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Cúpula da Amazônia: entre críticas à participação popular e os saldos políticos para a Amazônia

11/08/2023 Lanna Paula Ramos e Lizely Borges

Movimentos sociais e organizações criticaram a organização do evento e os compromissos finais apresentados pelos países da PanAmazônia.

Abertura da Cúpula contou com representantes de Estados dos países da Pan Amazônia. Foto: Audiovisual

Desde que Belém (PA) foi anunciada como sede, em 2025, da 30ª Conferência das Partes da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP do Clima, os olhos voltaram-se para o norte. Assim, a capital do Pará iniciou um caminho para tornar-se o centro dos debates socioambientais e climáticos dos próximos anos. O primeiro evento – considerado um teste em termos de infraestrutura e logística para a realização da COP30 – foi a Cúpula da Amazônia, que reuniu, nos dias 08 e 09 de agosto na capital paraense, os oito líderes dos países que possuem o bioma amazônico (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) e fazem parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).  

Enquanto o governo federal e os líderes latino-americanos organizavam a Cúpula da Amazônia, movimentos sociais, organizações, povos da floresta e da água questionaram e pressionaram por espaços de debate, escuta e articulação para também tratarem sobre os temas que seriam discutidos pela OTCA, traçarem estratégias e apresentarem suas demandas aos governantes. Assim foi construído o Diálogos Amazônicos, evento que aconteceu entre os 4 e 6 de agosto, antecedendo a Cúpula da Amazônia.  

“A realização dessa Cúpula em Belém é um grande avanço considerando que os países da OTCA não se reuniam há 14 anos. No entanto, essa retomada dos diálogos deve necessariamente considerar a escuta aos povos e comunidades tradicionais de base, como indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais, ribeirinhos e extrativistas”, afirmou Pedro Martins, assessor jurídico e coordenador do Programa Amazônia da Terra de Direitos. 

Com plenárias organizadas pelo governo federal e atividades auto-organizadas por organizações da sociedade civil, universidades, agências governamentais, entre outros atores, o evento teve como objetivo traçado pelo governo federal a garantia da participação social. No entanto, houve divergências entre governo e sociedade sobre o entendimento do que deveria ser a participação.

Em diversos momentos do evento movimentos sociais, organizações, povos indígenas, quilombolas e a população negra, e outros fizeram críticas à forma de organização e participação social promovida no Diálogos Amazônicos.  

Para Vanuza Cardoso, quilombola do território do Abacatal, localizado na Região Metropolitana de Belém, a estratégia de participação proposta no evento não foi satisfatória. “Para falar de diálogos a gente precisaria ter dialogado, conversado, precisaria haver uma troca e não houve. Foram momentos de muitas exposições, de muita apresentação de projetos, mas sem a participação popular, sem a participação das comunidades. Então foi tudo, menos diálogos. Porque diálogos a gente discute, avalia e propõe soluções e isso não aconteceu nesse espaço”, afirmou.  

Apesar de atividades e espaços articulados pelos povos quilombolas amazônicos, segundo Vanuza Cardoso, os quilombolas não tiveram nenhuma plenária exclusiva para tratar sobre suas demandas e proposições para serem levadas à OTCA. “A gente tem todo um processo histórico e a gente precisa de uma reparação histórica do estado brasileiro, do estado do Pará, e não houve esse espaço. A gente está saindo de um Censo com uma representatividade grande de quilombolas, principalmente na Amazônia, e esses povos não foram escutados”, pontou 

Nilma Bentes, militante do Movimento Negro Nacional e co-fundadora do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa). Ela ainda afirmou que a plenária ‘Amazônias Negras’ – chamada de transversal na programação – foi uma “plenária bastarda”, referindo-se sobre foi a luta para assegurar um espaço de debate no evento para as demandas da população negra do bioma amazônico.

Marcha dos Povos, em Belém. Foto: Lanna Paula Ramos

A necessidade de espaços paralelos 
Entre as críticas e a necessidade de participação ativa nos debates, povos indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais, militantes do movimento dos atingidos por barragens e outros povos e entidades sociais construíram paralelamente a programação da Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia, que aconteceu na Aldeia Cabana, distante cerca de 2 quilômetros do Hangar – onde foram realizadas as principais programações nos três dias do evento.  

Para os povos indígenas, as intensas programações foram momentos de oportunidade de debate, principalmente em relação aos espaços auto-organizados pelos indígenas, como a Assembleia dos Povos e a Cúpula Indígena. Os debates realizados durante a assembleia resultaram em um documento. Nele, os povos indígenas afirmam que “Sem nós, não haverá Amazônia; e, sem ela, o mundo que conhecemos não existirá mais. Porque nós somos a Amazônia: sua terra e biodiversidade são o nosso corpo; seus rios correm em nossas veias. Nossos ancestrais não só a preservaram por milênios, como ajudaram a cultivá-la”, aponta um trecho da “Carta dos Povos Indígenas da Bacia da Amazônia aos presidentes”.

Além das assembleias e eventos paralelos, as organizações, movimentos sociais e redes - que possuem um histórico de participação em Cúpula dos Povos, da Rio+20 e outras COPs – realizaram reuniões para pensar estratégicas de preparação da sociedade civil brasileira para a COP, em Belém. Encerrada as agendas, as organizações devem seguir debatendo sobre como se preparar para a Conferência do Clima e como aproveitar a oportunidade do debate suscitado pela COP para avanço das agendas como a agroecologia, a mudança no modelo econômico, a proteção a defensoras e defensores de direitos humanos, o fim do desmatamento – especialmente nos biomas cerrado e Amazônia, em razão de atividades ostensivas como a agropecuária. De acordo com as organizações, esse processo de preparo deve estar fortemente presente nestes dois anos que antecedem a COP em Belém, em 2025. 

Foto: Lanna Paula Ramos

Não escuta aos povos da floresta   
Representantes de organizações indígenas, de povos tradicionais e de organizações socioambientais manifestaram descontentamento com a Declaração de Belém, carta de intenções para cooperação regional assinada pelos chefes de Estado que participaram da Cúpula da Amazônia. Tornado público nesta quinta-feira (09), o documento com compromissos firmados pelo Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Indonésia, Peru, República Democrática do Congo, República do Congo, São Vicente e Granadinas, Suriname e Venezuela contém 113 pontos, divididos em eixos como fortalecimento do Tratado de Cooperação Amazônica,  conhecimento e empreendedorismo na Amazônia, gestão de recursos híbridos, mudança do clima, entre outros. 

Ainda que a Carta reconheça que a Amazônia está sob ameaça de atingir um ponto de não retorno [situação em que não será possível recuperar o bioma, resultando no seu colapso], carece de declaração mais ambiciosa em relação a metas, soluções práticas e calendário de ações à altura da crise climática mundial e riscos sofridos pela Amazônia, apontam as organizações. 

Outra crítica central é que a Declaração não contempla os debates feitos pelo público de cerca de 24 mil pessoas nos dias que precederam a Cúpula. Sistematizados em seis relatórios, as propostas dos povos da floresta foram entregues aos presidentes por seis representantes da sociedade civil, antes do início da Cúpula. Os relatórios e manifestações durantes painéis, mesas-redondas, plenárias e atividades paralelas destacam a necessidade de zerar o desmatamento e a suspensão da exploração de petróleo.  

A ausência destas metas no documento é lamentada considerando que a maior parte dos países da região já tinham se comprometido em desmatamento zero até 2023 no documento assinado durante a COP26, realizada em Glasgow, no Reino Unido, no ano de 2021.   

Para Apib, a Carta de Belém foi frustrante ao não trazer ações definidas de enfrentamento às emergências climáticas, principalmente envolvendo a demarcação dos territórios originários, titulação de territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação. “O documento deveria ser mais ambicioso. Compreendemos a diversidade dos debates que envolvem oito países, e reconhecemos os compromissos políticos assumidos, mas é frustrante a ausência de metas específicas e objetivas relacionadas aos povos indígenas e ao meio ambiente”, afirma Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib. 

Para a Terra de Direitos, apesar do reconhecimento que a Cúpula da Amazônia traz um novo reposicionamento político dos povos e do bioma nos debates e compromissos internacionais, ainda é preciso avançar para que, de fato, as pautas dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia sejam integradas nas cooperações entre os países.   

“Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil esperavam maior compromisso em relação a garantia da economia de maneira a respeitar os modos de viver e de fazer das comunidades tradicionais. A agroecologia poderia ter sido reconhecida como via central na resposta à mitigação das mudanças climáticas. E nós temos em vista que essas plataformas, observatórios e demais espaços institucionais em torno da OTCA possam dar espaço para que essas pautas concretas da sociedade civil sejam reconhecidas nos compromissos dentro da OTCA”, finalizou Pedro Martins.  

 

 

 

 



Ações: Biodiversidade e Soberania Alimentar

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos