Notícias / Notícias



Dos conflitos no campo às ocupações escolares: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos é denunciada em seminário


O Brasil tem um número alarmante de defensoras e defensores de direitos humanos ameaçados. Segundo relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na última década, a média anual é de 25 a 30 pessoas assassinadas no país, em casos que se concentram nas regiões norte e nordeste.

Além dos debates conjunturais e das reflexões sobre os desafios colocados no atual cenário político, o seminário “Fronteiras da Luta”, promovido pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos(CBDDDH) na última quarta-feira (23), apresentou casos emblemáticos de criminalização de pessoas de diferentes regiões do país e vítimas de diferentes processos de criminalização por suas atuações na promoção e defesa dos direitos humanos.

Os relatos, que ilustram a situação das defensoras e defensores, evidenciam a lógica ofensiva de grandes empresas e do Estado em nome de geração ilimitada de lucros. Neste processo, pessoas e comunidades têm suas vidas atacadas em nome de uma causa. Confira alguns casos:

Criminalização indígena

Evelyn Silva, Beatriz Vargas, Cacique Babau e Layza QueirozCacique Babau, líder da Aldeia Tupinambá, na Serra do Padeiro, em Ilhéus, Bahia, é um caso simbólico de criminalização de defensoras e defensores de direitos humanos. Lutando pela demarcação de suas terras desde 2000, que só foi iniciada e 2009, a etnia ainda aguarda a assinatura da portaria declaratória da Terra Indígena.

Segundo o relato de Babau, o processo de criminalização teve início em 2008, quando 130 homens da Polícia Federal invadiram a Aldeia Serra do Padeiro sob justificativa de um mandado de reintegração de posse , que foi suspenso no dia anterior pelo Supremo Tribunal Federal.

Ao longo dos anos, os indígenas foram criminalizados pelo governo estadual e federal, como destaca Babau, e sofreram diversos tipos de abusos. “Eu não posso nem aliviar os governos anteriores, porque foi no governo Lula que invadiram a minha aldeia e foi no governo Dilma que tivemos que enfrentar a base militar que colocaram lá”, lembra o cacique.

Criminalização no campo

Em Rondônia, um dos estados que mais tem registrado atentados contra defensoras e defensores de direitos humanos, a situação da advogada da Liga de Camponeses Pobres, Lenir Correia, é de risco.

Segundo relato, das 17 mortes de camponeses no estado, 6 são lideranças, 5 camponeses assentados e 1 apoiador. Os assassinatos, segundo relato da advogada, foram executados por policiais e seguranças a serviço do latifúndio.A advogada popular Lenir Correia

Segundo a advogada, as terras reivindicadas pelos camponeses são, em maioria, da União, e deveriam ter sido destinadas à reforma agrária. No entanto, no processo de luta pela terra, muitos camponeses foram espancados, ameaçados de morte caso retornassem ao acampamento e impedidos de registrar de ocorrências, já que são “invasores de terras”.

Ameaçada de morte, Lenir saiu do estado sem perspectiva de retorno após o dia 5 de setembro, quando camponeses que foram presos tiveram que identificá-la em uma fotografia em que estava com sua filha. No dia seguinte, a advogada encontrou na caixa do correio de sua casa, um bilhete dizendo que ela seria a próxima.

Neste sentido, a prisão de José Valdir Misnerovicz e Luiz Batista, integrante do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de Goiás, em junho, é mais um caso que ilustra a lógica de ofensiva do capital sob os direitos e trabalhadores do campo que, para o militante, é a mesma em nível global.

Após 48 dias tentando evitar a prisão, José Valdir passou 140 dias preso e atualmente está em liberdade provisória aguardando a sentença onde, segundo ele, é possível três cenários: absolvição, pena leve ou condenação pesada. Enquanto isso, Luiz Batista segue preso.

Layza Queiroz, Antonio Neto, Lenir Correia, José Valdir e Lilith PassosApesar de agradecer o apoio que recebeu durante o encarceramento, o militante do MST alerta para a naturalização da prisão. “Mesmo sujeitos a viver isso pela opção de vida que fazemos, pelo projeto que estamos envolvidos, é preciso ter cuidado para não naturalizar a prisão”, afirmou.

Ainda, José Valdir destacou a necessidade de propor aos movimentos sociais e organizações iniciativas que visem construir uma grande unidade nessa diversidade que existe no campo dos direitos humanos. Neste contexto, destacou a importância da comunicação e de tomar as ruas, como resposta à sociedade.

Nesse perspectiva de diálogo com a sociedade e com as lutas que estão acontecendo no campo e na cidade, Valdir propõe que “Essa resposta virá de uma construção coletiva, em que nosso desafio é construir uma reorganização das forças populares que atuam nos seus diferentes territórios”.

Criminalização estudantil

Já Lilith Passos, aluna de escola pública do governo de São Paulo, ocupou sua escola pela primeira vez. Hoje, com 16 anos, a secundarista relatou como nasceu o movimento de ocupação de escolas que tomou o Brasil desde 2015.

A proposta de reforma do ensino médio do governo de Geraldo Alckmin foi o estopim pro movimento que, segundo Lilith, iria fechar 94 escolas. A máfia da merenda escolar impulsionou ocupações nas Escolas Técnicas Estaduais (ETECs) no começo de 2016, no meio do ano vieram as discussões sobre a escola sem partido e agora contra a reforma no ensino médio e a PEC 55.

Neste processo, a criminalização dos estudantes só aumentou e as denúncias são de terror psicológico, espancamentos e ameaças de Lenir Correia, José Valdir e Lilith Passosestupro. Segundo ela, é por isso que o movimento estudantil de São Paulo não está ocupando neste momento. “O governo do estado tá conseguindo combater o movimento usando as piores medidas pra tratar de adolescentes de 11 a 17 anos”, relatou.

O caso mais grave foi de um adolescente de 16 anos, abordado pela PM quando voltava pra casa. Os PMs o levaram pra uma sala dentro do metrô, bateram, colocaram um saco em sua cabeça e mostraram um álbum de fotos de secundaristas pedindo nomes das supostas lideranças. Cada pessoa que não dizia o nome, levava um golpe, até que desmaiou e no dia seguinte acordou em uma estrada, onde foi resgatado por uma taxista e levado ao hospital.

A estratégia agora, segundo Lilith, é apontar lideranças, “coisa que não tem, já que o movimento é horizontal”. Sem ter a quem recorrer, já que “não dá pra denunciar a polícia pra própria polícia”, como declarou a estudante, o movimento tem feito inúmeras denúncias a organismos nacionais e internacionais de direitos humanos.

Mesmo nesse contexto de criminalização e violência, que faz parte da ofensiva para desmobilizar o movimento secundarista, a resistência continua. A adolescente relata que os adolescentes estão “cansados de expor essas violências e nada acontecer, mas a gente continua aí querendo sabotar o Estado”, brincou.

Galeria Fotos


































Notícias Relacionadas




Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos