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Em julgamento emblemático, ministro Barroso reafirma a necessidade de medidas de proteção aos povos indígenas


Julgamento da Ação pelo STF será retomado na quarta-feira (05); Terra de Direitos e o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns destacaram realidades dos povos indígenas do Baixo Tapajós.

(foto: Guilherme Cavalli/CIMI)

O Supremo Tribunal Federal (STF)  iniciou nesta segunda-feira (03) o histórico julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709 que reivindica que o governo adote uma série de medidas emergenciais para proteger os povos indígenas da Covid-19. O julgamento foi suspenso após o voto do ministro relator Luis Roberto Barroso, que manteve as medidas previstas na cautelar dada no dia 8 de julho. O julgamento deve ter continuidade na quarta-feira (05), com o voto dos outros 10 ministros. 

A ADPF  - um tipo de ação busca evitar ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição -  é de autoria da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com o PSB, PCdoB, PSOL, PT, REDE e PDT. Essa é a primeira vez que o movimento indígena envia uma ação ao STF.  “Essa ADPF é a voz dos povos indígenas nesta corte, é o grito dos povos indígenas” destacou o advogado da Apib, Luiz Henrique Eloy, indígena Terena. “Pela primeira vez os povos indígenas vêm ao Judiciário em nome próprio, com advogados próprios, defender interesses próprios”.

A decisão do ministro Luís Roberto Barroso atendeu parcialmente a ação inicial e reconheceu a legitimidade da Apib na ação, enquanto entidade representativa de organizações indígenas nacional. No dia 08 de julho, o ministro deu ao governo 30 dias para elaborar um Plano de Enfrentamento da Covid-19, que preveja, entre outras coisas, medidas de contenção e isolamento de invasores nas Terras Indígenas, e estabeleceu o prazo de 10 dias para apresentação de um plano de instalação de barreiras sanitárias em terras de povos indígenas isolados. De acordo com relato de Barroso, a União apresentou uma proposta de Plano Emergencial na última quarta feira (29). 

“Há preceitos fundamentais em jogo, estamos falando do direito à vida, à saúde e das comunidades indígenas de viverem de acordo com suas tradições e culturas”, destaca o ministro e relator da Ação na tarde de hoje.

O voto do ministro também ajuda a garantir o atendimento especial de saúde a indígenas que não tenham suas terras homologadas, e estabelece o atendimento diferenciado também a indígenas que estejam fora da aldeia, nas cidades, caso não tenham acesso ao Sistema Único de Saúde.

Para fornecer elementos para a decisão a ser tomada pelo Supremo, organizações e movimentos indígenas e de direitos humanos participaram no julgamento, na condição de amicus curiae (amigos da corte).

A Terra de Direitos e Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) participam do julgamento, e apresentaram elementos relacionados aos indígenas do Baixo Tapajós. Durante manifestação nesta segunda-feira, o advogado popular da Terra de Direitos, Pedro Martins, que representou as duas entidades, destacou: “O precedente a ser criado neste julgamento pode fortalecer ou fragilizar a aplicação de todo um conjunto normativo dos Direitos dos Povos Indígena”.

Leia na íntegra a sustentação da Terra de Direitos e do CITA

Indígenas no Brasil e no Tapajós

De acordo com dados atualizados nesta segunda-feira pela Apib, o país já contabiliza 623 mortes e 21.646 casos confirmados de Covid-19 entre os povos indígenas em todo território nacional. O avanço do coronavírus nos territórios - em especial entre os povos isolados ou com contato recente - são motivo de preocupação. “Nossas lideranças estão morrendo. Nossos guardiões, saberes vivos, estão se indo”, reforçou Eloy. “Além do extermínio da vida, tem o extermínio da cultura, que jamais será recuperada”.

Durante a sustentação o advogado da Terra de Direitos, Pedro Martins, também apontou a necessidade de garantir direitos aos povos que têm constantemente sua identidade negada. “No Baixo Tapajós, os indígenas sofrem do racismo. Pois é de forma racista que as instituições públicas negam a identidade étnica dos grupos locais. O Sistema de Saúde reflete este tratamento quando discrimina os grupos que se autoidentificaram após 1988”,  

Nenhuma das Terras Indígenas da região do Baixo Tapajós - que reúne 70 aldeias - é homologada Em razão disso, os mais de 8 mil indígenas localizados nas cidades de Santarém, Belterra e Aveiros, no Oeste do Pará, tem - com frequência - seu acesso à saúde especial negado. 

Apenas este ano a Secretaria de Saúde Especial Indígena (Sesai) implementou um atendimento regular de saúde para as 13 etnias da região, de forma a cumprir uma liminar da Justiça Federal de 2015.

Desde a publicação da Portaria 254 do Ministério da Saúde - que instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas – os povos indígenas do Baixo Tapajós reivindicam o direito de receberem atendimento diferenciado à saúde, mas a Sesai alegava que só atenderia povos que vivem em terras já demarcadas.

Para exigir o cumprimento da política, os indígenas chegaram a ocupar duas vezes o prédio da Sesai, em Santarém. Na primeira ocupação, em 2016, o movimento indígena também foi alvo de criminalização, com a prisão da liderança indígena Poró Borari. Uma nova ocupação foi realizada em 2018.

Mesmo com alto contingente indígena, o Baixo Tapajós ainda carece de um Distrito Sanitário Especial Indígena. Tem sido o Distrito Sanitário Guamá Tocantins (DSEI GUATOC), instalado em região próxima a Belém, que realiza o atendimento aos indígenas do Baixo Tapajós.

Caso a ADPF 709 seja aprovada, os indígenas do Baixo Tapajós serão diretamente beneficiados. Coordenador do Conselho, Ednei Arapium destaca que um dos maiores desafios enfrentados pelos indígenas na região é a demora para qualquer ação de enfrentamento do coronavírus dentro dos territórios, por parte do governo. “Os testes chegaram que a Covid já estava bem avançada nas aldeias”, conta. Outro desafio, segundo ele, é a falta de atendimento – de saúde e de outras necessidades – dentro dos próprios territórios. Em mais de um momento, nos indígenas tiveram que sair de suas aldeias e ir para cidade, se expondo ao risco. “O próprio governo faltou com esse atendimento. (...) Nem sequer uma orientação foi dada aos agentes comunitários de saúde”, aponta.

Com o avanço do coronavírus e com a chegada do verão Amazônico - em que há maior movimento nas praias de rio - há o temor no aumento do contágio pela movimentação turística.

Em testagem realizada pela Secretaria Municipal de Saúde de Santarém – um dos municípios do Baixo Tapajós com forte subnotificação de casos – em 14 comunidades e aldeias do Tapajós cerca de 117 (78%) dos 149 testes realizados deram positivo, o que demonstra um alto potencial de transmissão do vírus na região. Até agora, foram confirmados mais de 500 casos de infecção de Covid-19 entre indígenas na região. “É possível concluir que, as terras indígenas não demarcadas são mais vulneráveis para Covid-19”, apresentou Martins.

Assista a sustentação da Terra de Direitos e do CITA:

 




Eixos: Política e cultura dos direitos humanos

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