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Ocupação de MST em latifúndio de senador deve ser julgada partir desta quinta-feira (12)


  Acampamento Dom Tomás Balduíno (foto: Ney Hugo/Mídia NINJA)

A partir desta quinta-feira (12), poderá ser julgada a ação do recurso de reintegração de posse do complexo agropecuário Santa Mônica, em Corumbá (GO), ocupado por cerca de 3 mil famílias de trabalhadores/as sem-terra desde agosto de 2014.

A área de cem hectares faz parte de uma pequena parte dos 14 mil hectares de terras improdutivas que pertencem ao senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). Batizado de Acampamento Dom Tomás Balduíno (homenagem a um dos fundadores da Comissão Pastoral da Terra-CPT), o local ocupado pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) agora produz produtos de plantio orgânico, sem agrotóxicos.

Em 2014, o senador havia obtido vitória judicial em pedido de reintegração de posse, onde foi cogitada ação da Polícia Militar para despejá-los da terra. O Movimento conseguiu uma liminar que garantiu a permanência das famílias no território até a decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, cujo julgamento acontece a partir desta quinta-feira.

Carta de apoio

Em apoio as 3 mil famílias acampadas em Corumbá, entidades e sociedade civil enviaram uma carta para os desembargadores que analisarão o caso. No documento, afirma-se que “esta ocupação [...] chamou atenção do país, mais uma vez, sobre as graves contradições sociais frutos da concentração fundiária nestas terras”.

Os assinantes também entendem que a destinação da terra para a Reforma Agrária contribuirá para a construção de uma sociedade mais justa e produtiva.

“Mediante as sucessivas demonstrações do Governo Federal em negociar a compra do imóvel, e o interesse e vocação concreta das famílias acampadas, entendemos que a concretização do assentamento é um singular sinal de justiça social, atenção com a alimentação saudável da população urbana e rural, e, um grande incentivo ao desenvolvimento e dinamismo econômico da região”.

A Terra de Direitos é uma das organizações que assinam o documento.

Leia a carta aqui, ou confira abaixo:

 

CARTA ABERTA EM APOIO AO ACAMPAMENTO DOM TOMÁS BALDUÍNO

 

“Artigo XIII.
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

 

Thiago de Mello

Ilustríssimos Senhores Desembargadores da Colenda 4ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Des. Gilberto Marques Filho,Des. Carlos Escher, Des. Kisleu Dias Maciel Filho, Desª.  Elizabeth Maria da Silva, e o eminente Relator, Juiz Convocado de 2º Grau, Dr. Marcus Da Costa Ferreira.

Ao cumprimentá-los cordialmente, os signatários, por meio desta, vêm, diante da grande repercussão nacional do caso, apresentar nossa atenção e cuidado com o julgamento do Agravo de Instrumento n. 201494337797, em trâmite perante esta Câmara Julgadora, que, em síntese, trata de ação possessória promovida pela empresa Agropecuária Santa Mônica, de propriedade do Senador da República Eunício de Oliveira, em face de milhares de famílias sem-terra que desde o dia 31 de agosto de 2014 ocupam uma pequena parcela do gigantesco complexo das Fazendas da Agropecuária região de Corumbá de Goiás (GO).

Esta ocupação, cujo nome homenageia o saudoso Bispo Emérito da Diocese de Goiás, Dom Tomás Balduíno, homem que dedicou a vida na luta pela efetivação dos Direitos Humanos no Brasil, chamou atenção do país, mais uma vez, sobre as graves contradições sociais frutos da concentração fundiária nestas terras.

Ademais, revelou também uma cadeia de suspeitas sobre a regularidade e legalidade das propriedades que compõem o complexo da Fazenda Santa Mônica. O histórico de aquisição daquelas terras, destacado em documentários e relatos, denuncia o uso da força física, econômica e política para expulsar centenas de famílias camponesas da região ao longo dos últimos 20 anos.

Buscando de forma organizada exigir a realização da Reforma Agrária e atender a necessidade de acesso à terra de famílias da região metropolitana de Goiânia, Anápolis e do Distrito Federal, o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST – realizou a sobredita ocupação.

No acampamento Dom Tomás Balduíno hoje se encontram aproximadamente 3.000 (três mil) famílias, a grande maioria efetivamente morando na ocupação, produzindo uma grande variedade de alimentos orgânicos que servem para alimentação das pessoas lá residentes, para doação a famílias carentes, e para comercialização nas cidades de Corumbá e Alexânia.

Há também no acampamento grande número de crianças e adolescentes, e avançado processo de constituição de uma Escola Itinerante na própria ocupação, caminho esse construído com a Secretaria Estadual de Educação de Goiás e da Prefeitura Municipal de Corumbá.

É de se salientar a enorme pressão política constante no caso, que proporcionou abusivas decisões judiciais emanadas pelo juízo local de Corumbá, deferindo por mais de uma ocasião a liminar possessória sem qualquer intento de mediação do grave conflito coletivo lá instaurado, obstaculizando até mesmo a entrada de alimento para as famílias.

As próprias autoridades policiais que atuaram na mediação do conflito nos primeiros meses revelaram que um despejo forçado poderá ter consequências trágicas, dado o despreparo da Polícia Militar para este tipo de operação e a disposição das famílias em serem assentadas na área. Ademais, o despejo não resolverá o conflito, pois as famílias não têm mais para onde ir, afinal, abandonaram as casas que alugavam e os empregos precários que possuíam.

Não obstante, ao apreciar o caso em segunda instância, o eminente relator, com cautela e maestria, ponderou ser mais adequado suspender monocraticamente o despejo forçado das mais de 3.000 (três mil) famílias ocupantes, asseverando com brilhantismo em sua decisão que “(...) Não cumpre ao Poder Judiciário, distanciando-se das mazelas dos cidadãos, se entrincheirar sobre a espessa textura da lei, para emanar decisões que possam produzir efeitos sociais danosos, senão desastrosos.”.

Ao compreendermos que o Estado Democrático de Direito por meio da Constituição Federal de 1988 assegurou a efetivação dos direitos fundamentais à liberdade, à segurança, ao bem-estar, à igualdade e à justiça, proporcionou também a criação de uma nova sistemática sobre o direito de propriedade, constitucionalizando e publicizando sua definição, ao abarcar na própria gênese deste conceito a exigência de cumprimento da sua função social.

Entendemos que o Agravo de Instrumento em questão precisa ser apreciado à luz da efetivação dos Direitos Fundamentais e do Direito Agrário. Como bem leciona a mais apurada doutrina sobre o tema e inúmeros precedentes judiciais, nestes casos, além do atento cuidado processual, imperiosa análise e manifestação acerca da efetividade dos art. 5º, XXIII, art. 184, art. 185, art. 186, art. 170, III, todos da Constituição Federal, assim como do art. 1228 do Código Civil, do art. 928 do Código de Processo Civil, do quanto constante na Lei nº 8.629/93 (Lei da Reforma Agrária), bem como na recepcionada Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), que impõem em nosso ordenamento o dever de comprovação do cumprimento da função social da propriedade.

Nós, portanto, signatários desta carta, clamamos a esta Colenda Corte Judiciária para que assuma o importante papel de mediador da resolução pacífica do conflito, que encontra como melhor opção a destinação das áreas do Complexo Santa Mônica para o assentamento das famílias ocupantes, mediante justa indenização do proprietário – no que se refere às áreas que comprovadamente estejam sob seu domínio.

Esse é o caminho encontrado em casos muito similares que se desenrolam concomitante à ocupação Dom Tomás Balduíno, como a grande ocupação da fazenda Giacometti, da empresa Araupel, no estado do Paraná, bem como em outros recentes conflitos registrados na Bahia, Sergipe e Rio Grande do Norte, nos quais o despejo forçado foi relegado em prol da mediação pacífica para solução do conflito.

Mediante as sucessivas demonstrações do Governo Federal em negociar a compra do imóvel, e o interesse e vocação concreta das famílias acampadas, entendemos que a concretização do assentamento é um singular sinal de justiça social, atenção com a alimentação saudável da população urbana e rural, e, um grande incentivo ao desenvolvimento e dinamismo econômico da região.

Renovando saudações de estima e apreço, desejamos a realização de um julgamento soberano e imparcial, de acordo com os preceitos insculpidos na Constituição Federal, para promover ao seu final uma decisão justa, resguardando, assim, o Estado Democrático de Direito.

Brasil, Janeiro de 2015.



Ações: Conflitos Fundiários

Eixos: Terra, território e justiça espacial