Decisão judicial urgente é fundamental para garantir proteção à população em situação de rua em Curitiba
Lizely Borges
Ajuizada pela Defensoria Pública do Paraná, Ação Civil Pública reivindica plano emergencial de contenção da pandemia
Uma urgente manifestação da Vara da Fazenda Pública de Curitiba favorável à Ação Civil Pública (ACP), ajuizada pela Defensoria Pública do Paraná no último dia 04 de maio, é fundamental para garantir mínima proteção à vida da população em situação de rua da capital paranaense, sublinham organizações sociais e movimentos de luta pelos direitos desta população.
“Estamos chegando a quase quatro meses de pandemia e não foi colocada nenhuma torneira, em nenhuma praça, não tem nenhum local para acesso à higiene para a população em situação de rua e não tem alimentação garantida. Ao contrário, foram fechados serviços”, destaca o membro da coordenação do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), Leonildo Monteiro.
A Defensoria Pública do Estado, por meio do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (Nucidh), e a Defensoria Pública da União, solicitaram, em caráter emergencial, a disponibilização de itens essenciais para prevenção à Covid-19, como acesso à água potável, produtos de higiene, alimentação e vagas para acolhimento. Os órgãos também pleiteiam um plano emergencial intersetorial para contenção e atendimento à população em situação de rua neste contexto de pandemia.
Passadas quase duas semanas desde o ajuizamento da ACP, a Vara da Fazenda Pública apenas intimou a Fazenda Pública para se manifestar sobre o objeto da ação judicial. A urgência em proferir uma decisão, destaca o Movimento Nacional da População de Rua, pode garantir vidas, especialmente diante do recorde de casos de Covid-19 registrados em Curitiba nos últimos dias.
O ajuizamento é posterior à um conjunto de tentativas de diálogo com o poder público, por diferentes atores sociais, e reivindicação permanente para adoção de medidas emergenciais. “Diante de várias denúncias de como a população em situação de rua se encontrava, tentamos trilhar um caminho extrajudicial. Foram feitas recomendações conjuntas para a Prefeitura, expedidos ofícios e diversas reuniões em que participaram servidores do poder público, Defensorias e movimentos. E muito embora sejam feitas tratativas, a Prefeitura não apresentou avanços necessários para resolução da vulnerabilidade da população em situação de rua neste contexto”, destaca a defensora pública e coordenadora do Nucidh, Mariana Gonzaga Amorim.
Para garantir menor vulnerabilidade deste numeroso grupo populacional, a Ação Civil solicita a liberação de acesso aos banheiros públicos sem a cobrança de tarifa, a disponibilização de pontos de água potável, o fornecimento de, no mínimo, três alimentações diárias (café da manhã, almoço e jantar) e de equipamentos de proteção e produtos para a prevenção do contágio por coronavírus, entre outros. As medidas, como aponta a defensora, possuem baixo custo orçamentário, pois se valem da estrutura física já existente - como banheiros presentes em praças da cidade - mas que podem ser acessados atualmente apenas com o pagamento de R$ 2 por pessoa, custo alto para a realidade de quem está em situação de rua. O mesmo vale para o fornecimento de refeições, hoje a custo de R$ 3.
“Estas medidas têm um valor irrisório para Prefeitura, mas tem grande efeito para proteção à população em situação de rua e tem potencial de externalidade muito grande para o conjunto da população”, aponta em referência ao beneficiamento da isenção do uso de banheiros e acesso à água por demais pessoas que estão em circulação pela capital e necessitam destes equipamentos.
Nesta terça-feira (16), a Terra de Direitos também protocolou um pedido de amicus curiae para colaborar no debate em torno da Ação Civil Pública. Como instrumento jurídico que possibilita o fornecimento de subsídios às decisões dos tribunais, o pedido da organização visa reforçar a importância e urgência da Ação ajuizada pela Defensoria.
Com mais de três meses da confirmação do primeiro caso de Covid-19 na capital e com a proximidade do inverno, o poder público não formulou – até o momento – políticas públicas substanciais para abrandar os impactos sociais da pandemia nas populações vulneráveis, tais como a população em situação de rua, ainda que tenham sido constantes as reivindicações por medidas dirigidas a este contingente. As ações desenvolvidas pelo poder público, ao contrário do que reivindicam as organizações, pouco dialogam com as demandas apresentadas ou são insuficientes.
Reivindicação de medidas de proteção
Organizações sociais e movimentos populares enviaram em 21 de março, ainda no início da pandemia, uma carta aos órgãos públicos de Curitiba e do Paraná reivindicando a adoção de medidas protetivas e de contenção ao Covid-19. Quatro dias depois, a Prefeitura de Curitiba publicou a Instrução Normativa nº 03, que dispõe sobre o funcionamento de unidades e equipamentos públicos e parceiros da Fundação de Ação Social (FAS), sobre medidas de prevenção da Covid-19.
Mesmo com tentativas de diálogo com o órgão responsável pela política para a população em situação de rua pela intermediação da Defensoria Pública do Estado e as reivindicações presentes na carta elaborada pelo coletivo de organizações, a gestão pública da capital elaborou a normativa a portas fechadas. As organizações tomaram conhecimento da construção da nova normativa nos bastidores políticos e quando o documento foi publicado.
Além disso, as organizações denunciam que a escolha do governo em definir as ações de atendimento à crise epidemiológica para a população em situação de rua por instruções normativas fragmentadas – e não por um plano específico para administração da crise, como reivindicam – tem constituído um desenho das ações pouco transparente e mesmo efetivo. O resultado é que, na ponta, não tem chego água, comida e acolhimento para pernoite para esta população. Tem sido a sociedade civil organizada que tem buscado prover, ainda que com limites, o fornecimento de até 700 refeições diárias, entre almoço e janta.
Neste período houve ainda a redução em 500 vagas de acolhimento destinados à população em situação de rua, segundo informa o próprio Prefeito de Curitiba Rafael Greca (DEM). Mesmo sem a redução, as 1800 vagas até então existentes eram inferiores ao contingente populacional de 2.532 pessoas em situação de rua, segundo dados de abril do Cadastro Único do Ministério da Cidadania.
Com demandas históricas não atendidas, a violação do direito à moradia adquire contornos ainda mais graves na pandemia, no qual o isolamento em casa é uma das principais formas de proteção à grave crise epidemiológica. “A diminuição de vagas de acolhimento em contexto de aumento de população em situação de rua e pandemia é muito grave. A própria relatora especial do Direito à Moradia Adequada da Organização das Nações Unidas equipara que a falta de acesso à moradia é uma potencial sentença de morte”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Daisy Ribeiro. “Urge então a responsabilidade do Poder Público a fazer sua parte para população acessar a moradia de forma mais rápida”, reforça.
Com indicativo de uma provável proibição geral da circulação (lockdown), Leonildo teme a completa desassistência da população em situação de rua na capital. “Como é a gente que fornece a alimentação, se a gente for proibido de circular e só o poder público que puder, não vai ser mais possível acompanhar as pessoas. A população em situação de rua estará ainda mais abandonada, em um deserto na grande cidade chamada Curitiba”, preocupa-se.
A formulação emergencial de ações dirigidas à população e aos territórios com baixos indicadores sociais, organizado em torno de um Plano Emergencial de Assistência Social para Curitiba, também é objeto de reivindicação do coletivo de organizações aglutinados em torno da Campanha “Resistindo com Solidariedade”.
No dia 11 de maio, o coletivo do qual a Terra de Direitos integra encaminhou um ofício-denúncia para órgãos públicos da capital. No início desta mês, a Câmara dos Vereadores aprovou a indicação de ato administrativo à Prefeitura da capital. Como indicativo de ato administrativo do Legislativo - que se configura como uma sugestão, a Prefeitura pode acatar ou não a proposta.
Ações: Direito à Cidade
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos