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10 perguntas e respostas sobre a nova lei de regularização fundiária urbana


Aprovada em julho deste ano em meio à polêmicas e críticas, a Lei  Federal nº 13.465/17 – antiga Medida Provisória 759 – alterou aspectos essenciais para a regularização fundiária urbana e rural. Pesquisadores e movimentos sociais apontam que nova legislação facilita a concentração fundiária, a grilagem de terras e extingue os critérios que asseguravam a função social da propriedade.

A quantidade de mudanças da legislação que substituiu a Lei 11. 977/09 trouxe dúvida para muita gente. Por essa razão, a Terra de Direitos, o Observatório das Metrópoles e o Núcleo de Estudos de Direito Administrativo, Urbanístico, Ambiental e Desenvolvimento (PRO POLIS), da Universidade Federal do Paraná (UFPR) promoveram, no dia 24 de novembro, uma oficina sobre a Nova Lei de Regularização Fundiária.

A atividade foi comandada pela professora Rosane Tierno, que também integra o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU). Rosane  é consultora em Direito Ambiental e Urbanístico, e tem participado de discussões sobre a nova lei em todo o país.

Pessoas de diversas áreas – como advogados, arquitetos, assistentes sociais – participaram da atividade, e puderam compartilhar seus questionamentos e interpretações. Algumas dúvidas são trazidas neste material, e foram respondidas durante a oficina. Você pode assistir o vídeo da atividade aqui.

Confira:

  1. Quais são as principais mudanças trazidas pela nova lei na regularização fundiária urbana?

Segundo Rosane Tierno, as alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017 são complexas. Aproximadamente 20 legislações foram alteradas – entre elas o Estatuto da Cidade e a Lei de Registro Públicos, por exemplo. Na prática, essa alteração acabou paralisando os processos de regularização fundiária que já estavam em aberto. 

A nova lei fixa um entendimento de regularização fundiária urbana como a simples titulação do imóvel, quando o conceito anterior previa uma série de medidas associadas a condições dignas de moradia e acesso à infraestrutura adequada. Na exposição de motivos da lei é possível compreender a escolha do legislador por uma concepção de cidade, remetendo à “eficiência”.

  1. Por que a lei é tão questionada por pesquisadores, urbanistas e movimentos sociais?

A lei federal 13.465 é criticada por ter nascido como medida provisória, portanto sem debate público. Especialistas apontam que não houve boa técnica legislativa, e que a nova regra é inconstitucional pois legaliza a grilagem, fere à autonomia dos municípios, e ignora o arcabouço normativo anterior. Também há críticas na alteração terminológica feita pelo novo marco legal, que substituiu conceitos caros à política urbana sem novos conteúdos técnicos. Exemplo disso é a substituição do conceito de ‘assentamentos irregulares’ por ‘núcleos urbanos’, ou nova denominação de regularização fundiária de interesse social que passa a ser Reurb-S, e a de interesse específico que passa a ser chamada de Reurb-E. A Lei 13.465 também já nasce velha: ao tratar dos aspectos do Licenciamento Ambiental, a legislação cita um artigo do antigo Código Florestal, que já foi revogado.

  1. Que tipo de ações foram realizadas para impedir as mudanças trazidas pela lei?

Enquanto ainda era medida provisória, entidades como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), a FNA (Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas), e o FNRU (Fórum Nacional da Reforma Urbana) questionaram o conteúdo da MP com notas e recomendações. Após aprovada, já enquanto lei federal, a Procuradoria Geral da República propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), seguida de outra proposta pelo Partido dos Trabalhadores. Ambas tramitam e aguardam julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.

  1. E como fica o Município em matéria de regularização fundiária?

A atual legislação afronta a autonomia municipal em termos de política urbana. Exemplo disso é permitir a regularização de conjuntos habitacionais e cortiços sem obrigatoriedade do Habite-se, documento que certifica as condições de moradia do imóvel expedido pelo Executivo municipal. Além disso, a nova lei dispensa a necessidade de que os núcleos urbanos se situem em áreas demarcadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), sem condicionar a regularização fundiária ao zoneamento.

  1. Quais as diferenças da legitimação fundiária e legitimação de posse?

A legitimação de posse ocorre para garantir a posse de moradores. A legitimação fundiária, por sua vez, é uma nova forma de aquisição originária de propriedade, como um reconhecimento administrativo do usucapião.

  1. Legitimação de posse e legitimação fundiária poderão ser aplicadas em áreas públicas?

Há previsão expressa de legitimação fundiária em área pública ou privada na lei. Já a legitimação de posse somente se aplica à imóveis privados, quer se trate de Reurb-S ou Reurb-E. A possibilidade de regularizar imóveis em áreas públicas foi denunciada como uma criação jurídica para que imóveis de alto padrão em Brasília fossem legalizados, especialmente condomínios fechados construídos em áreas da União. Esse é um dos principais fatos discutidos na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 5771, já que a Constituição Federal veda expressamente a possibilidade de usucapir imóveis públicos.

  1. Como funciona a Demarcação Urbanística, de acordo com o novo marco legal?

A demarcação ficou totalmente ausente da versão da MP759, tendo sido incluída posteriormente graças à pressão da sociedade civil no Congresso. Foi incorporada em termos semelhantes aos da lei anterior, enquanto procedimento administrativo destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a autorização dos titulares das matrículas dos imóveis ocupados, culminando no registro na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município. 

  1. Como as solicitações individuais de regularização fundiária são contempladas dentro da nova lei?

A Lei 13.465 oferece abertura para pedidos de regularização fundiária individuais. Essa modalidade antecipa uma série de dificuldades que a Administração Pública deve enfrentar com o processamento de pedidos individuais. Recomenda-se, no entanto, que sejam priorizados os casos coletivos. Afinal, a regularização prevê uma série de medidas voltadas à coletividade, para além do título da terra.

  1. A Lei 13.465/2017 adota uma dicotomia entre urbano e rural para a regularização de ocupações?

A nova lei adota um entendimento de área urbana conforme sua finalidade, pouco importando se, formalmente, o assentamento objeto da regularização fundiária esteja localizado na área rural. Nesse sentido, o conceito de regularização fundiária urbana da Lei 13.465/2017 engloba também imóveis situados na zona rural que possuam ocupação e destinação urbanas. Há quem afirme que essa disposição viola o instrumento básico da política urbana, os Planos Diretores, adentrando na seara do direito agrário.

  1. Quais os impactos da nova lei para conflitos fundiários urbanos?

A nova lei traz inovações para além da simplificação e flexibilização dos processos de regularização fundiária. Prevê, por exemplo, a possibilidade de Reurb em área que seja objeto de litígio, desde que celebrado acordo judicial ou extrajudicial homologado por juiz (Art. 16, parágrafo único). Outra mudança é a criação das Câmeras de Mediação de Conflitos, onde se tentaria alcançar uma solução negocial para o litígio. O receio levantado por Tierno é nos casos em que o município é parte do conflito fundiário, na qualidade de proprietário, e ao mesmo tempo mediador.

 



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Ações: Direito à Cidade

Eixos: Terra, território e justiça espacial