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Editorial Terra de Direitos: Um Supremo Tribunal Federal diverso fortalece a democracia


Foto: Agência Brasil

Com a aposentadoria de Rosa Weber, a terceira mulher a integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro, os debates sobre a próxima indicação à mais alta Corte do país se acendem novamente. O fato é concreto: a depender da indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o STF pode continuar sendo composto apenas por pessoas brancas e pode passar a contar com uma única ministra mulher. Enquanto a mídia e partidos políticos se inclinam para nomes já conhecidos de juristas homens, uma intensa campanha protagonizada pelo movimento negro, com apoio de organizações sociais, reivindicam a reparação desta dívida histórica: a ausência de uma mulher negra na corte ao longo dos seus 132 anos de existência.  

O censo elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) provou o distanciamento que o perfil da magistratura tem em relação à realidade de nossa sociedade. Mais da metade da população do país é negra, 54,5%; também é um país formado de maioria de mulheres - 51,7%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, a proporção de mulheres dentro do Poder Judiciário revela uma grave sub-representação: elas são apenas 37% da magistratura brasileira em primeiro grau. Se comparado com os tribunais superiores, onde 4 em cada 5 ministros são homens, a disparidade de gênero é ainda maior (Dados CNJ/2018).  

Para alguns grupos sociais falamos em sub-representação, enquanto para outros, trata-se da completa ausência. É o caso das mulheres quilombolas, que, no Judiciário brasileiro, raramente ocupam os postos de decisão e estão sempre do outro lado, na luta por direitos, vítimas de um Estado que institucionaliza o racismo ao deixar que elas padeçam pela não efetivação dos direitos humanos. Mulheres que sofrem com a quase inexistência de políticas públicas que as alcancem e com o mercado, que tenta usurpar sua territorialidade.  

Em um país de maioria negra, porém regido pelo racismo estrutural, onde homens brancos tem 8,2 vezes mais chances de se tornarem juízes, e 37 vezes mais chances de se tornarem desembargadores frente às mulheres negras, não nos surpreende que essa desigualdade étnica-social se reflita também na corte mais alta do país. 

O processo de nomeação, atualmente descrito no artigo 101 da Constituição Federal vigente, inicia-se pela indicação da Presidência da República, passa pela sabatina ao indicado(a) e deliberação pelo Senado e retorna para a nomeação presidencial. No entanto, a mobilização atualmente em curso traz à tona questões importantes sobre a composição do sistema de justiça: qual seria o sistema mais adequado de nomeação para vagas no Supremo Tribunal Federal? Como garantir a pluralidade de pensamentos e diversidade na ocupação das cadeiras? Somente homens brancos podem interpretar a Constituição e dizer o que é direito no Brasil?  

O processo de indicação de integrantes da Suprema Corte evidencia a falta de critérios fundamentais para a escolha pela Presidência e avaliação do Senado que garantam o compromisso com os direitos humanos e a perspectiva de gênero e raça, centralidades à uma justiça democrática que rivalize com as desigualdades históricas e estruturais do Brasil. Para além da representatividade dentro da Corte, o processo de escolha do (a) novo (a) ministro (a) traz à tona, mais uma vez, questões de falta de transparência, controle e participação social. 

A postura histórica de isolamento e condução a portas fechadas da política de justiça não condiz com a construção do Estado Democrático de Direito, em todas as suas esferas e poderes. A diversidade na composição é uma exigência da Constituição, dos Tratados Internacionais e com a democratização das instituições públicas do nosso país.   

Neste sentido, construir mecanismos para participação da sociedade nos processos de indicação de pessoas que ocuparão a relevante função de ministro(as) da mais alta Corte do país certamente significa um passo fundamental para tornar o sistema de justiça mais plural e correlato às demandas sociais por direitos e democracia, ou seja, é um passo essencial para a constituição de uma justiça social. 

Ademais, a ampla Campanha, capitaneada pelo movimento negro, para que a próxima vaga na Suprema Corte seja ocupada, pela primeira vez na história do Brasil, por uma mulher negra é reflexo do amadurecimento pela sociedade civil brasileira de uma agenda de democratização do Sistema de Justiça.  

A composição de todos os espaços institucionais, incluído aí o Sistema de Justiça, é um debate central nos regimes democráticos na atualidade e deve estar orientada pelos mais elevados parâmetros de proteção dos direitos humanos, em observância ao artigo 2º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Nesse sentido, o direito de a população negra participar dos assuntos públicos engloba a possibilidade real de compor essas instituições, ao mesmo tempo em que a garantia de diversidade constitui uma medida fundamental para enfrentamento da discriminação racial e de gênero e para realização dos direitos em prol de toda a população. 

Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, o direito da população negra de participar da vida pública é uma “condição sine qua non para lograr uma mudança transformadora em favor da justiça e da igualdade raciais”. 

A criação do Observatório de Igualdade Racial no Poder Judiciário, em 2020, pelo CNJ, reforça o que vem sendo historicamente denunciado pelas organizações e movimentos sociais: o Poder Judiciário não apenas não representa a diversidade racial da população brasileira, como acentua o racismo ao não priorizar medidas para promoção da igualdade racial e de combate ao racismo institucional, medidas basilares para uma real democratização da justiça.  

Outras medidas normativas adotadas no âmbito do CNJ - como a Resolução 203/2015 sobre cotas raciais em concursos públicos do poder judiciários, a Resolução 512/2023 com reserva de vagas para indígenas, o Pacto Nacional do Judiciário para Equidade Racial, a Resolução 496/2023 sobre paridade de gênero nas comissões examinadoras e bancas e a Resolução 525/2023 sobre equidade de gênero nos Tribunais de segundo grau dentro do critério de merecimento – revelam que a necessidade de assegurar a igualdade racial e de gênero no Poder Judiciário brasileiro não é algo acessório ou desimportante.  

A necessária diversidade na composição das instituições de justiça, evidenciada em medidas recentes do CNJ, precisa alcançar os tribunais superiores em Brasília, dentre eles a Suprema Corte. Trata-se de um aspecto central da política de justiça, coerente com a Constituição e os Tratados Internacionais, imprescindível para a democratização do Sistema de Justiça brasileiro.  

Na história recente do país houve o avanço na composição mais diversa do Executivo, com a criação de Ministérios e indicação de ministras negras e indígenas, nomeadas também por ato da Presidência da República. É possível e necessário o Brasil avançar também na indicação de mulheres negras para os altos cargos do Poder Judiciário, entre eles o STF.  



Ações: Democratização da Justiça

Eixos: Democratização da justica e garantia dos direitos humanos