentar da população brasileira. Frigo destacou que o agronegócio não é responsável pela alimentação do povo brasileiro, uma vez que 84% dos agrotóxicos utilizados no país são destinados à produção das quatro principais commodities de exportação — soja, milho, algodão e cana-de-açúcar — cujos preços são definidos pelo mercado internacional. Por outro lado, a agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais são responsáveis por grande parte da produção dos alimentos consumidos internamente, utilizando significativamente menos agrotóxicos. Ele ainda afirmou que a agricultura familiar é responsável por produzir 69,6% do feijão, 83% da mandioca, 45,6% do milho e 38% do café no Brasil.

Darci Frigo, coordenador executivo da Terra de Direitos (Foto: STF)

Além da exposição na audiência pública, a Terra de Direitos também enviou aos ministros o estudo “Agrotóxicos e Violações de Direitos Humanos no Brasil. Denúncias, fiscalização e acesso à justiça”, feito em conjunto com Campanha Permanente pela Vida e Contra os Agrotóxicos, em 2022, para fornecer informações de casos de violações de direitos humanos por agrotóxicos registrados no Brasil. A organização em defesa dos direitos humanos participa da ação na condição de amicus curiae (amigos da corte) fornecendo informações técnicas e jurídicas para subsidiar os votos dos ministros.

Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), também trouxe à tona casos de populações indígenas afetadas pela contaminação por agrotóxicos. Ele destacou, em particular, os recentes conflitos em Terra Roxa, onde a disputa territorial pela demarcação de terras indígenas é marcada pelo uso frequente de agrotóxicos como armas químicas. Terena ressaltou a violência e os riscos que essas substâncias representam para as comunidades que já enfrentam desafios históricos de sobrevivência e dignidade

Movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais estiveram presentes. Representando as apanhadoras de flores sempre vivas da Serra do Espinhaço (MG), Maria de Fátima Alves – mais conhecida como Tatinha –, coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (CODECEX), falou sobre os impactos que o uso indiscriminado de agrotóxicos causa nos territórios tradicionais do Cerrado. “Nós, hoje, já podemos falar que somos afetados pelo uso do agrotóxico e o prejuízo não dá para medir. Ele é imensurável, afeta os nossos territórios e traz problemas para a saúde, alimentação e ao meio ambiente. Tem gente morrendo, passando fome, sem condições de produzir”.

Ela ainda pontuou a contradição vivida pelas comunidades apanhadoras de flores sempre vivas que tiveram seu sistema agrícola reconhecido como sistema importante para o patrimônio agrícola mundial pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), mas que estão tendo seu conhecimento afetado pelo uso dos agrotóxicos. “É importante destacar que o principal elemento desse conhecimento e reconhecimento é o território. Um território saudável para a produção e comunidades”.

Para Kátia Isaguirre, professora doutora no Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental da Universidade Federal do Paraná (EKOA/UFPR), a audiência pública foi um espaço fundamental para dialogar diretamente com povos e comunidades tradicionais, que são os mais afetados pelo uso dos agrotóxicos, e também para articular dados que demonstrem o mito da questão econômica envolvida no tema da isenção fiscal dos agrotóxicos.

“A partir do que a gente pesquisa no EKOA foi bem importante demonstrar que a gente tem legislação para suportar a transição agroecológica, que a gente tem uma política de soberania e segurança alimentar e nutricional muito forte que é a PLANAPO, e a gente tem também um posicionamento do Estado de se abster de efetuar praticas que são danosas ou negativas a efetivação desse importante direito humano e fundamental, que é o direito à alimentação”, enfatizou

Representando o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o engenheiro agrônomo Álvaro Delatorre defendeu a necessidade de uma transição para a produção orgânica, agroecológica e regenerativa. Ele afirmou que a agenda para o futuro deve incluir a soberania alimentar, a função social da terra e a democratização do acesso à terra.

Durante as exposições, diversos participantes ressaltaram que a isenção fiscal concedida ao setor de agrotóxicos viola direitos fundamentais, como o direito ao meio ambiente saudável e o princípio da equidade geracional. É dever do Estado proteger as gerações futuras, adotando políticas públicas que promovam alternativas sustentáveis e seguras ao uso indiscriminado de agrotóxicos.

Julgamento da ação

O julgamento da ação foi iniciado em 2020, em plenário virtual. Em abril deste ano o julgamento foi deslocado para plenário presencial, por meio de destaque feito pelo ministro André Mendonça. O recurso regimental reestabelece o julgamento do início. Com isso, os votos já proferidos até aquele momento – 9 ao todo – podem ser revistos.

Relator da ação, o ministro Edson Fachin havia reconhecido em seu voto que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.  

Dados,estudos e pareceres técnicos jurídicos apresentados na audiência pública podem orientar os ministros para manifestação ou revisão de votos já proferidos para posicionamento em defesa da saúde e meio ambiente, defesa da saúde e meio ambiente.

Mobilização de povos tradicionais, especialistas, movimentos e organizações sociais presentes na audiência pública no STF (Foto: Nieves Rodrigues/Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida)



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