No Pará, juventudes da floresta apontam caminhos para crise climática com voz e pés no território
Lanna Paula Ramos
Mais de 700 pessoas se reuniram em Santarém para debater os impactos da crise climática e construir propostas rumo à maior conferência mundial do clima
Cerca de 700 jovens, lideranças comunitárias, representantes de universidades, movimentos sociais e organizações como a Terra de Direitos se reuniram, nos dias 23 e 25 de maio, na comunidade de Vila Brasil, localizada no Projeto de Assentamento Agroextrativista Lago Grande (PAE Lago Grande), em Santarém, oeste do Pará. A COP das Juventudes da Florestas, como foi chamado o encontro, foi um evento preparatório para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) - que acontecerá em novembro, em Belém (PA) – parte dos processos de construção da Cúpula dos Povos. O encontro resultou em uma carta política, na qual os participantes reivindicam medidas de proteção às florestas, ao território e bem viver.
Realizada no coração da Floresta Amazônica, o evento foi idealizado e construída pelo Coletivo de Jovens do PAE Lago Grande - Guardiões do Bem Viver - e pela Federação das Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE). O objetivo foi debater os efeitos das mudanças climáticas no território e elaborar propostas e reivindicações coletivas, que serão entregues a representantes e negociadores oficiais da Conferência do Clima da ONU.
Marlon Rebelo, integrante dos Guardiões do Bem Viver e Presidente da COP das Juventudes da Florestas, explicou o propósito e a força do evento. “A COP das Juventudes da Floresta é uma construção coletiva. Esse é um momento em que nós nos reunimos pra discutir várias temáticas sobre as mudanças climáticas e também mostrar o protagonismo da juventude. A COP das Juventudes da Florestas tem um grande objetivo que é construir uma trilha sistêmica com as organizações, comunidades e juventudes para debater mudanças climáticas a partir das nossas realidades. Aqui em Vila Brasil, estamos com mais de 700 pessoas reunidas, entre juventudes e lideranças tanto do PAE Lago Grande como de territórios vizinhos, como a Terra Indígena Cobra Grande e a Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, para discutir os impactos das mudanças climáticas em nossos territórios”.
A mobilização da COP da Floresta começou na comunidade de Coroca, às margens do Rio Arapiuns, no PAE Lago Grande. Com música inspirada no lema do evento - No território das Juventudes Justiça Climática é Bem Viver -, os participantes, vindos de vários territórios tradicionais e indígenas da região, chegaram em barcos e de ônibus. De Coroca, caminharam cerca de cinco quilômetros até Vila Brasil, em ato simbólico pela defesa do território, florestas, rios e por justiça climática.
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Suzany Brasil, a caminhada e demais atividades do evento foram um momento de potência e demonstraram da força mobilizadora popular de resistência e luta das juventudes e comunidades do PAE Lago Grande. A Terra de Direitos foi uma das entidades parceiras do evento, contribuindo com a facilitação nos grupos de trabalhado e sistematização das propostas da carta política.
“O protagonismo e união dos jovens, comunitários, lideranças e defensores das florestas aqui no PAE Lago Grande demonstra a força que a ação coletiva dos e nos territórios possui na luta por direitos. A COP das Juventudes da Florestas mostrou como a participação popular efetiva é essencial para a construção de soluções e estratégias reais para enfrentamento a crise do clima”, declarou Suzany.
Ingrid Sabrina, psicóloga e defensora ambiental que atua por meio da Pastoral da Juventude da Igreja Católica de Santarém, destacou que a COP do PAE Lago Grande se diferencia de forma significativa da Conferência da ONU pela participação popular e escuta real dos territórios. “A COP da ONU, que vai acontecer esse ano em Belém, deveria escutar os povos, como as juventudes do PAE Lago Grande tem feito esse movimento de escuta com quem está no território. Então, acho que esse é o grande diferencial: foge da linha do marketing da COP oficial, que usa os nossos corpos para criar uma política que não reflete nossa realidade. Então a gente está aqui, sentindo, vendo e entendendo a realidade de verdade”, declarou.
Justiça climática é bem-viver
A justiça climática foi um dos temas de destaque do encontro. De acordo com Darlon Neres, o tema foi colocado no centro das discussões e adotado como lema do evento porque o coletivo acredita no bem viver como caminho possível para os territórios tradicionais dos povos florestas e também para frear o colapso climático global.
“Quando a gente fala no bem viver, estamos falando em uma perspectiva de construção dessa sociedade, que os povos da floresta vêm fazendo há séculos com a proteção da floresta, a forma de se relacionar com o rio e com a terra. Isso é o bem viver. E é esse modelo de sociedade precisa estar em outros territórios também. Por isso, no território das juventudes, a saída que a gente acredita é esse modelo de economia que não é baseada somente no capital, mas sim na vida e na natureza.”
Participantes da COP da Floresta destacam que o conceito de justiça climática reconhece que as mudanças climáticas afetam todas as pessoas, mas não de forma igual. Povos indígenas, quilombolas, extrativistas e demais comunidades tradicionais, que menos contribuíram para a crise climática, são justamente os que mais sofrem com seus impactos. Portanto, justiça climática significa enfrentar a crise garantindo que povos e comunidades tradicionais sejam reconhecidos, compensados e que seus saberes tradicionais e territórios sejam valorizados.
“Então quando a gente fala que justiça climática é bem viver, a gente tá afirmando uma perspectiva de sociedade baseada na partilha, na solidariedade, nas tradições, nas festas de santo, no puxirum, na defesa do território e em todas as dinâmicas de vida dos povos das florestas, dos rios e das águas. Então uma das saídas para enfrentar o colapso ambiental é mudar o sistema capitalista e caminhar rumo à uma sociedade do bem viver”, declarou Darlon, dos Guardiões do Bem Viver.
Territórios de discussão
O segundo dia do encontro foi dedicado para os debates e reflexões que serviram de base para a construção da carta política do PAE Lago Grande para a COP 30. Os participantes foram divididos em grupos de discussão chamados de “Territórios” como regularização fundiária, mineração, direitos da natureza, agroecologia, educação ambiental, justiça climática, entre outros.
Ao longo da manhã e da tarde, o encontro proporcionou espaço de escuta, denúncias e formulação de propostas, garantindo ampla participação popular de juventudes, lideranças e comunitários.
“Quando a gente se junta pra fazer esse trabalho coletivo e para ecoar as vozes dessas populações que estão presentes, a gente está fazendo um trabalho de mobilização muito grande. Discutir temas como as mudanças climáticas, direitos da natureza, bacia hidrográficas, territórios pesqueiros, regularização fundiária, entre outros, está diretamente ligado à justiça climática, que é um dos pontos que precisamos discutir dentro dos nossos territórios. E esse também é um dos nossos objetivos com o encontro: popularizar e territorializar esses debates, para que as nossas lideranças e comunidades estejam cientes sobre o que de fato está acontecendo dentro dos nossos territórios”, destacou Marlon.
A jovem Katrine Canté, da comunidade de Vila Brasil, nunca tinha ouvido falar sobre mudanças climáticas antes da realização da COP das Juventudes da Floresta. Para ela, o evento teve um papel formativo importante. “Essa pré-COP está muito legal. Estamos aprendendo muito sobre as mudanças climáticas. É importante pra gente entender, por exemplo, que quando teve a seca, os pescadores não tinham peixe e estava muito difícil o deslocamento. Então entender que isso é reflexo das mudanças climáticas é importante”, enfatizou.
O tema da justiça climática contou com a facilitação dos assessores jurídicos da Terra de Direitos, do Coletivo Maparajuba e da Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistas do Oeste do Pará (Acosper). O grupo abordou questões como as mudanças climáticas, mercado de carbono, sistema REDD+, além de estratégias de defesa das comunidades.
“O que construímos no GT foi mais do que um simples debate; foi uma elaboração coletiva que reuniu os saberes das comunidades, das assessorias jurídicas e das organizações parceiras. Conseguimos identificar os desafios reais que enfrentamos diante das mudanças climáticas e, mais importante, desenhar estratégias concretas — como fortalecer os protocolos de consulta, as cooperativas e associações, e o turismo de base comunitária — para garantir que as comunidades tenham voz e protagonismo nas decisões que impactam seus territórios”, ressaltou Alexandre Arapiun, da assessoria jurídica da Terra de Direitos
A Terra de Direitos também contribuiu grupo de discussão sobre regularização fundiária destacando a importância da efetivação da reforma agrária como condição para garantir o bem viver e enfrentar a crise climática
“Não é possível falar em soluções para a crise climática sem garantir o direito à terra e ao território dos povos tradicionais, que são os que mais preservam e protegem as florestas e o meio ambiente. O PAE Lago Grande está há mais de 20 anos aguardando a efetivação de sua regularização fundiária. Ainda assim, as mais de 150 comunidades têm resistido ao avanço do desmatamento, da monocultura e da mineração, protegendo e defendendo esse território com sua vida”, afirmou Suzany, que atua como assessora jurídica das comunidades no processo de regularização fundiária.
Além disso, a comunicação da organização debateu sobre o papel da comunicação popular na defesa dos territórios e enfrentamento às mudanças climáticas. Nesse espaço a facilitação foi conjunta com o Tapajós de Fato, veículo de comunicação popular e independente do oeste do Pará.
João Paulo Serra, comunicador popular do Tapajós de Fato, ressalta o papel de fortalecimento e mobilização que a comunicação feita nos territórios. “A comunicação popular e comunitária desempenha papel elementar na democratização da informação e no fortalecimento desses chamados. Tendo essas premissas, no espaço da comunicação popular que participamos, buscamos apresentar as iniciativas que nós (que somos e atuamos nos nossos territórios) já desenvolvemos, na busca de inspirar que mais pessoas usem nas comunidades a comunicação como ferramenta de fortalecimento da luta pela transformação social que precisamos”.
Carta política por justiça climática
A carta política do encontro, chamada “As vozes dos povos da floresta por justiça climática”, foi apresentada em plenária ´popular.
O documento reúne denúncias, reflexões e reivindicações construídas coletivamente por movimentos sociais, populares, indígenas, quilombolas, extrativistas, universidade e organizações. As propostas visam garantir a justiça climática dentro dos territórios e serão encaminhadas ao Governo Brasileiro e organismos internacionais durante a COP 30, em novembro, em Belém.
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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, Biodiversidade e Soberania Alimentar
Eixos: Biodiversidade e soberania alimentar, Terra, território e justiça espacial