Diante da omissão do Estado brasileiro, organizações denunciam a extrema vulnerabilidade dos quilombos à ONU
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Ausência de ações de proteção das comunidades quilombolas diante da Covid foi destacada na 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A situação de extrema vulnerabilidade das comunidades quilombolas brasileiras, ainda mais agravada no contexto da pandemia, foi relatada e denunciada nesta quarta-feira (30) ao Grupo de Trabalho da ONU sobre Pessoas de Descendência Africana da Organização das Nações Unidas (ONU) durante a 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos do organismo internacional.
Em vídeo exibido ao Conselho e aos Estados-membros, a advogada popular da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Terra de Direitos, Vercilene Dias (veja vídeo abaixo) destacou a omissão do governo brasileiro em garantir os direitos de comunidades quilombolas.
Na manifestação a advogada sublinhou como o racismo institucional expresso no esvaziamento do orçamento para áreas sociais e o desmonte da política quilombola, sob comando de ruralistas e oposicionistas à titulação dos territórios tradicionais, acentuaram as vulnerabilidades dos quilombos, especialmente diante da pandemia da Covid-19.
"No governo do presidente Bolsonaro, as comunidades quilombolas vivem uma situação gravíssima, enfrentando um discurso oficial racista, restrições orçamentárias e paralisação da política de titulação dos territórios.Com a pandemia da Covid-19 enfrentamos uma situação de extrema vulnerabilidade, agravada pela omissão do governo”, declarou Vercilene.
"É preciso denunciar a omissão do Poder Executivo com os quilombolas. Exigimos que o governo brasileiro desenvolva e implemente um Plano Nacional de Combate aos Efeitos da Pandemia sobre os quilombos. É um pedido urgente, pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal”, complementou, em referência à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742 protocolada pela Conaq e partidos no dia 09 de setembro e que obriga o governo federal a adotar medidas de urgência no combate à pandemia nos quilombos e de proteção a essas comunidades.
Sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, a ação foi enviado ao plenário do STF na última semana para julgamento pelos ministros. "Ante a relevância da causa de pedir e o risco, agravado em virtude da notória crise sanitária que assola o País, cumpre submeter ao Colegiado Maior o pedido", escreveu o ministro. Marco Aurélio também pediu pareceres da PGR e AGU em até cinco dias.
A membra da Coalizão Negra por Direitos e vice-presidente do Conselho Curador do Ibase, Wania Santana, destaca que a denúncia realizada nesta quarta-feira integra um conjunto de incidências da Coalizão Negra por Direito, nesse período de sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, para visibilizar internacionalmente a política racista do Estado brasileiro. “É muito importante que estejamos atuando de forma conjunta e coordenada nessa 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos. Essas três semanas de intervenções da sociedade civil na ONU demonstram a nossa disposição de não deixar espaço aberto aos desmandos e mentiras do atual governo no cenário internacional. Não haverá trégua em nossa disposição de lutar por democracia, justiça ambiental, direitos humanos e enfrentamento do racismo”, enfatiza.
No início desta semana o Grupo de Trabalho da ONU apresentou informe no qual destaca, de maneira crítica, a manifestação do racismo sistêmico no Brasil.
Covid nas comunidades quilombolas
Mesmo com a intensa subnotificação do critério raça/cor/etnia em mais de 25% do total de óbitos, a população negra corresponde a 41% do total de óbitos, de acordo com o boletim epidemiológico nº 28 do Ministério da Saúde, de 26 de agosto. Neste quadro de invisibilidade da manifestação da doença na população negra, as realidades presentes nas comunidades quilombolas é ainda menos reconhecida pelo governo federal, já que o Estado não tem mapeado e divulgado os casos de infecção e óbitos nas comunidades.
Diante da lacuna informativa, tem sido a Conaq que tem mapeado voluntariamente a manifestação dos casos e constata que os povos quilombolas estão mais suscetíveis a morrer de Covid-19 que o resto do país. A taxa de letalidade desse grupo é de 3,6%, enquanto a da população em geral é de 3,1%, dado subnotificado por não haver monitoramento dos casos e mortes entre quilombolas pelo Estado brasileiro.
Além da ausência de ações dirigidas à população quilombola no contexto da Covid-19, a intensa desigualdade social e abandono estatal implica em maior vulnerabilidade à doença. Cerca de 75% da população quilombola vive em situação de extrema pobreza, dispondo de precário acesso às redes de serviços públicos, aponta uma pesquisa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Neste quadro, apenas 15% dos domicílios têm acesso à rede pública de água e 5% à coleta regular de lixo, e em 89% dos domicílios o lixo doméstico é queimado. Só 0,2% estão conectados à rede de esgoto e de águas pluviais. O acesso à água e estruturas adequadas de saneamento são apontadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como essenciais para proteção à disseminação desenfreada do coronavírus. A população quilombola também não consta como destinatária de políticas públicas específicas no Plano Plurianual (PPA) 2020-2023.
“A omissão do Estado brasileiro coloca em iminente risco nossa saúde, segurança e nossa integridade física, social e cultural”, declarou Vercilene em manifestação à ONU.
Ações: Quilombolas
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos