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Oficina discute posição dos movimentos sociais


Embora a participação oficial seja restrita, a ação dos movimentos é tida como única garantia de que esta reunião sirva aos interesses dos povos de todo o planeta.A Terra de Direitos - Organização Civil Pelos Direitos Humanos - promoveu nos dias 7 e 8 de fevereiro uma Oficina Preparatória para as Convenções de Diversidade Biológica, que acontecem em Curitiba no mês de março. A iniciativa reuniu no prédio histórico da Universidade Federal do Paraná representantes de diversos movimentos sociais, ong's, associações de produtores orgânicos, lideranças indígenas, além de representantes do Governo Federal, como o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente. Para Marino Gonçalves, superintendente do Ibama, não faria sentido o Brasil receber delegações internacionais para discutir a biodiversidade e ignorar os movimentos locais. Mas o que acontece, na realidade, é que os movimentos camponeses e ambientais precisam realizar um enorme esforço para construir este diálogo com o governo e marcar suas posições. Do outro lado da barricada estão a CNA (Comissão Nacional de Comércio Exterior da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), representante dos interesses de grandes produtores rurais e do agronegócio, assim como as empresas multinacionais de biotecnologia. Este gigantesco poder econômico tem seu espaço de interlocução dentro de setores importantes do governo, como os Ministérios da Agricultura, Ciência e Tecnologia e o de Minas e Energia, logrando inclusive infiltrar consultores em espaços de negociação do Estado. Em razão desta disputa, as posições do governo brasileiro em pontos críticos da MOP3 e da COP8 ainda não estão claramente definidas. Sérgio Leitão, do Greenpeace e FBOMS (Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), demonstra preocupação com uma característica do Estado brasileiro: a de ser "intransitivo, apesar das transições". Para ele as mudanças formais na democracia brasileira ou na correlação de forças políticas não conseguiram alterar significativamente, em muitos pontos, as políticas de Estado em benefício da população. Na condução da política internacional o Itamaraty estaria ainda mais impermeável a participação popular e avesso aos movimentos sociais, do que os poderes políticos conduzidos por representantes eleitos. Em questões ambientais, Sérgio compara o governo aquele marido que posa de bom pai para a sociedade, mas bate na família dentro de casa: o Brasil utilizaria o discurso de proteção ambiental, nas reuniões internacionais, mas impede esta proteção cedendo aos interesses econômicos. A reunião em Curitiba seria a única chance da sociedade civil impactar as políticas públicas no ano eleitoral de 2006. Marijane Lisboa, da Associação de Agricultores Orgânicos e professora da PUC/SP, tem uma opinião parecida em relação a importância da participação popular neste encontro mundial: só os movimentos garantem que Convenções como esta sirvam aos interesses da população. Ela lembra os exemplos de Seattle em 99, onde as manifestações impediram as reuniões da rodada do milênio; também a última rodada de negociações do Protocolo de Cartagena, em Montreal, quando se realizaram protestos diários embaixo de neve e garantiu-se a inclusão de uma rotulagem mínima de transgênicos, o "pode conter". Estas declarações traduzem a necessidade de um duplo movimento das organizações populares no Brasil: primeiro um esforço interno para pressionar seu próprio governo e também uma integração mundial com outros movimentos, para pressionar todas as delegações. É como lembra Darci Frigo, da Terra de Direitos, citando Noam Chomsky: "O mundo é quase uma só sociedade civil, lutando dentro do mesmo Império". Porém o papel oficial dos movimentos dentro das Convenções é bastante restrito. O espaço de fala para as ong's é mínimo e em muitos grupos de trabalho (GT's) existem impedimentos - por parte de países que não gostam de ser identificados - quanto a participação de observadores. "Eles dizem: 'veja bem, um grupo de países pediu para fazer a reunião fechada, para não criar constrangimento', ou seja, elegemos governos que não querem ser vistos", provoca Marijane. Mesmo entre os representantes oficiais dos governos nacionais existe uma grande diferença no poder de participar das discussões. Países ricos enviam grandes delegações, com especialistas em diversas áreas, que podem acompanhar as inúmeras discussões que acontecem simultaneamente. Já os países em desenvolvimento têm delegações menores e terminam elegendo apenas os temas de maior interesse. Outra restrição acontece pela barreira da linguagem. Apesar de serem seis as línguas oficiais da Convenção (inglês, espanhol, francês, russo, chinês e árabe), as traduções só acontecem no final, sobre os documentos prontos. As discussões nos GT's acontecem em inglês. MAS O QUE SERÁ DISCUTIDO EM CURITIBA? Um dos pontos fundamentais é a proteção dos conhecimentos tradicionais. "Esta é uma questão de vida e morte para amplos espaços da população mundial", defende Carlos Frederico Marés, da PUC/PR. Foi também um dos quatro eixos discutidos nos trabalhos em grupos da Oficina Preparatória: a repartição dos benefícios sobre patrimônio genéticos e conhecimentos tradicionais. Trata-se de um tema bastante delicado, que envolve particularidades de cada comunidade e uma tremenda contradição entre liberdade de conhecimento e propriedade privada. O conhecimento de uma comunidade não pode ser reduzido ao princípio ativo de determinada planta ou seu código genético. Ele abrange uma série de outros fatores culturais, históricos, religiosos, de formação das relações sociais, autoconhecimento e estima. Cada comunidade tem sua própria forma de se relacionar com a cultura e seus próprios interesses na repartição / compartilhamento deste conhecimento. Além do mais, o conhecimento e a natureza desconhecem fronteiras, o que em si traz a impossibilidade de determinar exatamente quem é dono/a do conhecimento e quem tem direito a repartição de benefícios. Comunidades que cultivam a mesma planta, por exemplo, podem entrar em uma verdadeira guerra comercial sobre quem vende mais barato seu conhecimento. Esta capacidade de divisão e de mercantilização da vida é um dos principais problemas do tema, enquanto na contramão da proteção está a biopirataria e a absorção privada de saberes e cultivos milenares. Como bem frisou um produtor da rede Ecovida, "a patente de tudo transforma tudo em mercadoria". Outro ponto fundamental é o artigo 18, inciso 2, sub item A, do Protocolo de Cartagena, que diz respeito a rotulagem dos organismos vivos geneticamente modificados (OGM), os transgênicos. É ponto de consenso dentro dos movimentos, mas de intensa disputa contra os interesses das empresas de biotecnologia. Estas empresas têm realizado grande esforço dentro dos países para tornar viável a produção e comercialização de transgênicos e devem continuar a ofensiva dentro das Convenções para a legitimação nos Tratados Internacionais. A rotulagem é um meio de proteção para os ambientalistas, a agricultura familiar e orgânica, e para os/as consumidores/as, uma vez que em muitos países a comercialização e o plantio de OGM já está parcialmente liberado. É necessário haver uma rotulagem não apenas para garantir o direito de escolha a/o consumidor/a - e o princípio do consentimento informado prévio dos países importadores - como também para responsabilizar os fabricantes em caso de danos a saúde e/ou meio-ambiente. Mas a rotulagem, embora de fundamental importância, é uma estratégia defensiva, de proteção. Para a CDB este ano está sendo organizada uma campanha mundial chamada "Ban Terminator", em referência a tecnologia de implementação na semente de um gen chamado "terminator" (em português, "exterminador"), cuja patente possuem as empresas Syngenta, DuPont, BASF, Monsanto e Delta & Pine. Estas sementes só geram plantas que produzem grãos estéreis, que não germinam. Agricultores e agricultoras são então obrigados a comprar sementes em todas as épocas de plantio, sempre pagando os royalties para as empresas. Este tipo de tecnologia altera um dos preceitos fundamentais da agricultura em todos os cantos do planeta: a de que produtores/as devem exercer seu conhecimento do próprio clima, terra, etc, para melhorar as sementes, estocando e compartilhando. Para Darci Frigo, "não podemos aceitar a pauta da Monsanto, que quer passar o Terminator. Para os agricultores é fundamental debater sementes crioulas, não a liberação de transgênicos". Uma das propostas do evento foi o incentivo federal a criação de bancos de semente crioula. No Brasil a campanha dos movimentos camponeses e ambientais é muito mais ampla do que a proposta de banir apenas a tecnologia Terminator, com o mote de um "Brasil Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos". Outra importante forma de resistência a invasão dos organismos modificados é a criação de Áreas Livres de Transgênicos. Marijane cita o exemplo da legislação européia, em especial a da Alemanha, que gera uma série de restrições ao plantio e comercialização destes produtos, dando ampla proteção as produções convencionais e incentivando desta forma a criação das Áreas Livres. Ainda que recentemente a Organização Mundial do Comércio (OMC) tenha acatado o painel de arbitragem do Estados Unidos, que declara ilegal a moratória européia contra os transgênicos, uma legislação pode proteger a população e restringir o uso de transgênicos. As leis brasileiras, no entanto, tem contrariando o bem-estar e a proteção de seu povo. No Paraná, o governador Roberto Requião travou batalha judicial para declarar o estado Área Livre de Transgênicos. Em mais um exemplo da disputa citada no início do texto e da "intransição" deste Governo Federal em pontos importantes, a batalha foi perdida pelos paranaenses. Felizmente, segue o Porto Público de Paranaguá aberto apenas para variedades convencionais. Para Sérgio Leitão, a demarcação de terras indígenas em larga escala, por todo o território nacional, contribuiriam para a preservação da biodiversidade. Estas seriam nossas Áreas Livres, uma vez que a lei nacional proíbe a plantação de transgênicos em terras indígenas. Mas a agricultura tradicional também precisa ser preservada e protegida, para não correr o risco de contaminação por vizinhas produções transgênicas (por meio da polinização) ou mesmo do plantio não voluntário de transgênicos que a falta de rotulagem certamente acarreta. Estas e outras questões serão debatidas de 13 a 31 de março em Curitiba. Diversas organizações em todo o mundo estão organizando sua agenda, discutindo e pressionando seus governos. Mas também é de fundamental importância que a população em geral se informe, discuta e expresse suas opiniões. Autor/Fonte: Terra de Direitos




Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar