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Programa Nacional de Direitos Humanos: Efetivar Direitos e Combater as Desigualdades


Leia o artigo publicado na revista da SEDH, sobre os desafios do Programa Nacional de Direitos Humanos.

A autoria é de Alexandre Ciconello (INESC), Darci Frigo (Terra de Direitos) e Luciana Pivato (Terra de Direitos).

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Programa Nacional de Direitos Humanos: Efetivar Direitos e Combater as Desigualdades

1. Introdução

O Brasil realizou, ao longo de 2008, um grande debate nacional sobre quais deveriam ser as prioridades que o Estado brasileiro deve assumir ao longo dos próximos anos a fim de garantir uma vida digna a todos/as os/as brasileiros/as. Esse debate ocorreu em razão da realização da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que foi um momento onde representantes do poder público e das organizações da sociedade civil e movimentos sociais avaliaram a situação dos direitos humanos no país e estabeleceram diretrizes e metas para o novo Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH.

O objetivo do presente artigo é abrir o debate sobre o processo e o resultado da mobilização que culminou com o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, no que diz respeito a sua importância, avanços, formato e ao seu sistema de monitoramento. Entre os desafios a serem enfrentados está o de como garantir que o PNDH seja efetivo e provoque mudanças reais na vida das pessoas ao longo dos próximos anos. Em face das graves violações de direitos humanos evidenciadas durante o processo de mobilização da Conferência, o PNDH não pode ser apenas uma declaração de intenções, mas deve ser, acima de tudo, um documento político e gerencial que tenha articulação com os instrumentos de planejamento do Estado brasileiro, em especial, com o orçamento público, mas, que sirva também de instrumento que possa referenciar a sociedade civil no processo de monitoramento e exigibilidade dos direitos humanos no Brasil.

O processo de construção do PNDH evidenciou a ausência de importantes poderes da república, conflitos entre gestores públicos, descaso de autoridades nos estados e também as graves, históricas e estruturais violações de direitos humanos na sociedade brasileira. Por outro lado, evidenciou também a emergência de diversos sujeitos políticos e movimentos sociais que dão cara e conteúdos novos aos direitos humanos. São na verdade os verdadeiros destinatários deste processo, que com suas lutas e anseios, re-significam os pactos políticos internacionais e nacionais que reconhecem os direitos humanos, entre eles, o PNDH.

2. Programa Nacional de Direitos Humanos: Contexto político e histórico

2.1 PNDH I: ênfase nos direitos civis e políticos

É importante mencionar que o primeiro PNDH, publicado pelo Decreto presidencial nº1904 em 1996, foi o objeto de debate da 1ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. Isso ocorreu três anos depois da Conferência de Viena de 1993, que recomenda em seu plano de ação, que os países deveriam elaborar Programas Nacionais de Direitos Humanos por meio dos quais os Estados avançariam na promoção e proteção dos direitos.

Explicitamente, o primeiro PNDH atribuiu uma maior ênfase na promoção e defesa dos direitos civis, ou seja, com 228 propostas de ações governamentais prioritariamente voltadas para a integridade física, liberdade e o espaço de cidadania de populações vulneráveis e/ou com histórico de discriminação.

Não havia no PNDH I mecanismos de incorporação das propostas de ação previstas no programa nos instrumentos de planejamento e orçamento do Estado brasileiro. Além disso, a maioria das propostas se colocava de maneira pouco afirmativa, genéricas, no sentido de apoiar, estimular, incentivar.

2.2. PNDH II: a emergência dos direitos econômicos, sociais e culturais

Devido a essas e outras críticas com relação ao formato do PNDH I, foi iniciado em 2001 um processo de debates e construção do PNDH II, por meio de seminários regionais, que foi concluído com a publicação do Decreto presidencial 4229 de 2002. O PNDH II incluiu os direitos sociais, econômicos e culturais, “de forma consentânea com a noção de indivisibildiade e interdependência de todos os direitos humanos expressa na Declaração e no Programa de Ação da Conferência de Viena” .

Uma importante novidade foi a diretriz de criação de novas formas de acompanhamento e monitoramento das ações contempladas no PNDH, por meio da relação entre a implementação do programa e a elaboração dos orçamentos nos níveis federal, estadual e municipal. Assim, o PNDH II deveria influenciar a discussão no transcurso de 2003, do Plano Plurianual 2004-2007, servindo de parâmetro e orientação para a definição dos programas sociais a serem desenvolvidos no país até 2007, ano em que se procederia a nova revisão do PNDH.

Essa intencionalidade foi um grande avanço do PNDH II, ou seja, a preocupação de que as propostas constantes no Programa tivessem concretude com a formulação de políticas públicas e destinação de recursos para sua execução. Nesse sentido, foi formulado pelo governo federal à época, um Plano de Ação para 2002, por meio da vinculação entre parte das 518 propostas do PNDH e os programas e ações governamentais, incluindo a previsão dos recursos previstos na lei orçamentária anual (LOA 2002) e as metas físicas a serem atingida naquele ano.

Cabe dizer, contudo, que o PNDH II foi publicado no último ano do governo FHC, não tendo tido muita influência na formulação das políticas públicas vigentes à época. Embora o PNDH II tenha sido pensado como uma política de Estado e não de um governo, houve dificuldades de prosseguir com o seu monitoramento e de considerá-lo como um instrumento relevante na formulação das políticas públicas no país a partir do governo Lula. Isso tanto por parte do governo, como das organizações da sociedade civil. Ocorre que essa tentativa de criar uma política pública estrutural e articulada sobre os direitos humanos sofreu diversos problemas, tais como cortes em seus programas e falta de atualização face aos novos desafios enfrentados pela sociedade brasileira.

Os gestores públicos de 2003 até a presente data pouco utilizaram o PNDH como um instrumento efetivo para a definição de políticas públicas. Também não houve continuidade na elaboração de planos de ação anuais. A própria sociedade civil não lutou para a sua implementação ou o estabelecimento de um sistema de monitoramento.

Uma pesquisa realizada pelo INESC, revelou, por exemplo, que “com aprovação do Plano Plurianual – PPA 2004/2007, ocorreu uma nova revisão do PNDH, sem que fosse realizada qualquer consulta aos diversos atores envolvidos. O resultado foi a supressão de 30 programas voltados a proteção dos direitos humanos. No PPA 2000/2003, havia 87 programas, número que foi reduzido para 57 no PPA 2004/2007. A maioria dos programas que estão em descontinuidade é ligada aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – DESC’s”

Durante o ano de 2008, a SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos elaborou, como subsídio para a 11ª Conferência Nacional de DHs, uma atualização do PNDH II, no sentido de sistematizar o que foi feito desde 2002 em termos de ações governamentais. Muitos dos gestores de diversos ministérios sequer conheciam o PNDH.

3. Alguns avanços do PNDH III

O processo de organização da 11ª. CNDH demandou um grande esforço de articulação da sociedade civil e movimentos sociais no sentido de construir um amplo acordo político para não repetir experiências negativas anteriores, nem gastar energia com um amplo processo de mobilização sem que se chegasse a lugar algum. A proposta de retomar o Programa de Direitos Humanos exigia abrir um debate com o governo sobre quais seriam suas bases, como seria conduzido o processo de mobilização e que garantias seriam apresentadas sobre o processo de sua implementação.

Inicialmente, cabe ressaltar, que diferentemente dos demais programas, o processo de construção do PNDH III contou com a participação de diversos sujeitos através da realização da 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos. Foram realizados debates em todos os 27 estados da federação, com mais de 14 mil participantes. A etapa nacional, realizada em dezembro de 2008, reuniu 2 mil pessoas, tendo produzido como deliberações: 36 Diretrizes, 702 Resoluções e 100 Moções. É verdade que o processo das Conferências sofreu diversos problemas, especialmente nas etapas estaduais. Em diversos estados, a sociedade civil apontou dificuldades metodológicas, ausência de orçamento adequado, a pouca participação dos movimentos sociais e defensores de direitos humanos oriundos das regiões distantes das capitais, que deram à etapa estadual um caráter metropolitano. Apesar desses entraves, é inegável que a construção do terceiro PNDH, a partir da 11ª Conferência Nacional, contribuiu muito para o avanço do programa, principalmente porque permitiu a incorporação de uma série de desafios do cenário atual dos direitos humanos no Brasil.

Desde o início, o principal desafio político e metodológico da construção do PNDH foi o de construir um programa que considerasse a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos em todas as suas dimensões: direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, sexuais, reprodutivos e ambientais. Para tanto, o debate se deu a partir de eixos temáticos estruturantes, trazendo os principais desafios para a efetivação dos direitos em nosso país, destacando as dimensões da desigualdade, violência, modelo de desenvolvimento, cultura e educação em direitos humanos, democracia, monitoramento e direito à memória e justiça.

Cabe ressaltar duas dimensões que foram consideradas estruturantes na construção do PNDH III: a universalização dos direitos em um contexto de desigualdades e o impacto de um modelo de desenvolvimento insustentável e concentrador de renda na promoção dos direitos humanos.

Muito se avançou após a Constituição Federal de 1988 na construção de um arcabouço legal de afirmação e garantia de direitos. Essas declarações e reconhecimentos formais de direitos são conquistas importantes, muitas delas decorrentes das lutas populares. Contudo, ainda há no Brasil um fosso imenso entre a previsão normativa e a ação executiva de implementação de políticas públicas que efetivem os direitos humanos em geral e os DESCA em particular. De fato, pouco se avançou na efetivação de direitos dentro de um contexto de grandes desigualdades.

No caso da sociedade brasileira, essa dimensão é essencial. Não há como se falar em direitos sem considerar o ambiente de desigualdades estruturais, que permite que certos sujeitos de direitos (em razão de fatores como cor, sexo, faixa etária, situação regional, orientação sexual, etnia, classe social etc) tenham maiores dificuldades de acessar direitos ou tenham seus direitos negados e violados.

Combater a pobreza no Brasil ou as desigualdades de renda passa necessariamente pelo entendimento de que aqui ambas têm relação com as variantes de cor e sexo. As mulheres negras são as mais pobres e têm menor grau de escolaridade, enquanto os homens jovens e negros são os que mais sofrem com a violência, por exemplo. As inaceitáveis distâncias que ainda separam negros de brancos, em pleno século XXI, se expressam no microcosmo das relações interpessoais diárias e se refletem nos acessos desiguais a bens e serviços, ao mercado de trabalho, à educação – que persistem apesar das melhorias nos indicadores tomados para o conjunto da população –, bem como ao gozo de direitos civis, políticos, sociais e econômicos.

Enfrentar as desigualdades sociais passa ainda pela necessidade de compreender que a opção pelo atual modelo de “desenvolvimento” hegemônico - que é insustentável ambientalmente e concentrador de renda - transformou a terra, urbana e rural, e os territórios tradicionais em mercadorias. Desse modo, para privilegiar grupos de empresas nacionais e transnacionais, a todo tempo os direitos a terra e ao território de povos indígenas, comunidades tradicionais, trabalhadores rurais e populações urbanas são negados. Nesse sentido, o PNDH III avançou ao estabelecer diretrizes e ações destinadas à proteção da terra e dos territórios tradicionais.

Uma outra inovação do processo de construção do PNDH é a tentativa de incorporação dos impactos do modelo de desenvolvimento em curso no país sobre os direitos humanos. O direito ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável foram, portanto, incorporados pelo programa, não só como elementos necessários a conformação da conjuntura, mas como direitos humanos. O desafio é criar mecanismos efetivos para garantir o controle social, responsabilização e reparação das violações causadas pelas atividades das empresas transnacionais e grandes obras de infra-estrutura, pois a impunidade das ações violadoras desses grupos perpetua o cenário de desigualdades sociais, além de beneficiar o grande capital.

O PNDH III também incorporou diretrizes dirigidas à promoção, defesa e proteção da ação dos defensores de direitos humanos. Os instrumentos anteriores sequer mencionavam a temática dos defensores, cujo papel é essencial à construção de uma cultura de direitos no país e à consolidação da democracia. Nesse sentido, é um avanço que o programa tenha absorvido desafios como a proteção aos defensores de direitos humanos que têm suas vidas ameaçadas em razão de suas atividades, bem como o enfrentamento à criminalização dos movimentos sociais, povos e comunidades tradicionais.

Destacamos abaixo, como exemplos, algumas ações programáticas significativas estabelecidas no PNDH:

Eixo Orientador I: Interação democrática entre Estado e sociedade civil

Apoiar, junto ao Poder Legislativo, a instituição do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, garantindo recursos humanos, materiais e orçamentários para o seu pleno funcionamento, e efetuar seu credenciamento junto ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como “Instituição Nacional Brasileira”, como primeiro passo rumo à adoção plena dos “Princípios de Paris”.

Incorporar as diretrizes e objetivos estratégicos do PNDH-3 nos instrumentos de planejamento do Estado, em especial no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Construir e manter um Sistema Nacional de Indicadores em Direitos Humanos, de forma articulada com órgãos públicos e sociedade civil.

Eixo Orientador II: Desenvolvimento e Direitos Humanos

Fomentar o debate sobre a expansão de plantios de monoculturas, tais como eucalipto, cana-de-açúcar, soja, e sobre o manejo florestal, a grande pecuária, mineração, turismo e pesca, que geram impacto no meio ambiente e na cultura dos povos e comunidades tradicionais.

Garantir que os grandes empreendimentos e os projetos de infraestrutura resguardem os direitos dos povos indígenas e comunidades quilombolas e tradicionais, conforme previsto na Constituição Federal e nos tratados e convenções internacionais.

Fomentar políticas públicas de apoio aos estados e municípios em ações sustentáveis de urbanização e regularização fundiária dos assentamentos de população de baixa renda, comunidades pesqueiras e de provisão habitacional de interesse social, materializando a função social da propriedade.

Reforçar o papel do Plano Plurianual (PPA) como instrumento de consolidação dos Direitos Humanos, enfrentando a concentração de renda e riqueza e promovendo a inclusão da população de baixa renda

Eixo Orientador III - Universalizar direitos em um contexto de desigualdades

Fortalecer a agricultura familiar e camponesa no desenvolvimento de ações específicas que promovam a geração de renda no campo e o aumento da produção de alimentos agroecológicos para o autoconsumo e para o mercado local.

Fortalecer a reforma agrária, dando prioridade à implementação e recuperação de assentamentos, à regularização do crédito fundiário e à assistência técnica aos assentados, com:

• Atualização dos índices Grau de Utilização da Terra (GUT) e Grau de Eficiência na Exploração (GEE), conforme padrões atuais;

• Regulamentação da desapropriação de áreas pelo descumprimento da função social plena.

Garantir demarcação, homologação, regularização e desintrusão das terras indígenas, em harmonia com os projetos de futuro de cada povo indígena, assegurando seu etnodesenvolvimento e sua autonomia produtiva.

Assegurar às comunidades quilombolas a posse dos seus territórios, acelerando a identificação, o reconhecimento, a demarcação e a titulação desses territórios, respeitando e preservando os sítios de alto valor simbólico e histórico.

Apoiar a alteração do texto constitucional para prever a expropriação dos imóveis, rurais e urbanos, onde forem encontrados trabalhadores reduzidos à condição análoga a de escravos.

Erradicar os hospitais psiquiátricos e manicômios e fomentar programas de tratamentos substitutivos à internação, que garantam às pessoas com transtorno mental a possibilidade de escolha autônoma de tratamento, com convivência familiar e acesso aos recursos psiquiátricos e farmacológicos.

Fiscalizar a implementação do Programa Nacional de Ações Afirmativas (Decreto no 4228/2002) no âmbito da administração pública federal, direta e indireta, com vistas à realização de metas percentuais da ocupação de cargos comissionados pelas mulheres, populações negras e pessoas com deficiências.

Garantir a igualdade de direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos com os dos demais trabalhadores.

Desenvolver campanhas de informação sobre o adolescente em conflito com a lei, defendendo a não redução da maioridade penal, em observância à cláusula pétrea da Constituição.

Elaborar programas de combate ao racismo institucional e estrutural, implementando normas administrativas e legislação nacional e internacional.

Trabalhar pela aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos.

Apoiar projeto de lei que dispõe sobre a união civil entre pessoas do mesmo sexo, assegurando os reflexos jurídicos deste ato.

Instituir mecanismos que assegurem o livre exercício das diversas práticas religiosas, assegurando-lhes espaço físico e coibindo manifestações de intolerância religiosa.

Eixo Orientador IV: Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência

Ampliar recursos orçamentários para a realização das ações dos programas de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, defensores de Direitos Humanos e crianças e adolescentes ameaçados de morte.

Implementar o Observatório da Justiça Brasileira, em parceria com a sociedade civil.

Assegurar a criação de um marco jurídico brasileiro na prevenção e mediação de conflitos fundiários urbanos, garantindo o devido processo legal e a função social da propriedade.

Reorganizar as Polícias Militares, desvinculando-as do Exército, extinguindo as Justiças Militares estaduais, disciplinando sua estrutura, treinamento, controle e emprego de modo a orientar suas atividades à proteção da sociedade

Criar uma base de dados unificada que permita o fluxo de informações entre os diversos componentes do sistema de segurança pública e a Justiça criminal.

Fortalecer ações estratégicas de prevenção à violência contra jovens negros.

Fortalecer ações de combate às execuções extrajudiciais realizadas por agentes do Estado, assegurando a investigação dessas violações.

Implementar mecanismos de monitoramento dos serviços de atendimento ao aborto legalmente autorizado, garantindo seu cumprimento e facilidade de acesso.

Eixo Orientador VI: Direito à Memória e à Verdade

Criar Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação, autônoma, composta de forma plural e suprapartidária, incluindo familiares de mortos e desaparecidos políticos, com mandato e prazo definidos para examinar casos de graves violações de Direitos Humanos no período 1964-1985,

Identificar e sinalizar locais públicos que serviram à repressão e à ditadura militar, bem como locais onde foram ocultados corpos e restos mortais de perseguidos políticos.

Desenvolver programas e ações educativas, inclusive a produção de material didático-pedagógico para ser utilizado pelos sistemas de educação básica e superior sobre o período da ditadura militar e sobre a resistência popular à repressão.

Revogação de leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos ou tenham dado sustentação a graves violações, incluindo a Lei de Segurança Nacional

4. Outros desafios

O principal desafio para a implementação do PNDH é transformá-lo em uma política de Estado, não de um governo, ou mesmo da Secretaria Especial de Direitos Humanos. Isso significa que ele deve ser um instrumento de referência para a formulação de programas e ações tanto para o poder executivo, mas também para o poder legislativo e judiciário. Uma das principais dificuldades de todo o processo foi o de envolver representantes do Poder Judiciário na discussão e também no compromisso de implementação do Programa. É notório que dentro do próprio governo federal há contradições que emergiram neste processo, como a recusa do Ministério da Defesa em subscrever o PNDH, retardando ainda mais seu lançamento público, por opor-se à criação da Comissão de Memória e Justiça, aprovada durante a Conferência e subscrita pela SEDH e a quase totalidade dos Ministérios.

Para que o Programa tenha efetividade é necessário que as diretrizes que compõe o Programa Nacional de Direitos Humanos tenham reflexos nos instrumentos de planejamento do Estado Brasileiro (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual).

Embora o Estado brasileiro tenha se comprometido, com a ratificação do Pacto Internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais – PIDESC, em 1992, a destinar o máximo de recursos disponíveis, visando assegurar progressivamente os direitos elencados no Pacto, não é isso que ocorre. O orçamento da União não se destina prioritariamente para garantir os direitos da população, mas sim para a manutenção de privilégios (como o pagamento de juros da dívida do governo), para investimentos (diminuindo o custo para a reprodução do capital) e em muitos casos, para políticas sociais compensatórias, que não garantem a emancipação de seus sujeitos de direitos.

Por mais genéricas que possam ser as diretrizes e metas estabelecidas, todas elas devem se materializar em ações concretas, monitoráveis e com recursos suficientes para a sua realização.

Isto é, devem ser elaborados planos anuais, como um instrumento sintético, monitorável composto de diretrizes e metas de direitos humanos a serem efetivadas e cumpridas pelo Estado brasileiro em toda sua extensão (União, estados, municípios, executivo, legislativo, judiciário, Ministério Público e Defensoria). Um Plano de Metas para a realização progressiva dos Direitos Humanos.

Cabe dizer que em outubro último, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma proposta brasileira que estabelece metas voluntárias em direitos humanos a serem assumidas pelos países. O Brasil, como proponente dessa iniciativa, deveria dar o exemplo e estabelecer um amplo conjunto de metas nacionais em matéria de DHs, por meio do PNDH.

Monitoramento - Sistema Nacional de Indicadores de Direitos Humanos

Um dos principais instrumentos de monitoramento do PNDH deve ser a criação e a manutenção de um Sistema Nacional de Indicadores de Direitos Humanos. Quando falamos em progressiva realização dos direitos humanos, significa que precisamos desenvolver indicadores que demonstrem o nível de acesso da população aos diversos direitos (educação, saúde, moradia, segurança, trabalho, etc) em um dado momento e quais as metas que devemos traçar para 5, 10, 15 anos, de ampliação desses direitos. Poderemos, assim, responder a várias perguntas: as políticas públicas existentes estão conseguindo efetivar os direitos previstos no PNDH? Os recursos são suficientes? Que novas políticas devem ser criadas ou que modificações devem sofrer as políticas existentes?

A definição de indicadores em direitos humanos é um debate eminentemente político e não apenas técnico. Por essa razão a sociedade civil deve ter participação no debate sobre a construção e manutenção do sistema de indicadores de direitos humanos. Sugere-se que o sistema de indicadores deveria ser o mais desagregado possível e o Estado brasileiro deve garantir sua continuidade. A observância das desigualdades de raça, gênero e etnia e da forma como homens e mulheres; negros/as e brancos/as tem acesso aos direitos devem ser componentes centrais do sistema, assim como, a formulação de indicadores de riqueza e concentração de renda e de indicadores de aferição de violação de direitos.

Controle social

Outro grande desafio é com relação ao monitoramento do PNDH. Ele deve ser participativo e envolver não apenas o executivo federal, mas também o legislativo e o judiciário. Atualmente, temos pouquíssimos instrumentos de monitoramento sobre as ações do Poder Judiciário, essenciais para a efetivação de direitos no país.

Acreditamos também que o futuro Conselho Nacional de Direitos Humanos seja o lócus privilegiado de monitoramento do PNDH. Cabe dizer que o PL 4715/1994 que transforma do CDDPH em Conselho de Direitos Humanos está pronto para ser votado no plenário da Câmara e isso só não ocorre pela intransigência do Deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), para que o Conselho não deve ter participação da sociedade civil. Em todas as ocasiões, em Comissões e em Plenário, ele tem adotado uma postura que busca inviabilizar o andamento e conseqüente aprovação do PL que cria o Conselho.

Articulação institucional da implementação do PNDH dentro do Estado

Um tema que necessita entrar na agenda de debates diz respeito ao papel da Secretaria Especial de Direitos Humanos - SEDH. O que podemos arriscar a dizer é que acreditamos que SEDH tem um papel central de articulação do PNDH dentro do governo federal, junto aos outros poderes, estados e municípios. Para além de executar ações vinculadas ao PNDH nas áreas da criança e adolescente, pessoa com deficiência, população LGBT, defensores de direitos humanos, etc., a SEDH deve manter um sistema de indicadores nacionais de Direitos Humanos, além de atuar de forma transversal junto aos outros ministérios e poderes, trabalhando em conjunto para elaborar e monitorar os diversos programas e ações que irão contribuir para a realização das diretrizes e metas do PNDH.

Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos do INESC.

Luciana Pivatto, assessora jurídica da Terra de Direitos,

Darci Frigo, advogado, Coordenador da Terra de Direitos




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos