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Conselho da Amazônia: debate sobre democracia, regularização fundiária e clima é levado ao STF


Conselho é questionado em ADPF articulada pelas organizações que compõem o Levante Popular da Amazônia e assinada por partidos; Ação denuncia a composição autoritária do CNAL e a falta de ações efetivas de proteção da floresta e dos povos da região.

Apesar do alto orçamento destinado às forças armadas para proteção da Amazônia, desmatamento na região em agosto foi o maior dos últimos dez anos. (foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A Terra de Direitos enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (1) o pedido para ingressar como amicus curiae na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 744, que questiona o decreto presidencial que estabeleceu o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL). Caso seja admitida, a Terra de Direito passa a atuar como “amiga da corte”, uma forma de participação que permite que organizações contribuam com mais elementos para que o STF possa avaliar o caso.

Protocolada no dia 18 de setembro e sob relatoria do ministro Dias Toffoli, a ADPF 744 pede que o decreto presidencial nº 10.239/2020 de fevereiro de 2020 seja declarado inconstitucional. Articulada pelo Levante Popular da Amazônia – uma mobilização de mais de 30 organizações e movimentos -  e assinada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Socialista Brasileiro (PSB), a ação aponta que as mudanças no Conselho da Amazônia ferem uma série de preceitos fundamentais, como a proibição do retrocesso institucional, a participação popular, o direito à igualdade e o direito à proteção do meio ambiente.

Ao pedir para ingressar na ADPF, a Terra de Direitos também reforça que o CNAL fere princípios democráticos. Através do decreto presidencial, o novo Conselho da Amazônia passou a ser formado sem a previsão de qualquer tipo de participação popular e sem a participação dos governadores dos 9 estados da Amazônia Legal.

Advogada popular da Terra de Direitos, Luisa Câmara Rocha avalia que medidas como essa não são novidade dentro do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). “A política que o governo adota tem sido de esvaziar os espaços de participação popular, de deliberação e conselhos, dentro da pauta da formulação da política socioambiental brasileira”, analisa. Exemplo disso pode ser visto na revogação da Política Nacional de Participação Social e do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), além de alterações também na composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).  “Em detrimento desse esvaziamento popular, há concentração desses poderes na ala militar”, destaca.

Além de ser presidido pelo vice-presidente General Hamilton Mourão, ao menos 19 militares e 4 delegados da Polícia Federal integram a nova composição do conselho.

“É um processo que chamamos de militarização da política ambiental na Amazônia brasileira”, explica a advogada da Terra de Direitos. “É estratégia de reordenamento do governo federal dentro da Amazônia, a partir da operacionalização via Ministério da Defesa”.

Leia | Quais as ameaças por trás da militarização do combate ao desmatamento na Amazônia?

Um grande exemplo do processo de militarização da política ambiental se dá na Operação Verde Brasil 2, autorizada em maio deste ano após publicação do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que autorizou o envio de tropas armadas no combate às queimadas e desmatamento na Amazônia. Com isso, as forças armadas passaram a comandar – e não apenas contribuir – com órgãos de fiscalização especializados, como o Ibama. Um dos grandes questionamentos em relação a essa operação também está na proporção de gastos e resultados apresentados. Segundo matéria do portal The Intercept, as forças armadas têm destinado para a fiscalização um orçamento 10 vezes maior do que o Ibama: os militares receberam R$ 520 milhões apenas do Fundo da Lava Jato, enquanto o Ibama tem previsto apenas R$ 50 milhões.

Apesar do alto valor disponível, o desmatamento na Amazônia cresceu 34% entre agosto de 2019 a julho de 2020, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em agosto deste ano, a região também registrou o pior índice de desmatamento dos últimos dez anos, segundo o Imazon.

A constitucionalidade da Operação Verde Brasil 2 também está sendo questionada no STF, na ADPF 735.

Regularização fundiária e clima

Ao pedir para ingressar na ADPF 744, a Terra de Direitos também questiona o entendimento do governo sobre preservação ambiental na Amazônia Legal. “A gente viu a partir de levantamento de documentos oficiais que há um entendimento de preservação como igual a regularização fundiária na Amazônia, o que na prática representa a venda dos territórios Amazônicos”.

Ações do governo nesses dois anos demonstram que a proposta de regularização fundiária não alcança os principais preservadores da Amazônia, como indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais. Ao contrário: a proposta apresentada pelo governo na Medida Provisória 910 – que agora tramita como Projeto de Lei 2366/2020 –, que prevê a regularização fundiária em terras da União, beneficia principalmente grileiros e grandes proprietários de terras.

Além disso, a organização também aponta que o Conselho da Amazônia cria uma nova competência na política de governança climática do Brasil. No decreto presidencial que estabeleceu o CNAL, uma das competências atribuídas ao conselho é de “acompanhar as ações de desenvolvimento sustentável e o cumprimento das metas globais em matérias de adaptação e mitigação das mudanças climáticas”.

Essa atribuição extrapola políticas já instituídas pelo Ministério do Meio Ambiente, como a Política Nacional sobre Mudança do Clima e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima que, inclusive, preveem a participação cidadã, diferente do CNAL. “O Ministério do Meio Ambiente e o Conselho Nacional da Amazônia Legal possuem competência comum e concorrente sobre ações para alcance de metas climáticas globais, porém, se trata de uma governança climática excludente e centralizadora”, destaca a Terra de Direitos no pedido.

Dessa forma, a organização reforça que a estruturação do CNAL na forma estabelecida pelo decreto presidencial de fevereiro de 2020 configura retrocesso institucional ambiental e climático pelo Estado Brasileiro. “O que vem ocorrendo, desse modo, é a consagração da lesão ao preceito fundamental de proteção ao meio ambiente, indispensável para uma vida digna, por meio da implementação e fortalecimento de uma política socioambiental que prioriza a financeirização da natureza, esvazia os espaços de participação e discussão popular e nega impactos ambientais ocasionados por essa política”, apontam.

O pedido de amicus curiae será analisado pelo ministro relator Dias Toffoli.

Leia o pedido de amicus curiae aqui

 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar, Conflitos Fundiários

Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar, Terra, território e justiça espacial