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Apanhadoras de flores sempre-vivas são destaque em mostra universitária na UFPR


Experiência foi apresentada pelas estudantes Rafaela Eduarda e Ana Paula Hupp, estudantes da Turma Nilce de Souza Magalhães

O conjunto de práticas e manejos das apanhadoras de flores Sempre-Vivas, localizadas na Serra do Espinhaço, no Norte de Minas Gerais, foi destaque na Mostra de Produção Universitária do I Simpósio de direito do trabalho, economia e políticas públicas, realizado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) os dias 26 e 28 de outubro. A mostra teve como tema “O trabalho invisível ou invisibilização do trabalhador” e foi construída pelos estudantes da Turma de Direito Nilce de Souza Magalhães da UFPR, uma turma especial do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

A atividade contou com várias exposições de trabalhos que norteiam a realidade campesina do Brasil: trabalhadores rurais em condições precárias –conhecidos como boias-frias –, produtores de fumo ou fumicultores em assentamentos; cortadores manuais da cana de açúcar; tiradores de leite; cortadores de erva-mate; cafeicultores e atividade garimpeira, até as quebradeiras de coco babaçu da região maranhense, apanhadoras de flores Sempre-Vivas do Norte de Minas, e trabalhadores rurais sisaleiros – na plantação do sisal, planta usada para fabricação de fios –, do sertão da Bahia.

Professor do setor de Ciências Jurídicas da UFPR e organizador do Simpósio, Paulo Ricardo Opuska destaca a importância de trazer a experiência de diferentes trabalhadores para a universidade. Para ele, o direito do trabalho precisa voltar à sua proposta original de ser uma opção jurídica para todos os trabalhadores. “O direito do trabalho não pode ser o direito dos empregadores”, destaca. A crítica faz alusão à aprovação da recente reforma trabalhista, que precariza os direitos dos trabalhadores em todos país, inclusive aqueles que se encontram no campo.

Para a estudante de Direitos pelo Pronera, Jaqueline Andrade, é importante apresentar aos outros um trabalho que não é conhecido por boa parte da população – os chamados trabalhos invisíveis. “Poder apresentar isso para a Universidade, professores, alunos é muito importante para que a academia conheça que existem mil e um trabalhos que não são reconhecidos, que têm direitos negados, mas cumprem uma função essencial na sociedade e é preciso lutar por garantias trabalhistas, previdenciárias para esses sujeitos”, destaca.

A experiência das apanhadoras de flores Sempre-Vivas foi trazida pela aluna Ana Paula Hupp, que também faz estágio na Terra de Direitos. Ela conta que apresentar a experiência foi uma forma de organização das apanhadoras de flores em volta do trabalho e na luta por direitos e reconhecimento. Para ela, é simbólico que estudantes de Direito de origem camponesa levem esse debate para a universidade, como forma de aproximar essas áreas.

“É no campo que presenciamos diversas violações de direitos humanos que ficam invisíveis perante a sociedade, onde as políticas públicas demoram a chegar – quem dirá a Justiça. O direito é muito distante para essa população”, avalia.

Segundo Ana, experiências como a das apanhadoras de flores abrem a discussão da forma como o sistema capitalista compreende as relações de trabalho e os modos de lidar com a terra.

Sobre a prática tradicional

O cultivo e coleta de flores Sempre-Vivas é desenvolvido por comunidades tradicionais na região da Serra do Espinhaço, norte de Minas Gerais. A “panha” é realizada conforme a época das colheitas, quando famílias inteiras vão para o alto da Serra, montam moradia nas cavernas que lhes dão sombra – chamadas de lapas – e passam ali cerca de três meses.

O sistema agrícola das apanhadoras de flores abrange cerca de 20 comunidades, boa parte quilombolas, estabelecidas na região há séculos e hoje situadas nos municípios de Bocaiúva, Olhos D’Água, Diamantina, Buenópolis, Couto Magalhães, Serro e Presidente Kubitscheck. O nome “Sempre-Vivas” refere-se às espécies características do bioma Cerrado. Estima-se que a região concentre 200 espécies de flores, folhas e frutos secos.

O cultivo das flores e comércio in natura ou em artesanato não possui apenas importância econômica para as famílias da região. Associada ao cultivo das roças e da criação de raças caipiras de animais – entre eles a do curraleiro, a primeira raça de bovino trazida para o Brasil na época da colonização – , a prática agrícola compõe uma identidade cultural repassada de geração a geração.

O conjunto de práticas e manejos das comunidades atenta para o ciclo das espécies e a retroalimentação dos plantios, com reserva de sementes nativas cultivadas ao longo das gerações e na rotatividade no plantio das roças. Isso, conjuntamente, garante a preservação das espécies.

Ameaças

As principais ameaças às práticas das apanhadoras de flores Sempre-Vivas vieram com a criação do Parque Nacional das Sempre-Vivas em 2002 e com o avanço do monocultivo de eucalipto na região. Por um lado, o Parque impede o acesso às áreas de coleta localizadas dentro de Unidades de Conservação (UCs), criminalizando as apanhadoras que foram os verdadeiros responsáveis pela conservação daquele espaço. Por outro, os avanços da monocultura de eucalipto, para produção de carvão mineral; da mineração de quartzito e de fazendeiros, comprometem a permanência no território tradicional.

Lutas

As apanhadoras sentem a necessidade de que se permita a continuação do manejo praticado pelas famílias, garantindo seu sustento e tradição, e neste sentido lutam para que haja a criação de regulamentação que viabilize o acesso, bem como a demarcação de seus territórios e a titulação de suas áreas, visto que muitos que realizam essa atividade são de comunidades quilombolas.

Diante da importância do modo de vida de apanhadoras de flores Sempre-Vivas e o seu cultivo ancestral, elas podem ser reconhecidos como um dos Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam), criado em 2002 para fortalecer e preservar patrimônios agrícolas mundiais que combinam a biodiversidade agrícola com valioso patrimônio cultural e ecossistemas resistentes - seria o primeiro caso no Brasil.

 



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