Em ação quilombola no STF, ministro Edson Fachin vota pela suspensão dos despejos durante pandemia
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Voto do ministro também estabelece criação de Plano Nacional de Enfrentamento da Covid entre a população quilombola
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, reconheceu o pedido contido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742/2020 de garantia de suspensão de ações de despejos e remoções de comunidades quilombolas no contexto da pandemia.
O voto do ministro proferido nesta quarta-feira (17) divergiu da manifestação do ministro relator da ação, Marco Aurelio. Com julgamento da ação iniciado na sexta-feira (12), Marco Aurelio admitiu apenas parcialmente as reivindicações feitas pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pelo PSB, PSOL, PCdoB, REDE e PT em setembro de 2020 de medidas emergenciais do Estado para conter a pandemia nos territórios tradicionais. Acesse aqui o voto do ministro Edson Fachin.
Ao fazer referência às sustentações orais da Terra de Direitos e Educacafro, organizações que atuam como amici curiae no processo, o ministro Fachin pontua que o isolamento social, enquanto medida de impedimento para disseminação do vírus, deve permanecer considerando que as comunidades vulneráveis apresentam maior contágio e letalidade para a doença e que a pandemia não está encerrada.
Deste modo, “a manutenção da tramitação de processos, com o risco de determinações de reintegrações de posse, agravam a situação das comunidades quilombolas, que podem se ver, repentinamente, aglomerados, desassistidos e sem condições mínimas de higiene e isolamento para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus”, aponta Fachin. A manifestação do ministro também diverge dos posicionamentos da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral da União (AGU) de não acolhimento da reivindicação de suspensão de despejos e remoções.
Em diálogo com o posicionamento, o ministro evoca o princípio da precaução, assegurado no Artigo 225 da Constituição Federal e que aponta que é dever do poder público atuar de modo a adotar medidas que amenizem riscos à manutenção da vida e da saúde.
“A decisão do ministro Luiz Edson Fachin avançou em um ponto fundamental dos requerimentos feitos na ADPF 742, entendendo que ações possessórias contra essas comunidades podem levá-las a uma situação de ainda maior exposição e vulnerabilidade durante a pandemia de Covid-19”, aponta a assessoria jurídica popular da Terra de Direitos.
Na manifestação da Terra de Direitos na ação a assessora jurídica popular Gabriela Gonçalves destacou que o baixo percentual de titulação das comunidades quilombolas - apenas 5% das 5.972 localidades quilombolas são tituladas (Dados IBGE) - e da paralisação da política de regularização dos territórios quilombolas, uma ação de remoção e despejo de comunidades quilombolas durante a pandemia acentuaria ainda mais o quadro de vulnerabilidades sociais destas famílias.
Plano Nacional de Enfrentamento da pandemia de Covid -19 entre a população quilombola
No voto o ministro Edson Fachin acompanha a decisão do ministro relator sobre a criação de um Plano Nacional de Enfrentamento da pandemia de Covid -19 entre a população quilombola. Em seu voto, Marco Aurelio estabelece o prazo 72 horas para que o governo crie um grupo de trabalho interdisciplinar que será responsável por criar, em até 30 dias, um Plano Nacional de Enfrentamento da pandemia de Covid -19 entre a população quilombola, junto com a Conaq.
Além disso, dá ao governo 72 horas para incluir informações de raça e etnia entre os registros de casos da Covid-19 e para a retomada de plataformas públicas de acesso à informação, como os sites que antes traziam as informações do Programa Brasil Quilombola e o monitoramento feito pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) com informações sobre a população quilombola e acesso à políticas públicas.
Suspensão dos despejos e remoções
Ainda nos primeiros meses da pandemia a Terra de Direitos e o Labá - Direito, Espaço & Política, Laboratório de Pesquisa Interinstitucional da UFRJ, UFPR e UNIFESP, em informe dirigido ao Relator Especial sobre Moradia Adequada vinculado ao Alto Comissariado das Nações Unidas (ONU), Balakrishnan Rajagopal, denunciou a ausência de medidas uniformizadas e de validade para todo território nacional que garantam a não realização de despejos e remoções de famílias durante a pandemia pelo Estado brasileiro.
No documento os subscreventes apontaram as fragilidades presentes nas poucas medidas oficiais adotadas para o contexto de intensa crise epidemiológica para assegurar a permanência de povos tradicionais, famílias de áreas periféricas e rurais em suas casas e territórios durante a pandemia – condição essencial para contenção da Covid-19, como aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS). Na ocasião, o Balakrishnan Rajagopal pediu que o Brasil não realize despejos neste contexto de pandemia. "O Brasil tem o dever de proteger urgentemente todos, especialmente as comunidades em risco, da ameaça do COVID-19, que afetou mais de um milhão e meio de pessoas no país e matou mais de 65.000", destaca o relator especial da ONU no direito à moradia. "Despejar com força as pessoas de suas casas nessa situação, independentemente do status legal de sua locação, é uma violação de seus direitos humanos", complementa.
Passados quase um ano de pandemia e sete meses da recomendação da ONU do governo brasileiro, o Estado ainda não elaborou medidas unificadas para evitar que famílias, especialmente de grupos vulneráveis como quilombolas, sejam expulsos de seus territórios durante a grave crise epidemiológica pela qual passa o país.
Ações: Quilombolas
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos