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Organizações da América Latina alertam para riscos e criminalização dos defensores dos direitos humanos


Paralela à 48º sessão de Conselho de Direitos Humanos da ONU, agenda destacou contextos e casos de defensores que resistem aos impactos da indústria extrativista.

De acordo com dados de 2020, em 11 anos o garimpo despejou no Rio Tapajós (PA) a mesma quantidade de rejeitos do desastre de Mariana. Foto: Daniel Marrenco/Mídia Ninja

 

Nesta quarta-feira (29), no âmbito da 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, foi realizada uma primeira reunião virtual sobre "Criminalização dos defensores dos direitos humanos no contexto das indústrias extrativas". A reunião contou com a participação de várias organizações da América Latina, especificamente do México, Honduras, Venezuela, Brasil, Equador, Bolívia, Costa Rica, Guatemala e Peru, e dos relatores sobre a situação dos defensores dos direitos humanos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e das Nações Unidas, representados por Joel Hernández e Mary Lawlor, respectivamente. 

No início do evento, Andrea Bolaños, defensora dos direitos humanos e membro da ECODH, destacou a importância deste primeiro encontro virtual de organizações latino-americanas, durante o contexto da pandemia, para discutir os desafios e dificuldades enfrentados pelos defensores dos direitos humanos na região, em particular os atos de criminalização no contexto das políticas de despossessão e indústrias extrativas. Em particular, destacou o importante trabalho de articulação das organizações convocadoras, que durante o processo de organização do evento, conseguiram reunir suas experiências e a diversidade de vozes na região, para tornar visíveis as agressões e atos de criminalização que os defensores enfrentam em seus processos de luta e busca de justiça, ao mesmo tempo em que compartilham estratégias para fortalecer seu trabalho.

No primeiro painel sobre o contexto dos defensores dos direitos humanos na América Latina, Elida Lauris, da organização Terra de Direitos, destacou as ameaças legislativas impulsionadas pelas indústrias extrativas no contexto do Brasil, em conluio entre vários atores públicos e privados, que procuram despojar os povos e comunidades indígenas de seus territórios, que são considerados estratégicos. Também mencionou o desmantelamento das instituições de direitos humanos, como no caso do Ministério Público Ambiental do país, e expressou sua preocupação com o aprofundamento da militarização sob o atual governo, além de narrativas e regulamentos que limitam o direito de protesto e mobilização social. 

Por sua vez, Mara Bocaletti, da Plataforma Internacional Contra La Impunidad, destacou a importância de implementar critérios judiciais em cada um dos países, dada a apresentação de processos infundados, devido ao enfraquecimento do sistema de justiça e o efeito pretendido de inibir o trabalho da defesa. Ela também destacou que é necessário fortalecer as políticas de divulgação de informações e participação efetiva, bem como ter uma política de tolerância zero para agressões e narrativas contrárias ao direito de defesa dos direitos humanos. 

Agenda reuniu organizações sociais do México, Honduras, Venezuela, Brasil, Equador, Bolívia, Costa Rica, Guatemala e Peru

Sofía Jarrin, da Amazon Watch, destacou que, de acordo com dados do Centro de Informação Empresarial e de Direitos Humanos, em 2020 houve 604 agressões contra defensores que trabalhavam em questões de direitos humanos relacionadas a negócios, nas quais aproximadamente metade ocorreu na América Latina. Ela também mencionou que a Alianza de organizaciones por los Derechos Humanos do Equador documentou 22 casos emblemáticos no país, dos quais 18 estão relacionados às indústrias extrativas e ao setor energético, sendo as comunidades indígenas e afrodescendentes as principais afetadas. Ela pediu aos Estados que investiguem e punam diligentemente os atores empresariais que cometem violações dos direitos humanos, e às empresas que implementem a devida diligência, responsabilidade e respeito pelo trabalho dos defensores dos direitos humanos. 

Joel Hernández, relator sobre a situação dos defensores dos direitos humanos e operadores de justiça da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), concluiu o primeiro painel destacando o direito de defender os direitos humanos e o dever dos Estados de garantir que os defensores dos direitos humanos possam realizar seu trabalho. Ele também mencionou a importância de gerar políticas públicas a partir de uma abordagem de direitos humanos que respeite as comunidades através de consentimento livre, prévio e informado, e respeito por seus territórios de acordo com as obrigações internacionais estabelecidas. Ele enfatizou que os Estados têm uma obrigação reforçada e um papel no monitoramento das atividades comerciais que limitam e violam os direitos humanos. 

Durante o segundo painel sobre situações específicas de criminalização, Yéssica Trinidad da Red Nacional de Mujeres Defensoras de los Derechos Humanos em Honduras ressaltou que a criminalização persiste no país e tem piorado sob o atual governo, que tem limitado os espaços democráticos e tem usado o direito penal para perseguir e assediar líderes. Isto também se caracteriza pelo avanço das indústrias extrativas, que violam os direitos humanos das comunidades que defendem seus territórios, especialmente as comunidades Garifuna. Ela também mencionou que estas ações foram acompanhadas por uma narrativa estigmatizante contra os defensores dos direitos humanos, que no caso das mulheres defensoras é agravada por discursos misóginos e sexistas derivados da cultura patriarcal. 

Luis Xavier Solís, da Alianza de Derechos Humanos do Equador, assinalou que a entidade documentou pelo menos 449 casos de mulheres defensoras dos direitos humanos criminalizadas nos últimos 10 anos no país. Somente desde julho deste ano, dois novos casos criminais foram registrados, nos quais 11 pessoas foram criminalizadas, seis das quais são indígenas. Ele apontou que os principais agressores são empresas, privadas ou públicas, que atuam em coordenação com operadores de justiça e funcionários públicos locais, sem qualquer garantia de processo justo.

Carlo Carvajal, da Comissão Mexicana de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos, disse que um dos maiores riscos enfrentados pelos defensores dos direitos humanos, que impede e dificulta o exercício de seu direito de defesa dos direitos humanos, é a militarização e o uso da força pública para reprimir o direito à liberdade de expressão e de manifestação pacífica. Ele mencionou que no caso do México, a criação da Guarda Nacional e a Lei Nacional sobre o Uso da Força violam os direitos humanos ao militarizar a segurança pública, bem como por sua linguagem vaga e ambígua que habilita a Guarda Nacional a usar a força sem critérios claros, em detrimento dos direitos humanos. 

A juíza Erika Aifán, da Asociación Guatemalteca de Jueces por la Integridad, abordou o padrão de criminalização contra operadores de justiça em retaliação por suas funções de proteção dos direitos humanos e combate à corrupção e à impunidade. Ela enfatizou que as ameaças, assédio, campanhas de difamação e processos de criminalização que enfrentam colocam em risco a vida e a integridade dos juízes encarregados de casos de alto impacto, mas também prejudicam a independência judicial. Em particular, cerca de 150 reclamações criminais e administrativas infundadas foram apresentadas contra ela até o momento.

Mary Lawlor, relatora das Nações Unidas sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, concluiu o 2º painel destacando o impacto da violência e da criminalização enfrentada por diversas comunidades que defendem seu território, particularmente contra as mulheres defensoras. Ela deu ênfase especial aos efeitos dos longos e extenuantes processos criminais aos quais os defensores são submetidos, que têm um impacto psicossocial e econômico sobre a pessoa e sua família, e afetam o tecido social da comunidade que defende seus direitos. 

Ronnie Boquier, da COFAVIC, falou em nome do público, que mencionou que na Venezuela, como em outros países da região, nos últimos meses, a perseguição aos defensores dos direitos humanos se intensificou. Ele mencionou que em 2020 eles documentaram pelo menos 216 casos de violações cometidas contra defensores e organizações, um aumento de 155% em comparação com 2019. Ela disse que de janeiro a julho de 2021, 150 casos de ameaças foram registrados, o que mostra a continuidade e o aumento dos ataques. 

Para concluir o evento, Melisanda Trenti, da Justiça Global, e Mario Hurtado, do Espacio OSC para la Protección de Personas Defensoras y Periodistas, destacaram a importância dos Estados promoverem políticas públicas que garantam o direito à defesa dos direitos humanos a partir de uma abordagem integral que respeite as comunidades, os povos e seus territórios, bem como a necessidade de continuar promovendo ações coordenadas entre as organizações latino-americanas para enfrentar a violência e medidas contrárias à defesa dos direitos humanos. 
 

Organizações realizadoras: Alianza por los derechos humanos (Ecuador), Amazon Watch (Ecuador), Centro por la Justicia y el Derecho Internacional (CEJIL), Centro Mexicano de Derecho Ambiental (México), Centro de Derechos Humanos “Fray Francisco de Vitoria O.P”, (México), COFAVIC (Venezuela), Comisión Mexicana de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos (México), CooperAcción (Perú), Fundación para el Debido Proceso, Gente Positiva Cr (Costa Rica), Espacio de Organizaciones de la Sociedad Civil para la Protección de Personas Defensoras y Periodistas en México - Espacio OSC, (México), ECO- DH, Espacio de confluencia de personas defensoras de derechos humanos, Fundación Construir (Bolivia), Iniciativa Mesoamericana de Mujeres Defensoras de Derechos Humanos, INREDH (Ecuador), Servicio Jesuita a Refugiados (México), Justiça Global (Brasil), Plataforma Internacional Contra la Impunidad (Honduras y Guatemala), Protección Internacional Mesoamérica, Proyecto sobre Organización, Desarrollo, Educación e Investigación - PODER (México/Latinoamérica), Red Muqui, Red Nacional de Organismos Civiles de Derechos Humanos “Todos los Derechos para Todas y Todos” - Red TDT, (México), Red de la No Violencia contra las Mujeres-REDNOVI (Guatemala), Terra de Direitos (Brasil).



Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos