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USP estuda criar graduação para o MST


Proposto pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra à Faculdade de Educação, o pedagogia da terra está projetado para atender a 60 alunos que preencham os seguintes pré-requisitos: ser proveniente de assentamentos e acampamentos de sem-terra, ter diploma de conclusão do ensino médio e atestado emitido pela direção estadual do MST de São Paulo comprovando experiência mínima de dois anos com "educação ou formação popular no campo".Como o pedagogia da terra é um curso especial, será formada uma única turma. Novas turmas dependerão de nova aprovação nas instâncias universitárias. Nos 71 anos de existência da USP, será a primeira vez que a instituição terá um curso monopolizado por membros de um movimento social específico. Se aprovada a criação do novo curso, os estudantes de pedagogia da terra ingressarão no ensino superior sem passar pelo vestibular. Em vez disso, o processo seletivo prevê que os candidatos apresentem um memorial, descrevendo "sua história de vida e sua prática educativa como educador do campo" e "as razões pelas quais pretende realizar o curso." Uma banca composta por professores da Faculdade de Educação da USP analisará o memorial e a documentação dos inscritos e selecionará os aprovados. Ao fim de quatro anos, os estudantes receberão o valorizado diploma com o logotipo da USP. No caso deles, um diploma de licenciatura plena com autorização para atuar nas áreas de magistério do ensino médio, da educação infantil, do ensino fundamental, todos voltados à "educação no campo". Também poderão exercer funções de "coordenação e supervisão de atividades pedagógicas em escolas e instituições voltadas para a educação no campo". Prova oral O projeto de curso já conseguiu pareceres favoráveis quanto à proposta pedagógica e à legalidade. Resta ser aprovado pelo Conselho de Graduação da USP e encaminhado ao reitor, que baixará portaria formalizando a criação. A influência do MST na concepção do curso levou a que a forma de avaliação dos alunos tenha características inéditas em se tratando da USP. No documento com a proposta oficial, lê-se: "Durante o processo de discussão e elaboração do Projeto do Curso Especial de Graduação "Pedagogia da Terra", ponderou-se que para enfrentar e superar as dificuldades -já diagnosticadas por diversas pesquisas e pelos próprios movimentos sociais- de expressão escrita, seria interessante (...) que um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), com "defesa oral", perante banca examinadora, fosse considerada exigência do curso". Na prática, o texto admite que, depois de quatro anos de ensino superior, alunos do pedagogia da terra cheguem ao trabalho de conclusão de curso tendo de recorrer à "defesa oral", como forma de "enfrentar e superar" dificuldades com a expressão escrita. A professora Sonia Teresinha de Sousa Penin, pró-reitora de graduação e presidente do Conselho de Graduação da USP, diz que esse ponto é um dos mais polêmicos em todo o projeto. "Isso ainda pode mudar. É preciso que um curso ministrado sob o nome da USP, ainda que seja um curso especial como esse, obedeça aos padrões de qualidade da universidade." Quarenta e oito professores da Faculdade de Educação já se dispuseram a contribuir para a implementação do curso, inclusive ministrando aulas em regime de voluntariado. Entre os professores de outras unidades da USP que colaboraram na elaboração da proposta estão a filósofa Marilena Chauí e o jurista Dalmo de Abreu Dallari, autor de parecer sobre a legalidade da iniciativa. A reportagem da Folha perguntou à professora Sonia Penin se ela considera viável a hipótese de a USP vir a promover um curso para filiados à União Democrática Ruralista, a UDR, a exemplo do que se propõe para o MST. "Certamente, uma proposta dessas seria analisada desde que, como foi o caso aqui, um curso para a UDR fosse defendido por professores da USP." Para a professora, a universidade decidirá segundo o mérito e a relevância social da proposta. "É uma avaliação meticulosa, caso a caso. Não é possível fazer generalizações." O curso todo deverá custar R$ 720 mil, ou R$ 180 mil por ano. Os recursos provêm do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, o chamado Pronera, criado em 1998 durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Formalmente, o pedagogia da terra resulta de convênio a ser firmado entre o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e a Fundação de Apoio à Faculdade de Educação. Convênios firmados desde 98 já formaram 300 alunos em áreas como história, geografia e agronomia MST já fez parceria com 13 universidades DA REPORTAGEM LOCAL Parcerias como as que a USP e o MST estão em vias de firmar para a realização do curso pedagogia da terra já acontecem em 13 universidades federais e estaduais, espalhadas por todo o país. A Universidade Estadual Paulista, a Unesp, também está nos últimos trâmites para aprovar um curso de geografia voltado para os sem-terra. Segundo o geógrafo da Unesp Bernardo Mançano Fernandes, membro do conselho pedagógico do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, os convênios firmados desde 1998 já produziram 300 formados nas áreas de história, geografia, agronomia e pedagogia, as escolhidas pela direção do MST como prioritárias para a "melhoria das condições de vida nos assentamentos". No caso do curso de geografia a ser oferecido pela Unesp aos sem-terra, as aulas serão ministradas no campus de Presidente Prudente (interior de SP). Os alunos provenientes de regiões distantes ficarão alojados no seminário da diocese de Presidente Prudente, cedido pelo bispo da região. "Melhores escolas" O MST já emplacou convênios com as federais de Rondônia, Pará, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe, Minas Gerais e Espírito Santo. Também tem parcerias com as estaduais de Pernambuco, Bahia, Mato Grosso, do Oeste do Paraná e do Rio Grande do Sul. "Estamos nas melhores escolas", diz o professor. "Queremos mais. Nosso sonho é criar uma universidade camponesa, que pense o campo a partir da agricultura familiar e não do agrobusiness, ponto de partida e de chegada das universidades tradicionais", afirma Mançano, afinado com as diretrizes do MST. Segundo ele, "outros movimentos sociais deveriam também exigir a abertura de cursos especiais em várias universidades, como faz o MST. Isso é um investimento social mais valioso do que o bolsa isso, bolsa aquilo". Meritocracia O professor Paulo Renato Souza, ex-reitor da Universidade Estadual de Campinas e ministro da Educação durante o governo Fernando Henrique Cardoso, considera um erro a criação de cursos especiais de graduação voltados especificamente para os sem-terra. "A ciência que vale para um cidadão comum deveria ser a mesma que vale para um trabalhador sem terra. Então, a graduação deveria ser a mesma." Segundo o professor, a criação de um sistema diferenciado para os sem-terra, mais tolerante e menos rigoroso nas avaliações, fere o princípio da qualidade, que deve nortear o funcionamento das universidades. "O desejo de ampliar o acesso ao ensino superior ao mesmo tempo em que se sacrificava a qualidade do ensino e da pesquisa foi o erro da maioria das universidades latino-americanas", afirma o professor. "Temo que estejamos tardiamente realizando o mesmo movimento nefasto." Paulo Renato acredita que as universidades públicas poderiam oferecer cursos para sem-terra ou quaisquer grupos especiais por intermédio de convênios. Mas não com status de graduação. "Para a graduação, o correto é combater a reserva de vagas e defender o vestibular aberto a todos os candidatos." (LC) Autor/Fonte: LAURA CAPRIGLIONE - Folha de S. Paulo




Eixos: Terra, território e justiça espacial