Para fortalecer autogestão, Comunidade quilombola apanhadora Raiz participa de formação sobre associativismo
Assessoria de comunicação Terra de Direitos
Localizada no Alto do Jequitinhonha (MG), território tradicional enfrenta cenário de assédio de monocultura de eucalipto e a mineração
Com objetivo de fortalecer a autonomia e autogestão, a Comunidade Quilombola Apanhadora de Flores Sempre-Vivas de Raiz participou de formação sobre associativismo realizada pela organização Terra de Direitos, em parceria com a Comissão em Defesa das Comunidades Extrativistas (Codecex). A atividade aconteceu na sede da associação da comunidade tradicional, no município Presidente Kubitschek, no dia 16 de maio.
A formação é uma solicitação da comunidade a partir de um projeto da Codecex de mapeamento, levantamento e acompanhamento das necessidades das comunidades.
Na atividade foram abordados temas como a importância da associação, seu papel político e organizativo. Além disso, foram tratados também aspectos formais, como criação e manutenção da associação, regimento interno, direitos e deveres dos associados, entre outros. No momento a Comunidade Raiz desenvolve projetos de artesanato e quintais produtivos além da panha tradicional de flores sempre vivas.
“O associativismo promove o sentimento de pertença, solidariedade e colaboração entre os membros de uma comunidade. Ele fortalece os laços sociais e estimula a confiança mútua, elementos essenciais para a construção de comunidades mais justas e resilientes”, destaca a apanhadora de flores da Comunidade Quilombola Raiz e integrante da Codecex, Andréia Ferreira dos Santos.
“Considerando a força organizativa e política das associações, é sempre importante revisitar o tema do associativismo para fortalecer a autogestão e autonomia das comunidades, é uma oportunidade para sanar as dúvidas que surgem no dia a dia das comunidades”, destaca a assessoria jurídica Marina Antunes.
A formação sobre associativismo deve acontecer nas demais comunidades apanhadoras.
Assédio de empreendimentos
A formação em associativismo ocorre num contexto de crescente assédio às comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas por empreendimentos, como o monocultivo de eucaliptos. Localizada no Alto do Jequitinhonha, na Serra do Espinhaço, a região foi alvo de incentivos fiscais públicos para implantar monoculturas de eucalipto na década de 70, com o argumento de “ocupar” e “integrar a região” como fornecedora de matéria-prima ao complexo siderúrgico.
Desde então a área formata por chapadas, nascentes e grotas com fértil terra e água, tem sido de forte interesse da expansão do monocultivo. De acordo com pesquisadores, o Alto Jequitinhonha já concentra mais de 250 mil hectares com monoculturas de eucaliptos.
Como as demais comunidades tradicionais da região, a Comunidade Quilombola Raiz sente os impactos dos monocultivos. A planta de origem da Oceania utiliza duas vezes mais água que plantas da região do Jequitinhonha. De acordo com estudos, o plantio de um metro de eucalipto consome 6 litros de água por dia, enquanto as plantas nativas do Cerrado utilizam 2,5/ litro por dia, e no período de seca, cerca de 1,5 litro por dia.
“Nos últimos anos os empreendimentos com interesse nos territórios vêm aperfeiçoando as modalidades de assédio e uma crescente onda na tentativa de criminalização de movimentos e comunidade Tradicionais, então é importante que as comunidades tenham momentos para discutir esses assuntos e buscar informações para pensar ferramentas de fortalecimento e enfretamento”, enfatiza Marina.
O resultado, denunciam as comunidades, tem sido a seca de córregos e nascentes, o desmatamento e perda da biodiversidade, entre outros impactos. O impacto socioambiental pode ser intensificado caso o Projeto de Lei 2.159/2021 seja aprovado pela Câmara dos Deputados. Já aprovado pelo Senado, o PL da Devastação como foi nomeado, projeto flexibiliza o licenciamento para atividades de pequeno e médio porte, isenta setores como a agricultura e a pecuária, principais responsáveis pelo desmatamento e pelas emissões de carbono no Brasil.
Em nota técnica a Terra de Direitos e Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) analisam como os impactos para comunidades quilombolas do desmonte da política ambiental promovido pela flexibilização da licença ambiental.
Impactos ao modo de vida tradicional
Além do impacto ao meio ambiente, os monocultivos afetam o modo de vida das comunidades tradicionais apanhadoras de flores sempre vivas. Com uma estreita relação com o território e respeito aos ciclos da natureza, o sistema tradicional das apanhadoras de flores sempre-vivas recebeu o selo de reconhecimento de Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam), concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2020. Foi a primeira vez que um modo de vida tradicional foi reconhecido como patrimônio agrícola mundial.
O modo de vida das apanhadoras e apanhadores de flores sempre-vivas abrange cerca de 20 comunidades, maioria quilombolas, entre elas a Comunidade Raiz. Estabelecidas na região há séculos e hoje situadas nos municípios de Bocaiúva, Olhos D’Àgua, Diamantina, Buenópolis, Couto Magalhães, Serro e Presidente Kubitscheck, as apanhadoras e apanhadores de sempre-vivas se intitulam guardiões tanto das sementes das flores como de outras plantas agrícolas tradicionais.
O modo de vida da comunidade Raiz está relatado no Protocolo de Consulta elaborado pelas comunidades quilombolas Vargem do Inhaí, Mata dos Criolos, Raiz e Braúnas. O documento é um instrumento elaborado pelas Comunidades e traz acordos e regras coletivas sobre como as comunidades se organizam e tomam decisões sobre ações que afetam o dia a dia no território.
Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Eixos: Política e cultura dos direitos humanos