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Seminário debate desafios e estratégias de resistência dos direitos humanos no cenário de golpe


Durante a tarde e noite da última quarta-feira (23), o auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) foi palco do seminário “Fronteiras da Luta”, evento que reuniu movimentos sociais, organizações e pesquisadores de todo país em torno da discussão sobre a construção de estratégias de resistência para defensoras e defensores de direitos humanos e o fortalecimento deste campo no contexto de golpe.

Com duas mesas de discussão, o evento trouxe casos simbólicos de criminalização de defensoras e defensores. Com debates muito qualificados, tanto por parte dos convidados, como por parte do público, o evento trouxe à luz das discussão dos direitos humanos temas fundamentais para as novas estratégias no campo.

Professor José Geraldo O convidado que abriu as discussões foi o professor da Faculdade de Direito da UnB, José Geraldo de Souza Junior, que lembrou as mobilizações convocadas no país inteiro contra a retirada de direitos colocada em curso pelo governo golpista. Segundo ele, para as defensoras e defensores de direitos humanos, o golpe não acabou, já que, neste contexto, a cada hora um direito é atingido.

Lembrando que antigamente alguns grupos sociais não eram considerados humanos, o professor afirma que esse processo de desumanização acarretou em diversas violações de direitos humanos, a exemplo dos povos indígenas, que não eram considerados “gente”. Neste sentido, questiona: “Atualmente, a sociedade reconhece as mulheres como humanos? A gente reconhece que trabalhador é humano?”.

José Geraldo também destacou a atuação da mídia neste cenário, onde a criminalização de protestos e a desqualificação dos agentes políticos ou jurídicos que movem lutas de resistência definem agendas sociais e por sua vez são alvos de represálias e criminalização por parte do Estado e da sociedade. “A fragilização da consciência crítica serve como alimento midiático desse processo, e é por isso que as ocupações em escolas e universidades são tão importantes”, destacou.

Para o professor, o pano de fundo disso são as estratégias político institucionais, como a Lei antiterrorismo, sancionada em 2015, a PEC 55 (antiga PEC 241), e outras ofensivas contra dos direitos sociais e trabalhistas que representa não somente um golpe, mas um “enfrentamento direito entre dois projetos de sociedade”.

Neste sentido, o professor destaca a importância de que, em espaços de formação e militância política, como o próprio Seminário, seja discutida proposições para sair desta “encruzilhada” e como trabalhar os conceitos de direitos humanos e desenvolvimento em contexto de golpe.

Questão extrativista

A economista e professora da Universidade Federal de Integração Latino Americana (Unila), Roberta Traspadini, concentrou sua exposição na exploração extrativista, o que ela chama de genocídio. Segundo Roberta, o extrativismo teve quarto fases históricas, a primeira é o extrativismo colonial, onde quem mais sofreu violações foram os povos originários. ”O extrativismo mata o que encontra, constrói por cima, invisibiliza quem encontra e joga para os fossos da terra, múltiplos corpos inocentes. Ou seja, se criou um mecanismo natural de produzir matando gente”, declarou a professora.

O segundo momento se dedicou aos extrativismo das independências, momento em que segue corroendo os territórios, mas institui um Marta Falqueto e Roberta Traspadinifalso discurso de liberdade. Assim, “as independências são um novo momento de um velho processo de matar terra matando gente, só com um discurso renovado de exportação de mercadorias”.

Muito violenta na lógica discursiva, essa fase é chamado pela professora de gênese da mercadoria, momento que se configura com uma ideia de liberdade, mas constitui limites na concepção de nacional.

O terceiro momento é o dos Estados nacionais, ou seja, o modelo desenvolvimentista, no qual a principal característica é a dualidade de algo que é complexamente diverso (campo e cidade, urbano e agrário, operário fabril e camponês) mantém a lógica do extrativismo e as violências anteriores, mas o supera. “O desenvolvimentismo é a soma dos extrativismo anteriores com a naturalização do progresso, por isso é muito mais perigoso”, ressaltou.

Desta forma, a professora questiona: “Desenvolvimento pra quem e pra quem?”. Ainda, alerta para necessidade que o campo dos direitos humanos discuta a nova ordem imperialista que rege a sociedade. Na última fase do extrativismo, foram atacados os lutadores sociais, ou seja, as defensoras e defensores de direitos humanos, mas camponeses, negros, indígenas e trabalhadores rurais e urbanos, continuaram a ser vítimas históricas deste processo.

Neste sentido, Roberta afirma que o neoliberalismo matou a possibilidade de trabalho de base, já que liberou os trabalhadores para escravizá-los no roubo do tempo. “Quanto mais temos que ter tempo pra pagar nossas contas, mais nosso horizonte revolucionário se resumo a nosso cotidiano”, defendeu a professora.

Heize DiasHeize Dias, advogada popular do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), reforçou os apontamentos das professora em sua exposição. Segundo a militante, “A questão extrativista é central para a questão das contradições do capitalismo e exploração das nossas vidas”.

Ao falar sobre o nascimento do Movimento, que surge pela demanda de assistência nos conflitos ocorridos em áreas de mineração, na região do Piauí, Heize relatou alguns casos de perseguição de militantes. Ainda, a advogada alerta para a necessidade de que movimentos e organizações se articulem e retomem o trabalho de base, já que “a consciência é construída através de experiências”, como ressaltou.

A prática transformadora

Neste mesmo viés, Nathália Szermeta, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) de São Paulo, reforçou o apelo pelo retorno ao trabalho de base nas comunidades para avançar na disputa ideológica. Ainda, a militante do MTST destacou a necessidade de particularizar avaliações sobre o contexto político no Brasil. “O país tem uma especificidade que, se não for compreendida, a gente não consegue entender muitas coisas que acontecem aqui”, afirmou a militante.

“Tivemos nos últimos anos uma democracia que não chegou em todos os lugares. O que é um presídio no Brasil se não um grande conglomerado de negros e pobres?” Diante disso, a militante questiona: “Quais humanos e quais direitos nós estamos discutindo?”.Professor José Geraldo, Nathália Szermeta e Diana Melo

Segundo Nathália, a conjuntura de golpe coloca novos questionamentos e desafios na atuação das defensoras e defensores de direitoshumanos, pois as coisas estão piores, mas as violações estão acontecendo há muito tempo, já que jovens negros são mortos todos os dias pela polícia.

Neste sentido, a fundadora do movimento Mães de Maio, Débora Maria da Silva, interviu para lembrar que nas periferias e áreas pobres do país, onde está em curso uma guerra civil há muito tempo. “Dentro da favela, pobres e negros morrem há muito tempo. O golpe já foi dado há muito tempo, porque o pior golpe é contra a vida”, declarou.

Resistência em rede

A professora de direito da UnB, Beatriz Vargas, retomou alguns elementos colocados por membros da mesa e pelo público no sentido de unificar as lutas e resistências. “Isso significa que existe sim um contínuo em nosso país e isso faz parte da nossa história, da herança punitivista que herdamos do período de escravidão”, afirmou.

Evelyn Silva, Beatriz Vargas, Cacique Babau e Layza QueirozDestacando falas que pontuaram a resistência de povos tradicionais, população negra, mulheres, LGBTs, trabalhadores sem terra, pessoas em situação de cárcere e diversas populações, que tem uma história de continuidade de violência e resistência, a professora lembra que, assim como as continuidades, podemos encontrar algumas rupturas históricas, já que cada movimento é distinto e tem suas particularidades de luta.

A proposta de enfrentamento da criminalização é, neste sentido, fortalecer as narrativas alternativas e os movimentos em rede. “Pra nós isso representa alguns desafios e necessidade de rearticulações de conceitos e representações de ideias que se reflitam em agendas de ação um pouco distintas daquelas que nós estamos acostumados”, destacou.

Evelyn Silva, assessora parlamentar do deputado federal Jean Willys, destacou que o contexto de criminalização requer atenção dos militantes dos direitos humanos. “Não podemos cair nessa lógica”, alertou. Segundo a assessora, o Seminário é uma oportunidade de fortalecimento de forças de várias populações violentadas, o que requer atenção e cuidado dentro da militância individual e coletiva. “A gente precisa se olhar, se cuidar e entender que estamos no mesmo patamar pra promover a mudança”, defendeu.

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Ações: Defensores e Defensoras de Direitos Humanos

Eixos: Política e cultura dos direitos humanos