Notícias / Notícias



7 razões para não aprovar a MP da Grilagem


(foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

Amplamente defendida pelos ruralistas e repudiada na mesma medida pelos povos do campo, das águas e das florestas e organizações sociais e movimentos campesinos, a Medida Provisória 910/2019, conhecida como a “MP da grilagem” foi retirada da pauta de votação da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (12). A MP foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em dezembro do 2019 e enviada para apreciação pelo Congresso Nacional.

Em um momento em que o Congresso recebeu o aval do Supremo Tribunal Federal (STF) para alterar os ritos de tramitação das medidas provisórias, visando acelerar a discussão de matérias que respondam às necessidades da população geradas pela pandemia da Covid-19, o Congresso se utiliza desse contexto de menor possibilidade de participação popular nas decisões legislativas para colocar em pauta a MP que pode transferir, segundo o Ministério Público Federal (MPF), aproximadamente 65 mil hectares de terras públicas para o domínio privado. 

Após muitas divergências sobre o conteúdo da Medida Provisória e o porquê de uma votação sobre esse tema em um momento em que o país atravessa uma grave crise epidemiológica, os deputados acordaram em adiar a análise da MP - que perde a validade no dia 19/05 - para continuar o debate a partir de um Projeto de Lei que terá como base o texto do relator da MP 910,  o  deputado Zé Silva (SD-MG).

Para auxiliar no debate público e no entendimento da complexidade da MP 910 a Terra de Direitos elaborou uma nota técnica sobre a Medida. No documento a organização destaca os riscos da proposta para a Amazônia e territórios quilombolas e elenca uma série de alterações previstas na Medida Provisória que podem impactar o combate ao desmatamento e a titulação de territórios quilombolas, a distribuição de terras públicas no Brasil, além das contas públicas. 

A possibilidade de anistia aos grileiros e de aumento de conflitos no campo tem mobilizado organizações e movimentos sociais a se manifestaram contra a Medida.  Artistas também têm se posicionado contra a MP, e por vários dias  um dos assuntos mais comentados nas redes sociais foi a hashtag #MP910Não, mobilização coordenada por vários movimentos sociais e organizações da sociedade civil, com apoio da Terra de Direitos. 

Abaixo destacamos sete pontos principais sobre impactos gerados pela Medida Provisória 910:

1. O país abre mão de um grande  patrimônio público

As alterações legais propostas MP 910 podem resultar na regularização de até 65 milhões de hectares de terras públicas e na legalização de cerca de 600 mil imóveis rurais, até 2022. Além disso, uma das principais alterações da Medida Provisória 910 é a possibilidade de regularização de imóveis de até 15 módulos fiscais baseada apenas na declaração do ocupante. Ou seja, todo esse patrimônio público será entregue à iniciativa privada, sem vistoria prévia.

 

2. A MP 910 atrapalha a titulação de territórios quilombolas

A MP 910 inclui o Cadastro Ambiental Rural (CAR) na instrução do processo de regularização fundiária. Dessa forma, uma imóvel poderia ser regularizado de acordo com os limites de terras declarados no CAR. O problema é que já foram registradas diversas situações em que propriedades particulares foram cadastradas dentro de territórios quilombolas, indígenas e de povos e comunidades tradicionais. Se um desses imóveis for regularizado seguindo o CAR a tendência é que haja maior dificuldade para a titulação do território quilombola em área sobreposta, uma vez que aumentaria o custo para a desapropriação para fins de titulação. De acordo com a Coordenação da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) no Brasil são mais de 5 mil territórios quilombolas, destes, menos de 200 são titulados. 

 

3. A MP 910 inviabiliza a homologação de terras indígenas

Se aprovada a Medida também pode inviabilizar a homologação de terras indígenas, já que após a instrução Normativa nº 09/2020 da Fundação Nacional do Índio (Funai) as Terras Indígenas não homologadas via decreto presidencial - ou seja, aquelas que ainda não têm limites geográficos definidos no processo de demarcação administrativo - estão abertas para regularização por terceiros.

 

4. A MP910 é inconstitucional 

A Medida descumpre o princípio previsto no art. 188 da Constituição Federal, que determina a priorização da reforma agrária para destinação de terras públicas no território nacional. Apesar da política de Reforma Agrária ter beneficiado milhares de famílias, como aponta o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), muitas das áreas destinadas aos assentamentos não foram ainda consolidadas, trazendo uma possível fragilidade jurídica e administrativa e grande possibilidade de que áreas anteriormente destinadas para assentamentos sejam destinadas para a livre iniciativa do mercado de terras. Na Superintendência Regional de Santarém, no Pará (SR-30), mais 100 áreas encontram-se nessa situação.

Ressalta-se que na área da Amazônia Legal(área que inclui os estados do Amazonas, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre, Tocantins, Mato Grosso e parte significativa do Maranhão) a política ambiental e de reforma agrária beneficiou não só agricultores familiares, mas também comunidades tradicionais, especialmente por meio de Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs).

 

5. A MP 910 aumenta o desmatamento no Brasil 

A medida pode ampliar o desmatamento nas áreas da Amazônia Legal e em todo o Brasil com a ampliação dos prazos de regularização, bem como com a extensão da quantidade de terras passíveis de regularização. Isso porque uma das principais mudanças com aprovação do texto da MP é de ampliação da áreas da União sujeitas ao programa de regularização fundiária estabelecido pela Lei nº 11.952, de 2009, passando a poder ser aplicada da região da Amazônia Legal para todo o país.
 

6. A MP 910 abre brechas para fraudes ambientais 

O atual texto da MP também autoriza a utilização do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para fins de instrução do procedimento de regularização das terras. O problema é que o CAR é um registro público eletrônico de âmbito nacional para áreas de preservação e preenchido e atualizado pelos próprios produtores.  Previsto no Código Florestal,  o cadastro não exige  comprovação da posse da áerea e é validado imediatamento no ato do preenchimento pelo usuário. 

Apesar da MP justificar que o modelo autodeclaratório pode acelerar os processos, o que vemos na prática é que há um intenso cadastramento de ocupações irregulares sobre territórios quilombolas, indígenas e de povos e comunidades tradicionais, pois o CAR não impede a sobreposição de cadastramentos, e a medida cadastral não é acompanhada de efetiva fiscalização pelo Poder Público, pois até esse momento não foi regulamentado o processo de validação dos cadastros. Portanto, não há segurança jurídica no CAR para sua utilização na regularização fundiária. 

 

7. A MP 910 prejudica a economia dos pequenos produtores

A Medida aina permite que o imóvel seja dado como garantia de créditos, facilitando o endividamento dos ocupantes de pequenas parcelas e a especulação pelos que buscam regularizar maiores faixas de terra.

Confira aqui a íntegra da Nota Técnica 



Notícias Relacionadas




Ações: Conflitos Fundiários, Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial