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Na ONU, relatora especial destaca cenário de intensa violência contra quem defende direitos humanos no Brasil


Mary Lawlor recomendou que o Governo brasileiro tome medidas urgentes para proteção à vida de quem defende direitos no país 

O contexto histórico de violências vividas por quem defende direitos humanos no Brasil e a adoção insuficiente de medidas pelo Estado Brasileiro para proteger defensoras e defensores foram apresentados, hoje (6), na 58ª Sessão Ordinário do Conselho de Direitos Humanos das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Os apontamentos fazem parte do Relatório sobre a situação de defensores e defensoras no Brasil. O material foi elaborado após visita ao Brasil realizada pela Relatora Especial da ONU, Mary Lawlor, em 8 a 19 de abril de 2024. A relatora constatou que, embora o Brasil tenha feito esforços para proteger defensores, as violações de direitos humanos permanecem um problema grave e em expansão. A relatora destaca que o país, deve adotar medidas urgentes e mais efetivas de proteção à vida de quem defende direitos.  

Mary Lawlor destacou na apresentação que os desafios são enormes para os defensores dos direitos humanos no Brasil por se tratar de uma questão histórica. “Eles correm o risco de assassinatos, ataques físicos violentos, ameaças e desapropriação. As raízes destes riscos são históricas, mas cabe à atual administração enfrentá-los.” 

A relatora também pontuou que o país está um momento central para garantir a defesa de quem defende direitos. Como sede da Conferência da ONU sobre Mudança do Clima“ há uma grande oportunidade para o Brasil com a COP 30 em Belém este ano. A COP do Clima tem sido historicamente um local hostil e arriscado para os defensores dos direitos humanos. Estou pedindo às autoridades brasileiras que mudem essa maré e criem um espaço seguro onde defensores possam participar de forma significativa”, declarou. 

Durante a missão ao Brasil, Lawlor reuniu-se com representantes do governo federal, como o até então Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e membros de organizações da sociedade civil que integram o Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta, em Brasília (DF). A relatora visitou territórios e realizou oitivas com cerca de 130 defensores de direitos humanos nos estados da Bahia, Pará, São Paulo e Mato Grosso do Sul. A escuta incluiu questões apontadas por representantes de povos indígenas, quilombolas, comunidades ribeirinhas, LGBT+, mulheres negras, trabalhadores rurais, agricultores familiares, jornalistas e ativistas ambientais. A Terra de Direitos participou das agendas com a relatora especial.  

Confira o relatório na íntegra 

Rosenilce Vitor, presidenta da Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (Feagle), foi uma das defensoras ouvidas no Pará. Ela é agricultora familiar e ao saber sobre a exposição dos resultados da missão demonstrou expectativa positiva por ações mais efetivas a partir disso. “A gente espera que a ONU possa se debruçar em cima da defesa dos defensores e defensoras, valorizar nossa luta. A gente disse isso à Relatora no ano passado. Agora, esperamos que com suas argumentações sobre a real situação dos defensores a ONU possa dar esse apoio para que a gente possa continuar lutando e defendendo o que é nosso direito”.  

Entre 2019 e 2022, anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Pará registrou 143 casos de violência contra defensores e defensoras, sendo 19 assassinatos. O Pará registrou o maior número de violência entre todos os estados brasileiros, aponta a pesquisa “Na linha de frente: violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil”, elaborada por Terra de Direitos e Justiça Global.  

“A relatora da ONU vem destacando a importância do Estado Brasileiro, com a máxima brevidade, tomar medidas estruturantes para resolver as situações de ameaça, como a titulação de povos e comunidades tradicionais. Assim, esperamos que as recomendações observadas e sejam estas tratadas como prioritárias, inclusive no orçamento público”, destacou a assessora jurídica popular da Terra de Direitos que acompanhou a missão da Relatora no Pará, Suzany Brasil.   

Política Nacional de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos 

A política nacional para proteger quem defende direitos humanos é objeto do trabalho do Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta. De acordo com a relatoria da ONU essa foi a única ação do governo regularmente citada pelos defensores e defensoras nas oitivas. 

 A defensora de direitos Rosenilce Vitor, corrobora com demais defensores ouvidos. Ela, enquanto liderança no Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande, em Santarém (PA), é uma das mais de 20 lideranças ameaçadas naquele território. “No caso do PAE Lago Grande, nós lutamos pela defesa do território para que esse chão, essa terra, seja garantida para as populações que moram naquele lugar. E na minha visão essa política de proteção aos defensores ela tinha que ser uma política verdadeira e que desse uma resposta positiva aos defensores e defensoras do território que lutam.” 

O relatório apresentado por Mary Lawlor destaca que são necessários avanços no fortalecimento da política de proteção.  “Como ficou claro pelos defensores dos direitos humanos com quem a Relatora Especial se reuniu, a existência do programa de proteção é positiva. No entanto, tem sérios problemas e precisa ser totalmente reformulado.”, destaca o documento.  

Criado em 2023, O GTT Sales Pimenta é uma das medidas determinadas pela sentença de condenação da Corte Interamericana no caso de Sales Pimenta. Composto por representantes do Executivo e de organizações da sociedade civil, entre elas a Terra de Direitos, o GTT Sales Pimenta tem como objetivo desenvolver Plano Nacional de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos e um anteprojeto de lei sobre a Política Nacional aos Defensores dos Direitos Humanos, aos Comunicadores e aos Ambientalistas.  

Ainda na comunicação final da missão, em abril de 2024, a Relatora Mary Lawlor expressou sua preocupação com a ausência orçamentária destinada aos trabalhos do GTT Sales Pimenta, e recomendou ao governo federal que o GTT fosse uma prioridade política.  

Mesmo com as falhas orçamentários, em dezembro do ano passado, GTT entregou ao Ministério de Direitos Humanos e Cidadania o Plano de Proteção elaborado após mais de 50 escutas online e presenciais a sociedade civil, e a minuta do anteprojeto de lei que institucionaliza o Sistema Nacional de Proteção às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos (SNPDDH). 

Um decreto de regulamentação do plano está sendo aguardado para abril de 2025. Ele deve garantir o desenvolvimento de ações concretas para proteção de pessoas defensoras. “Depois da conclusão dos trabalhos do GTT, o que a gente espera agora para enfrentar os bravos desafios para proteger pessoas em situação de risco em nosso país é a publicação do Decreto e, principalmente, a implantação de medidas concretas para ampliar a ação do Estado na proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos. Sem a ampliação, por exemplo, da equipe nacional não é possível pensar que a política pública vai se efetivar no nosso país”, enfatiza Darci Frigo, coordenador executivo da Terra de Direitos e membro do GTT Sales Pimenta. Organizações da sociedade civil que atuam em defesa de defensores também estão engajadas pela implementação das propostas discutidas pelo grupo de trabalho 

A necessidade de priorização na implementação das propostas elaboradas pelo grupo de trabalho foi uma das recomendações destaque no relatório da ONU.  

Conflito pela terra: uma violência histórica  

De acordo com a Relatora, a violência está enraizada no conflito pela terra. Defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil vivem um cenário histórico e intenso de violência, especialmente aqueles que lutam por terra, território e pela defesa de um meio ambiente equilibrado.  

 “É desafiador lutar pelo direito à terra e território no Brasil. Hoje, na atualidade, a gente tem que defender a vida das pessoas que estão no território. Quando nós buscamos por nossos direitos, tememos que vamos ser vítimas dos grandes empreendedores que querem os nossos territórios. E quando a gente a busca pelo governo, ele é o primeiro a vender nossas terras, a ceder nossa terra, sem nos comunicar”, declara Margareth Maytapú, coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), que representa 13 povos indígenas do baixo Tapajós, no oeste do Pará. Nenhuma delas com a demarcação territorial garantida.   

Para Alane Luiza Silva, assessora jurídica da Terra de Direitos, o destaque trazido pela Relatora da ONU sobre a continuidade do cenário intenso de violência no Brasil, apenas reforça o que vem sendo acompanhado por organizações sociais e vivenciado por defensores (as) de direitos humanos. “Quem luta para garantir o território está lutando pela vida. E essa tem sido uma luta permanente. As violações ocorrem de diversos setores, como companhias estrangeiras, agronegócio, mineração, turismo e mercado de carbono, bem como, em muitos casos, do próprio Estado. E apesar da boa vontade de parte do atual governo em criar melhores condições para a defesa de direitos, o cenário encontrado é muito similar ao descrito no relatório da visita realizada em 2005”.  

O documento de Lawlor aponta que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são as maiores vítimas dessas violações. Estes, ao mesmo tempo que são os mais violados na luta pela garantia da terra e contra o avanço de grandes empreendimentos exploradores sob os territórios, são os que lutam pelo enfrentamento das mudanças climáticas, proteção à biodiversidade e direito à alimentação de qualidade.   

“A negação da terra está no cerne da luta dos povos tradicionais e da classe trabalhadora rural em todo o Brasil. Como os defensores dos direitos humanos repetidamente disseram à Relatora Especial durante sua visita, a terra era a chave para sua sobrevivência como povos e comunidades”, ressalta o relatório.  

Para Mary Lawlor, apesar do cenário de violência ter sido agravado nos anos de governo do Presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), ele é mais profundo que qualquer programa político. Dados citados pela Relatora no documento, parte da pesquisa “Na Linha de Frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil”, elaborada por Terra de Direitos e Justiça Global, mostram entre 2019 e 2022 foram assassinados 169 defensores de direitos e 579 receberam ameaças como resultado de sua luta. Do total de 169, em 78,5% dos casos de violência, a pauta de luta foi a defesa da terra, território e meio ambiente.  

O Relatório traz com ênfase o reconhecimento de um esforço do Brasil em políticas para combater o conflito de terra, no entanto, aponta que isso ainda é insuficiente diante do cenário, principalmente na perspectiva de uma política pública efetiva. “Embora a Relatora Especial acredite que um esforço genuíno está sendo feito para abordar a questão da terra no centro dos ataques contra muitos defensores dos direitos humanos no Brasil, muito mais pode ser feito” 

Regularização fundiária e Marco temporal 

Outro destaque do relatório apresentado na ONU são as soluções apontadas pelos próprios povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais ouvidos por Mary Lawlor na missão do Brasil. A resposta dos defensores foi enfática: medidas de regularização fundiária para a garantia do território, como a demarcação de terras indígenas e titulação quilombolas.  

Além disso, questões como a remoção de invasores, investigações contra crimes ambientais e contra à vida, combate a impunidade e garantia de direitos sociais também foram apontados.  

“Os defensores de direitos humanos no Brasil têm apelado ao Estado para atender a essas demandas por gerações. Por meio de retomadas, autodemarcação e autotitulação, bem como ações legais, eles, as comunidades de onde vêm e seus aliados têm buscado para torná-los realidade. Em resposta, eles foram recebidos continuamente com oposição, obstrução e negação das autoridades. Por que isso tem acontecido?”, questiona o relatório.  

Nesse contexto, a Relatora traz à tona os impactos da Tese do Marco Temporal, que tem sido discutida no Supremo Tribunal Federal, e a relação com diversos casos de assassinatos. 

“Remediar a injustiça e a desigualdade em relação à terra é essencial para a proteção desses defensores dos direitos humanos. Para impedir os assassinatos, deve haver demarcação, titulação e reforma agrária. Os invasores devem ser removidos e os crimes que foram perpetrados devem ser processados, com os autores intelectuais levados à justiça junto com aqueles que puxam o gatilho”, pontua o relatório.  

Para liderança indígena Margareth Maytapú as recomendações apresentadas no Relatório da ONU devem ser efetivadas por meio de políticas públicas. “Nós estamos vivenciando uma situação crítica no Estado Pará. Estado que vai ser a sede da COP 30 [Conferência do Clima da ONU]. Nós sabemos que veio a relatora da ONU para o Estado e viu a situação, então nós queremos que as recomendações sejam atendidas urgentemente porque as nossas lideranças estão sendo mortas, ameaçadas de viver e estão desprotegidas”.  

Em recomendação direta ao Presidente Lula, a Relatora Mary Lawlor solicita a priorização pelo STF na resolução das questões relativas a Lei Federal nº 14.701, que institui o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. 



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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Conflitos Fundiários

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos