Notícias / Notícias



Após pressão popular aos órgãos do estado, quilombolas do Paraná podem passar a emitir nota do produtor


Documento é essencial para comercialização dos alimentos e acesso a direitos previdenciários pelas comunidades tradicionais. 

  Comunidade de Gramadinho reivindica há anos a emissão da nota do produtor. Foto: arquivo da comunidade

Famílias quilombolas de territórios em processo de titulação no estado do Paraná já podem emitir a nota de produtor para comercialização da produção de alimentos. A possibilidade de emissão da nota do produtor foi assegurada com a alteração pela Receita Estadual do Paraná da Norma de Procedimento Fiscal 31/2015, publicada no Diário Oficial em 23 de maio, após pressão de comunidades quilombolas, parlamentares e organizações, entre elas a Terra de Direitos. 

Antes da alteração a Secretaria da Fazendo do Estado do Paraná (Sefaz-PR) exigia, como documento necessário para a solicitação de inscrição do Cadastro do Produtor Rural (CAD/PRO), que uma comunidade quilombola apresentasse o título de reconhecimento do território tradicional. Ocorre que o processo de titulação pelo Estado brasileiro é bastante moroso e apenas uma das 38 comunidades do estado, a Comunidade  Paiol de Telha, tem o título concedido do território tradicional, e ainda é uma titulação parcial (o que significa que apenas algumas áreas da comunidade têm título de concessão).  Deste modo, as comunidades com processos de titulação em andamento eram impedidas de emitir nota do produtor. 

Com a mudança, passa a ser necessário apresentar uma declaração emitida pelo Incra, comprovando que a comunidade quilombola tem processo de regularização fundiária instaurado na autarquia. No documento, o INCRA informará o número do processo, que referencia a matrícula ou indicação fiscal do imóvel.  As famílias interessadas na emissão da nota do produtor devem ainda apresentar uma declaração assinada pelo presidente da Associação da comunidade quilombola. Na declaração devem constar nome do produtor, se é quilombola, a área total da comunidade e a área em hectares destinada à produção de alimentos na comunidade – quando produção coletiva – ou a área do requerente, quando produção individual.  

A não dependência da existência do título para emissão da nota do produtor já tinha sido objeto específico de nota conjunta do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos e do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público e à Ordem Tributária. Na nota os órgãos destacam que a emissão da nota do produtor “não depende do título da posse ou da propriedade rural onde será exercida a atividade agrícola passível da incidência do ICMS” e que “inscrição no CAD/PRO é, pois, uma obrigação tributária acessória a que se sujeita todo e qualquer produtor rural, seja ele proprietário da terra ou não”, apontam alguns trechos do documento.   

Para contribuir com as comunidades quilombolas na reivindicação, a Terra de Direitos incidiu junto ao Conselho Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais do Paraná, ao Incra e também com parlamentares estaduais para acelerar este processo junto à Secretaria da Fazenda.  

A mudança deve beneficiar, por exemplo, agricultoras e agricultores agroecológicos quilombolas da Comunidade de Gramadinho, localizada no município de Doutor Ulisses (PR). O processo de titulação do Quilombo do Varzeão, em que tem Gramadinho como um dos seus núcleos, encontra-se em andamento desde 2004. A Comunidade de Varzeão foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 2003 e desde então aguarda avanço no andamento nas demais etapas de regularização fundiária. Sem o título, as famílias não conseguiam comercializar os produtos para o mercado formal e, por consequência, precisavam revender os alimentos a valor inferior. As famílias vêm reivindicando o direito de emissão da nota do produtor junto ao município, estado e conselhos de direitos há alguns anos.  

“Jogam a gente de um lado para o outro enquanto nossos produtos apodrecem na terra quando não vendemos bem baratinho, bem abaixo do valor pra podermos ter um dinheirinho. Para nos quilombolas nada se resolve com rapidez”, destaca a liderança quilombola Laura Rosa, sobre as várias tentativas da Comunidade de acesso à nota do produtor, como reuniões com promotorias, Prefeitura e secretarias do município.  

“Por não termos conseguido a nota do produtor não podemos comercializar nossos produtos que temos na comunidade. Lutamos todos estes anos por melhorias de vida, de sustentabilidade, mas em todas as portas que batemos são fechadas pra nós”, completa Laura.  

Importância da emissão  
Além de garantir a sobrevivência das comunidades – com possibilidade de revenda da produção para o mercado formal – a emissão da nota é condição para acesso pelas famílias a direitos previdenciários, como a aposentadoria. Isto porque a Lei de Benefícios da Previdência Social determina que notas fiscais de entrega e saída de mercadorias e bloco de notas do produtor são comprovantes da atividade rural. Sem estes documentos, as e os quilombolas terão dificuldades em comprovar a atividade agrícola que desempenham.  

Outro impacto é na arrecadação de tributos e ICMS das atividades rurais da Comunidade. Sem poder emitir a nota, a comunidade de Gramadinho não tem como contribuir com a receita tributária - recurso público essencial para o custeio de serviços e obras públicas. O não recolhimento de tributos implica em até responsabilização fiscal do gestor público, como o Prefeito do município e governador do estado.   

 



Notícias Relacionadas




Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial