Ignorados pelo Estado brasileiro, defensoras e defensores de direitos de migrantes reivindicam proteção
José Odeveza
Projeto Percursos desenvolveu formações e escuta às violações de direitos sofridas por esta população
Sob o lema "nenhum ser humano é ilegal", a Terra de Direitos e o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) finalizaram, com apoio das Blogueiras Negras, nesta quarta-feira (27), o projeto “PerCursos - Em defesa dos Direitos Humanos''. A iniciativa reuniu, ao longo de 2021, defensoras e defensores dos direitos migrantes de diversas regiões do país para discutir a atuação segura no campo da migração. A atividade de encerramento do projeto aconteceu em Brasília (DF) e reuniu as organizações realizadoras do projeto e defensores para agendas com órgãos públicos, como a Defensoria Pública da União (DPU) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Em contato direto com lideranças, a caravana do projeto rodou as cidades de São Paulo, Manaus, Boa Vista e Belém com a realização de oficinas que pudessem capacitar e, ao mesmo tempo, subsidiar a consolidação dos problemas enfrentados no dia a dia de quem atua nesse contexto.
"Nesse processo [de desenvolvimento do projeto] foi possível visualizar a necessidade de articulação entre as duas temáticas: Migração e Defensores de Direitos Humanos. Isso porque, o próprio entendimento atual sobre o que são Defensores de Direitos Humanos e como protegê-los não contempla a realidade de quem atua com a pauta da migração em sua totalidade. Ou seja, existe a necessidade de se construir espaços que abarquem as duas temáticas que são tão atuais", é o que explica a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alane Luzia que atuou no projeto.
A política de proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos existe no Brasil desde 2004 e, atualmente, está prevista no Decreto 9.937/2019, chamado de “Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH)”. A missão do PPDDH é bem objetiva: garantir a proteção de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos a partir de uma série de medidas que visam, sobretudo, articular instituições e combater as causas estruturantes das violações de direitos humanos.
Segundo informações fornecidas pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, entre 2007 e 2020 foram inseridas 209 pessoas no Programa de Proteção. No entanto, nos 18 anos do Programa, nenhuma das pessoas inseridas no Programa atua na defesa dos direitos das pessoas migrantes. Ao longo destas quase duas décadas de desenvolvimento do Programa a temática migração não foi inserida em categorias de atendimento.
Para a articuladora institucional do CDHIC, Deborah Esther Grajzer, o "contato com diferentes cidades [proporcionado pelo projeto] fez a gente ter a dimensão de como tem sido o acolhimento e atendimento de migrantes e as violações de direitos que essas pessoas têm sofrido nesses espaços. E durante as formações foi possível capacitar como as pessoas que atuam com a temática de migração podem se apropriar enquanto defensores de direitos humanos".
Contexto de migração no Brasil
Dados do Observatório das Migrações de 2021 apontam que entre 2011 e 2020 foram registrados 971.806 imigrantes no Brasil entre residentes e temporários, sendo as nacionalidades principais: Venezuela (172.306), Haiti (149.085), Bolívia (55.640) e Colômbia (53.802). O relatório também aponta que anteriormente as migrações tinham como destino principal os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, tomando um outro caráter na última década, quando passa a ter uma presença forte nas regiões Sul e Norte do Brasil.
Para a dirigente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas Migrantes e da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad-SP), Diana Solis, que é migrante boliviana e primeira migrante sindicalizada no Brasil, enfatiza que os dados atuais de migração no país mostram a necessidade do Estado brasileiro pensar políticas públicas de inserção efetiva dessa parcela da população.
"Com a Lei de Migração, as pessoas têm direito a serem sindicalizadas, mas elas não sabem. Além disso, existem outros problemas! Não podemos viver com uma Lei que eu não possa escolher o presidente do país que eu vivo. Nós não somos invisíveis, nós estamos aqui e somos seres humanos como qualquer outro. Mas ainda assim nem todos os direitos são garantidos, e por isso precisamos gritar para ouvirem nossos direitos."
A advogada popular e consultora do projeto, Layza Queiroz, destacou que é possível notar que no Brasil existem dois mundos bem diferentes no campo migratório.
"Existe o mundo de migrantes de países como Itália, Inglaterra, França que estão no Brasil, mas a sociedade não olha para elas com o mesmo olhar quando estamos falando de pessoas que vêm do sul global. Existem contextos importantes na xenofobia que se atrelam ao racismo. É preciso analisar porque esse processo é tão violento com essas pessoas. E quando a gente discute os programas de proteção de defensores de direitos humanos a gente precisa inicialmente reforçar - a partir da comunicação - a importância dos direitos existentes e trazer isso a público para cobrar ações efetivas", destaca a advogada.
Sul global é um termo utilizado em estudos que pode referir-se tanto ao terceiro mundo como ao conjunto de países em desenvolvimento.
Reivindicações de direitos
Os participantes do projeto Percursos se reuniram em Brasília nos dias 26 e 27 de abril para um agenda de discussão, incidência com o estado e para o lançamento da publicação “Percursos de lutas: proteção para defensoras e defensores de direitos humanos que atuam em contexto de migração”.
Na ocasião, lideranças da pauta migratória reivindicaram a partir de uma carta política construída pelo Projeto, acesso aos direitos fundamentais para o exercício da cidadania de migrantes no Brasil, como a desburocratização no acesso a documentos civis, participação política, e o aprimoramento políticas públicas mais efetivas que garantam moradia, trabalho, saúde e segurança alimentar para essa parcela da sociedade. As reivindicações foram sistematizadas em uma carta entregue aos órgãos públicos.
Para uma das autoras da publicação que reúne os acúmulos do Projeto Percursos, Layza Queiroz, este material deve "contribuir para visibilizar esse cenário, pois traz elementos sobre formas de violências e vulnerabilidades enfrentadas por defensoras de direitos humanos que atuam no contexto da migração". Para ela, "esse panorama é uma contribuição importante para se pensar na construção de ações para fortalecer essas lutas e buscar estratégias de proteção desses defensoras e defensores de direitos humanso".
Tanto a publicação quanto a carta política desenvolvida no âmbito do projeto estão disponíveis para leitura em formato digital.
Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos