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Estado brasileiro será questionado na CIDH por morosidade na titulação de terras quilombolas


Em audiência temática requerida pela Conaq e subscrita por entidades da sociedade civil – entre elas, a Terra de Direitos –, a CIDH ouvirá denúncias dos movimentos sociais e fará recomendações ao Estado.

Na próxima segunda-feira (23), a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e organizações da sociedade civil brasileira questionarão, em audiência temática do 165º Período de Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Montevidéu, a morosidade excessiva do Estado brasileiro em dar cumprimento ao direito constitucional quilombola de acesso à terra.

No documento enviado em agosto com o pedido de audiência, as entidades apresentam fundamentos políticos, econômicos, ambientais jurídicos, sociais, geográficos e históricos sobre as comunidades quilombolas no país, que autorizam afirmar que a política pública de titulação dos territórios ainda está muito aquém da expectativa de execução do direito constitucional a elas assegurado, afrontando o direito constitucional e convencional da duração razoável do processo, uma vez que se estima serem necessários 600 anos para a titulação de todos os territórios quilombolas.

O objetivo das organizações peticionárias é apresentar, na audiência, a situação de vulnerabilidade e opressão enfrentada pelas comunidades quilombolas do país, sobretudo em razão da não titulação de suas terras tradicionais e da proximidade da votação, no Supremo Tribunal Federal (STF), da constitucionalidade do Decreto Federal n° 4887/03 – que regulamenta o procedimento de titulação dos territórios quilombolas no Brasil.

A partir da avaliação sobre a morosidade com que os processos de titulação são conduzidos, o documento afirma que “levando em conta o total de processos de titulação instaurados no Incra a autarquia cumpriu com cerca 2,14% da demanda existente, levando-se em conta a quantidade de comunidades tituladas e as que ainda devem ser tituladas”.

As entidades farão questionamentos ao Estado brasileiro sobre o tema que podem ser acolhidos como sugestão pela CIDH, que também apresentará questões sobre a política fundiária quilombola do país,  assim como quanto a um planejamento estratégico de ações para suprir a demanda da titulação dos territórios em um limite de tempo razoável, além da recomposição do orçamento do Incra para a implementação de políticas públicas para a titulação quilombola.

Também será denunciado à CIDH que a morosidade na titulação dos territórios quilombolas, principalmente neste momento pós golpe contra a presidenta eleita, aumentou a situação de vulnerabilidade das comunidades quilombolas, em espacial de suas lideranças. Apenas neste ano 14 lideranças quilombolas foram assassinadas, sendo que 10 ocorreram na Bahia, com sérias suspeitas de que tais crimes estão diretamente relacionados com a luta pela titulação das terras das comunidades quilombolas.

A representação questionando o Estado brasileiro em relação ao processo de titulação de terras quilombolas foi assinado pela Conaq, Terra de Direitos, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR), CPT, Conectas, Comissão Pró-Índio de São Paulo, Instituto Socioambiental e Justiça Global.

ADI 3239

O STF deve retomar o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, movida pelo Partido Democratas em 2004. A Ação questiona a constitucionalidade do Decreto Federal n° 4887/03, que regulamenta o procedimento de titulação dos territórios quilombolas no Brasil.

A decisão do STF é considerada fundamental para as comunidades quilombolas de todo Brasil. Caso o decreto seja considerado inconstitucional, não haverá mais marco normativo regulamentador para a titulação das terras, o que deve atrasar ainda mais os processos e impedir novos. Das quase 3 mil comunidades quilombolas existentes no país, segundo dados da Fundação Palmares, apenas 37 foram tituladas pelo governo federal.

As últimas duas sessões de julgamento do caso deveriam ter acontecido em 18 de outubro e 16 de agosto, mas foram adiadas devido ao não comparecimento, por motivo de saúde, do ministro Dias Toffoli, que fez pedido de vistas em 2015 e deveria apresentado seu voto na ocasião.

Até o momento, apenas dois dos onze ministros do STF votaram. Em 2012, César Peluso votou pela inconstitucionalidade do decreto, e a Ministra Rosa Weber pediu vistas do processo. Em 2015, Weber considerou o decreto constitucional e, na mesma ocasião, o ministro Dias Toffoli apresentou novo pedido de vistas.

Sobre a CIDH e rito das audiências temáticas

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) encarregado da promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano. É integrada por sete membros independentes que atuam de forma pessoal e tem sua sede em Washington, D.C. Foi criada pela OEA em 1959 e, juntamente com a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), instalada em 1979, é uma instituição do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH).

O propósito das audiências temáticas é receber informações sobre a situação de direitos humanos relativos a determinadas temáticas ou assuntos em países específicos, além de emitir recomendações para o respeito e fruição dos direitos humanos.

O comissário que presidir a audiência concederá 15 minutos para a delegação solicitante, 15 minutos para o Estado brasileiro, 15 minutos para comentários e perguntas da CIDH e mais 7,5 minutos finais para cada delegação.

A audiência acontece às 11h no salão B do Palácio Legislativo de Montevidéu, no Uruguai.



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Ações: Quilombolas

Eixos: Terra, território e justiça espacial