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11ª Vara de Curitiba reconhece que Quilombo Gramadinho não é parte afetada por ação de reintegração de posse


Aguardada há 5 anos, decisão é comemorada pelas 40 famílias que integram a comunidade tradicional. 

  Familias de Gramadinho lutam pela permanência e titulação do território tradicional. Foto: Lizely Borges

A Comunidade quilombola de Gramadinho, localizada no município de Doutor Ulisses (PR), comemorou recente decisão da 11ª Vara Federal de Curitiba em favor da comunidade. Na sentença proferida na segunda-feira (17) o juiz Flávio Antônio da Cruz acolheu as alegações da comunidade tradicional presentes no procedimento de Embargos de Terceiros protocolado no âmbito da ação movida por fazendeiras contra a Comunidade Quilombola de Varzeão. Com isso, o magistrado reconheceu que a comunidade de Gramadinho, um dos núcleos de Varzeão, não é parte afetada por liminar de reintegração de posse em favor das fazendeiras. 

Na sentença o juiz reconheceu que não há provas suficientes para evidenciar que a área onde reside a comunidade de Gramadinho configura como de posse das fazendeiras. Como a área de Gramadinho não foi expressamente citada na decisão liminar de reintegração de posse, a aplicação da reintegração não poderia, assim, compreender a área da comunidade. O juiz ainda afirma que a comunidade, mesmo sendo afetada pela liminar, não foi ouvida durante o julgamento da ação – o que se configura como violação do direito de defesa das partes afetadas pela ação. 

Desde 2008 havia o risco de remoção das famílias das comunidades quilombolas de Varzeão e de Gramadinho em razão do deferimento, pela justiça federal, do pedido de reintegração de posse feito pelas fazendeiras. A reintegração da área descrita não ocorreu em razão de recursos impetrados pelas comunidades tradicionais nos anos seguintes. Um destes recursos teve a decisão publicada nesta semana. No ano de 2019 a comunidade de Gramadinho protocolou um embargo de terceiro, contestando a extensão da ação de reintegração à comunidade. Com a apresentação do procedimento, o cumprimento da ação de reintegração foi suspenso neste período.  

Para a liderança de Gramadinho, Laura Rosa, a recente decisão traz alívio para as 40 famílias na comunidade. “A comunidade comemorou poder permanecer no território sem o sentimento de medo de qualquer hora receber uma notificação de despejo. Passamos todos estes anos com nosso psicológico abalado, com sentimento de medo de plantarmos algo e não poder nem colher. Agora podemos usufruir do nosso território, não corremos o risco de, a qualquer momento, termos que deixar a área que é dos nossos ancestrais”, destaca a liderança. 

Para a assessora da Terra de Direitos, Kathleen Tiê, “a decisão nesse momento representa segurança jurídica e territorial para a comunidade, que poderá se defender de maneira apropriada na ação principal de reintegração de posse. Novos fatos e provas poderão ser apresentados para formar o convencimento do juiz daquele caso para afastar qualquer possibilidade de despejo”. A organização assessora juridicamente a comunidade de Gramadinho.  

Com o encerramento do julgamento do embargo, a 11ª Vara da Justiça pode retomar o julgamento da ação de reintegração de posse movida pelas fazendeiras. Com isso, a comunidade de Gramadinho deve ser escutada. “Hoje podemos ter voz e participar do processo. Vamos poder falar nossa história, quem somos e o porquê estamos aqui. Hoje podemos falar: essa terra é nossa. O juiz entendeu que a terra é nossa, que foi dos nossos ancestrais”, aponta Laura. 

De acordo da documentos antropológicos, as famílias de Varzeão e Gramadinho descendem do negro João Alves de Souza. Em 1854 João registrou a área de terra que compreende as comunidades. Durante as décadas de 1940 a 70 as famílias foram vítimas de diversas fraudes e atos de violência de expulsão do território tradicional. Nas décadas seguintes as famílias retornaram às áreas.  

Mudanças de cenário  
Desde que as fazendeiras protocolaram a ação contra a Comunidade de Varzeão, em 2008, houve significativos avanços no processo de titulação das comunidades quilombolas. Em novembro do ano passado o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou a Portaria 226/2023. A publicação é um importante passo no processo de titulação e configura como reconhecimento e declaração pelo Estado brasileiro do território tradicional de Varzeão e Gramadinho como área de posse coletiva das comunidades tradicionais. 

Como a Comunidade de Gramadinho possui uma compreensão distinta à de Varzeão na gestão do território – estruturada por pilares da agroecologia no manejo do solo – Gramadinho também obteve a própria certificação da Fundação Palmares, em 2023. Além disso a comunidade conquistou em abril deste ano, com apoio da Terra de Direitos, parlamentares e da Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná (Fecoqui), a carteira que comprova a inscrição do Cadastro do Produtor Rural (CAD/PRO). A emissão da carteira é fundamental para emissão de nota do produtor e só foi possível após alteração da Norma de Procedimento Fiscal 31/2015, em maio de 2023. A normativa antes restringia a inscrição no CAD/PRO às comunidades tituladas. Com a mudança, agora é apenas exigido que a comunidade apresente para o órgão no município que responde pela área da agricultura uma declaração emitida pelo Incra, comprovando que a comunidade quilombola tem processo de regularização fundiária instaurado na autarquia. 

Com o reconhecimento da posse coletiva às comunidades quilombolas pelo Estado brasileiro, o julgamento da ação de reintegração movida pelas fazendeiras se direciona para o avanço do processo de titulação, e não mais reintegração de posse. Como passo seguinte à publicação da Portaria, a etapa agora no processo de titulação é de indenização às fazendeiras.  

“Com a emissão da portaria de reconhecimento do território pelo Incra não cabe mais discussão sobre a legitimidade da ocupação quilombola em seu território. A partir desse momento o Incra dedica-se às próximas etapas do processo de titulação do território Varzeão, com a realização de estudo de cadeia dominial, para averiguar as matrículas dos imóveis que estão aptos para próxima fase de desapropriação e indenização”, enfatiza a assessora jurídica.   

Na sentença divulgada nesta semana, o juiz reiterou o direito de as famílias permanecerem na área até finalização do processo de titulação. “Os Tribunais têm decidido que, até que sobrevenha titulação definitiva, os alegados remanescentes de quilombolas - promovido um juízo de verossimilhança a respeito desta condição - deveriam permanecer na posse do imóvel, até solução definitiva do processo administrativo”, aponta um trecho da decisão. 

 

 

 



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Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial