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Empate na votação do Código Florestal será decidido hoje


Ministro Celso De Mello durante sessão do STF. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

 

O Ministro Celso de Mello, último a proferir seu voto, terá papel decisivo nos rumos socioambientais do país.

 

O julgamento da inconstitucionalidade da lei ambiental mais importante do país deverá ser finalizado no dia de hoje. Às 14h de 28 de fevereiro, o Ministro Celso de Mello proferirá seu voto em relação aos artigos questionados do Código Florestal, sancionado em 2012.

O ministro decano é o último a se posicionar sobre o assunto e terá papel decisivo nos pontos que seguem com votação empatada entre os ministros do STF.

A maior parte dos artigos já está consolidado com a maioria dos votos dos ministros. Outros estão em abertos e seguem empatados, em especial a anistia de multas e sanções para aqueles que desmataram ou causaram danos ambientais antes de 22 de julho de 2008; a obrigação de recuperar áreas de Reserva Legal que sofreram danos ou desmatamentos ilegais; a redução da Reserva Legal na Amazônia de 80% para 50% por existência de Terras Indígenas ou Unidades de Conservação no município ou estado; a consolidação do desmatamento em Reserva Legal em áreas desmatadas até 22.07.2008; e a compensação ambiental no mesmo bioma do imóvel emissor do título, independentemente de identidade ecológica.

Até agora o julgamento no STF teve poucos avanços em matéria socioambiental, privilegiando e consolidando o benefício aos ruralistas e às grandes propriedades. O Ministro Celso de Mello terá papel decisivo nos pontos pendentes, podendo alterar os rumos dos direitos socioambientais brasileiros.

 

Veja os dispositivos que estão em disputa:

 

Consolidação e novos desmatamentos autorizados para supressões até 22.07.2008, sem que haja recomposição em Áreas de Preservação Permanente

O art. 7, § 3º do Código Florestal autoriza a anistia do desmatamento de vegetação realizada antes de 22 de julho de 2008. Isto é, o legislador estabeleceu o ano de 2008 como marco para a obrigação da recomposição ambiental. Quem desmatou antes de 2008 pode ter autorização para novas supressões, mesmo sem recompor a área degradada.

Não há qualquer razão em se privilegiar quem desmatou antes de 2008. O que acaba por isentar da reparação do dano. De forma que premia aqueles que cometeram danos ambientais e desmataram ilegalmente suas propriedades.

Os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Edson Fachin, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski declararam inconstitucional a expressão “após 22.07.2008”, questionando o marco temporal estabelecido e indicando que todos que desmataram áreas de APP devam recompor os danos que causaram, independentemente da época em que ocorreu.

Já os ministros Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Gilmar Mendes julgaram este dispositivo constitucional, determinando a permanência do marco temporal.

 

Consolidação do desmatamento em Reserva Legal em áreas desmatadas até 22/07/2008

O Art. 17, § 3 do Código Florestal determina que a Reserva Legal deva ser conservada com cobertura de vegetação nativa. Contudo, obriga apenas a suspensão imediata das atividades em área de Reserva Legal desmatada irregularmente após 22 de julho de 2008. Isto é, aqueles que desmataram ilegalmente antes de 2008 podem continuar com as atividades. Novamente o marco temporal estabelece desigualdades e anistias para quem desmatou até esta data.

Os ministros que pedem a inconstitucionalidade da expressão “realizadas após 22 de julho de 2008” são Luiz Fux, Marco Aurélio, Edson Fachin. Roberto Barroso, Ricardo Lewandoowski.

Já Cármen Lúcia, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli consideram o marco temporal constitucional.

 

Redução da Reserva Legal na Amazônia de 80% para 50% por existência de Terras Indígenas ou Unidades de Conservação no município ou estado

O art. 12, § 4 e 5 do Código Florestal admite que as reservas Legais possam ser reduzidas em razão da existência de Unidades de Conservação ou Terras Indígenas nos estados ou municípios. Ocorre que a finalidade das Unidades de Conservação e Terras Indígenas são completamente distintas da Reserva Legal e, portanto, não poderiam ser substituídas.

Os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli consideraram o dispositivo constitucional.

Já os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski divergiram do relator, declarando inconstitucional esse dispositivo.

Ao se posicionar especificamente em relação a este dispositivo, o Ministro Roberto Barroso reiterou a importância do bioma Amazônico para o Brasil e para o mundo, demonstrando preocupação com a aceleração do desmatamento. Segundo ele “o mundo precisa da Amazônia, e o Brasil precisa da Amazônia”.

 

Compensação ambiental no mesmo bioma do imóvel independentemente de identidade ecológica

Os artigos 44 e 48, §2º do Código Florestal criam a Cota de Reserva Ambiental, que é um título econômico referente a um passivo ambiental que pode ser comercializado no mercado financeiro e servir de compensação a uma outra área desmatada. Basta que haja transferência deste título, de forma gratuita ou onerosa.

Contudo, a Cota de Reserva Ambiental pode ser utilizada como compensação ambiental no mesmo BIOMA, o que não significa a real compensação, vez que um mesmo bioma pode se estender há milhares de quilômetros de distância. Gera dificuldades de fiscalização e cumprimento da compensação. E pode não haver identidade ecológica real.

O Código Florestal anterior determinava a compensação na mesma microbacia e não no mesmo bioma. Isto abre a possibilidade de compensação de desmatamento de uma área da Mata Atlântica na Bahia no estado do Paraná, por exemplo.

O Ministro Marco Aurélio ponderou a importância de retorno à legislação anterior que previa a possibilidade de compensação na mesma microbacia. Segundo o magistrado, “O uso do critério da identidade do bioma é insuficiente a assegurar que a compensação entre as áreas esteja em harmonia com a tutela ambiental”.

Os ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes não viram problemas em manter este artigo e o declararam constitucional.

Já os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski consideraram a necessidade de INTERPRETAÇÃO CONFORME do artigo 48, § 2º à constituição para permitir compensação apenas entre áreas com identidade ecológica.

Edson Fachin declarou o dispositivo inconstitucional, mas deve acompanhar os ministros que decidem pela interpretação conforme.

 

Anistia de penas de infrações e multas e proibição de autuações mesmo sem adesão ao Programa de Regularização Ambiental

O art. 59, § 4 e 5§, estabelece a criação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) como incentivo à adequação ao cumprimento aos termos do Código Florestal.

Ocorre que este artigo veda autuações para desmatamentos realizados até 22.07.08, suspendendo penas e multas após a assinatura de um termo de compromisso, independente de adesão ao PRA.

Essa manobra facilita que os desmatamentos permaneçam apenas com uma simples assinatura de termo de compromisso. Além disso, transfere a responsabilidade ambiental da obrigação de reparação dos danos ambientais do particular ao poder público, ou seja, para toda a coletividade, com a não aplicação de multas e sanções aos que desmataram até 2008.

Os ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Edson Fachin, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski julgaram inconstitucional a expressão “após 22 de julho de 2008” do art. 59.

Já as ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber determinaram a interpretação conforme para afastar no decurso do cumprimento dos termos de compromisso do PRA o risco de decadência ou prescrição dos ilícitos praticados antes de 22 julho de 2008 e as sanções deles decorrentes.

Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes julgaram este artigo constitucional.

 

Anistia de penas e multas de crimes ambientais

O art. 60 do Código Florestal proíbe multas por infrações cometidas antes de 22.07.08 da edição da Lei até implantação do Programa de regularização Ambiental, bem como após adesão ao Programa de Regularização Ambiental e enquanto cumprido termo de compromisso.

Este artigo se refere aos crimes ambientais, que deixam de ser punidos apenas com a assinatura de termo de compromisso para regularização de imóvel ou posse rural perante o órgão ambiental competente.

Os ministros Luiz Fux, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski declararam este artigo inconstitucional.

As ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber se posicionaram pela interpretação conforme para afastar no decurso do cumprimento dos termos de compromisso o risco de decadência ou prescrição dos ilícitos praticados antes de 22 julho de 2008 e as sanções deles decorrentes.

Já os ministros Marco Aurélio, Edson Fachin, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes declararam este dispositivo constitucional.

 

Permanência do desmatamento em áreas rurais consolidadas

O art. 63 do Código Florestal isenta de reparação a “Área consolidada” de toda ou parte de Área de Preservação Permanente, desonerando de recomposição os proprietários que desmataram até 22.07.08, o que descaracteriza o regime de áreas protegidas.

Este artigo cria duas classes de agricultores, premiando com a isenção ou redução de APP os imóveis desmatados até 2008, em detrimento daqueles que historicamente conservaram.

Este artigo está em disputa acirrada no STF. Os ministros Luiz Fux, Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes declararam o artigo constitucional.

Os ministros que declararam o mesmo inconstitucional foram Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski.

 

Consolidação do desmatamento em áreas de até 4 módulos fiscais

O artigo 67 do Código estabelece que nos imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais com áreas de Reserva Legal com vegetação nativa inferiores ao determinado em cada região se tornem consolidados. Isto é, os proprietários ou posseiros são isentos de recompor a Reserva Legal se desmataram até 2008.

Assim, há a desoneração completa do dever de restaurar. Estudos do IPEA[1] apontam que deixarão de ser recuperados cerca de 3,9 milhões de hectares caso se confirme este dispositivo.

Outro ponto a ser apontado deste artigo é que ele não considera as especificidades da agricultura familiar ou dos pequenos agricultores, mas apenas o tamanho da propriedade, com 4 módulos fiscais.

Contudo, o tamanho dos módulos fiscais é variável em cada município, com uma série de fatores considerados. Sendo assim, há propriedades de 440 hectares que seriam dispensadas de recompor a Reserva Legal. O que significa o tamanho de um país como a Itália.  

Tais propriedades seriam consolidada com a vegetação existente até 22.07.2008, mas como realmente considerar que a área foi desmatada até esta data ou viabilizar a fiscalização? A confirmação deste dispositivo também poderia suscitar a consolidação de desmatamentos fraudulentos.

Este artigo segue com votação empatada no STF. Os ministros Luiz Fux, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes votaram pela constitucionalidade.

Já os ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski o declararam inconstitucional.

 

[1] Comunicados do IPEA: Código Florestal – implicações do PL 1876/99 nas áreas de Reserva Legal. 8 de junho de 2011.



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar