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Em violação ao júri popular, TJ-PR anula pela 3ª vez condenação de ruralista por assassinato de camponês

18/05/2023 Assessoria de comunicação

Sebastião Camargo foi assassinato há 25 anos. Diante de impunidade do ruralista e lentidão da justiça brasileira,Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou a responsabilização dos envolvidos.  

 Registro do julgamento de Marcos Prochet em 2016. Foto: arquivo


A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) acolheu, nesta quinta-feira (18), um recurso da defesa do ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná, Marcos Prochet, acusado do assassinato do trabalhador rural Sem Terra Sebastião Camargo, morto em 1998, em Marilena (PR). Com isso, pela terceira vez a condenação do ruralista – condenado por júri popular – foi anulada.  

Por três votos a dois os desembargadores acolheram o argumento apresentado pela defesa de Prochet de que a manifestação do Ministério Público do Paraná, em julgamento de junho de 2021 que resultou na 3º condenação do ruralista, extrapolou o rol taxativo previsto no artigo 478 do Código de Processo Penal. Ou seja, na interpretação da maioria dos desembargadores é de que as referências às condenações anteriores pela promotoria de acusação impactaram a decisão dos jurados. A leitura diverge da avaliação da desembargadora relatora Priscila Placha Sá e do desembargador Joscelito Cé. A posição de ambos acompanha a decisão da 1ª Câmara. Em julho de 2022 a maioria da 1ª Câmara decidiu manter o veredicto do júri por entender que a referências feitas pela promotoria não afrontaram a lei penal.  

“São quase três décadas para solução de um caso penal, diante de três condenações anteriores”, destacou o desembargador. Outros júris de mesmo julgamento ocorreram em 2013 e 2016, com condenações também anuladas pelo Tribunal de Justiça do Paraná. Com a rejeição do recurso, a defesa de Prochet recorreu novamente, agora à 2ª Câmara. 

"Esta terceira anulação do júri popular mostra a fragilidade do sistema de justiça nos casos de crimes cometidos contra o latifúndio. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e a concentração da terra está entre os grandes motivos disso. A impunidade aos crimes do latifúndio escancara ainda mais esta ferida aberta em nosso país. Seguiremos na luta por justiça por Sebastião Camargo e pela efetivação da reforma agrária para milhões de camponeses e camponesas”, destaca Roberto Baggio, integrante da direção nacional do MST pelo Paraná. 

O caso de impunidade é singular na justiça brasileira. Tanto pela existência de cinco testemunhas oculares e frágil álibi de Prochet, anulação de três júris de sentença, pela duração de 25 anos do processo e espera por justiça, como também pela recomendação ao Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2009, de que “realize uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade de todos os autores das violações mencionadas e que, oportunamente, aplique as sanções legais aos culpados. A CIDH recomenda ao Estado que repare adequadamente os familiares pelas violações e que adote medidas para evitar a repetição desse tipo de violação”, aponta um trecho. 

Outro fato marca a tramitação do processo na justiça brasileira. Em dois momentos os autos do processo ainda físicos foram extraviados em 2007 e somente em 2010 foram reconstituídos e voltaram a tramitar.  

Durante o julgamento do recurso, em 2022, o representante das famílias destacou o desgaste da família de Sebastião Camargo na espera por justiça, diante dos sequenciais recursos da defesa do ruralista. “O júri condenou não por uma, não por duas, mas por três vezes de um crime bárbaro ocorrido há quase três décadas. Cabe lembrar que o limite do direito exige que, em algum ponto, se faça justiça. Tanto trabalho, tantas pessoas e a espera incansável de anos para a família ver a justiça, a decisão está inequivocadamente e constitucionalmente amparada do nosso lado”, apontou o representante da família no processo. 

Sobre o crime 
Sebastião Camargo foi morto aos 65 anos, com um tiro na cabeça. O crime ocorreu no dia 7 de fevereiro de 1998, durante um despejo ilegal em um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) na Fazenda Boa Sorte, em Marilena, cidade no Noroeste do Paraná. Na área residiam 300 famílias. Além do assassinato de Camargo, 17 pessoas - inclusive crianças - ficaram feridas na ocasião.  
 
A área ocupada pelas famílias já estava em processo de destinação para reforma agrária. Vistoriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a fazenda foi considerada improdutiva, por isso estava em processo de desapropriação e indenização do proprietário. Teissin Tina, dono da Fazenda, recebeu cerca de R$ 1 milhão e 300 mil reais pela propriedade, área onde hoje está localizado o Assentamento Sebastião Camargo, em homenagem ao trabalhador assassinado. O agricultor deixou esposa e cinco filhos. 

Condenação de um ruralista 
Durante o julgamento em 2021 a promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná destacou como o caso se apresenta como singular na justiça brasileira: por ter tido dois júris populares anulados; pela duração de 23 anos do processo [naquele ano] e pela responsabilização do Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2009, em razão da lentidão e não responsabilização dos envolvidos pelo sistema de justiça brasileiro. 
 
O ex-presidente da UDR – associação de proprietários rurais voltada à “defesa do direito de propriedade” – é a quarta pessoa a ir a júri popular pelo assassinato de Sebastião Camargo. Teissin Tina recebeu condenação de seis anos de prisão por homicídio simples, no entanto não foi preso porque a pena prescreveu. Já Osnir Sanches foi condenado a 13 anos de prisão por homicídio qualificado e constituição de empresa de segurança privada, utilizada para recrutar jagunços e executar despejos ilegais. Ele cumpre prisão domiciliar, por questões de saúde. Augusto Barbosa da Costa, integrante da milícia privada, também foi condenado, mas recorreu da decisão. 

Denunciado apenas em 2013, o ruralista Tarcísio Barbosa de Souza, presidente da Comissão Fundiária da Federação de Agricultura do Estado do Paraná – FAEP, ligada à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), também foi apontado como envolvido no crime, mas a decisão judicial que determinava o julgamento de Tarcísio por júri popular foi anulada em 2019.  

Histórico de violência no governo Lerner 
No período em que o Paraná foi governado por Jaime Lerner (antigo DEM), o estado registrou, além dos 16 assassinatos de Sem Terra, 516 prisões arbitrárias, 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 325 feridos em 134 ações de despejo e 7 casos de tortura, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). 
 
Uma característica em comum nestes casos é a demora injustificada e falta de isenção nas investigações e processos judiciais. Exemplo disso, o Inquérito Policial que investigou o assassinato de Camargo demorou mais de dois anos para ser concluído e o primeiro júri no caso foi realizado 14 anos depois do crime. 
 
Em apenas dois dos 16 casos houve condenação: em 2011, Jair Firmino Borracha foi condenado pelo assassinato de Eduardo Anghinoni; em 2012, 2013 e 2014, respectivamente, Teissin Tina, Osnir Sanches, Marcos Prochet e Augusto Barbosa foram condenados pela morte de Sebastião Camargo. Até o momento, porém, nenhum deles foi preso. 

 



Ações: Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial