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Reivindicado pelas organizações, STF acolhe pedido de audiência pública sobre isenção fiscal de agrotóxicos


Pedido ocorre no âmbito da ação que aponta a inconstitucionalidade do benefício tributário para mercado de veneno. Mercado dos agrotóxicos é beneficiado há 27 anos com redução de ICMS e isenção de IPI.

  Foto: Andressa Anholete/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu, de modo unânime, nesta quinta-feira (13) o pedido do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e organizações sociais para realização de audiência pública para escuta aos diversos setores sobre os benefícios tributários conferidos ao mercado de agrotóxicos. A decisão ocorre no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona a isenção fiscal para agrotóxicos.  

O pedido foi acolhido pelo ministro e relator da Ação, Edson Fachin, e acompanhado pelos demais ministros. Fachin manifestou que, desde início do julgamento em 2020, surgiram novos estudos na área. Além disso, a Reforma Tributária – em fase de regulamentação – tem impactos diretos para a isenção fiscal dos agrotóxicos. A audiência deve ocorrer em data a ser definida pelo relator. 

Na avaliação da coordenadora de litigância da Terra de Direitos, Camila Gomes, a realização de audiência pública é uma oportunidade de ampliação e aprofundamento do debate com diversos setores sobre matéria de significativo impacto à saúde, meio ambiente e orçamento público. “O aceite da realização de uma audiência pública é vitória dos setores que estão mobilizados contra a política fiscal que incentiva e beneficia o mercado de agrotóxicos. Um debate amplo que escute ambientalistas, especialistas da área de saúde, de orçamento público e comunidades afetadas é fundamental para que a Corte possa levar em consideração estas realidades quando analisar e julgar a ação”, enfatiza.  A Terra de Direitos participa da ação como amicus curiae (amigos da Corte), conjuntamente com a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Associação Brasileira de Agroecologia e Fian Brasil. 

Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.   

A isenção dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Deste modo, há 27 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.    

A medida tem impacto direto na arrecadação fiscal. De acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a estimativa é de que estados e União deixaram de arrecadar R$ 12,9 bilhões, considerando a comercialização de agrotóxicos no ano de 2021. O valor representa, por exemplo, cinco vezes o orçamento reservado pela União em 2024 para prevenção e combate a desastres naturais (R$ 2,6 bilhões).   

Essencial: agrotóxicos ou os alimentos? 
Durante sustentação oral no julgamento nesta terça-feira a Terra de Direitos refutou argumentos de entidades defensoras da manutenção do benefício tributário. “É preciso afastar o argumento invocado pelos defensores da manutenção dessa política fiscal de que o incentivo aos agrotóxicos precisaria ser mantido para garantir a alimentação da população brasileira, para preservar o valor dos produtos da cesta básica e, assim, garantir segurança alimentar da população”, aponta Camila (veja vídeo acima).  

Ela destaca que 84% dos agrotóxicos em uso no Brasil são aplicados nos plantios de commodities, produtos voltados para a exportação e não presentes na mesa da população brasileira. Já a agricultura familiar, voltada para produção de arroz, feijão, mandioca, entre outros, utiliza no máximo 6% do custo de produção com agrotóxicos. Assim, a tributação regular de agrotóxicos não impactaria na produção massiva de alimentos no país, na soberania alimentar da população e nem seria repassada ao consumidor. 

“Impactará sim os grandes proprietários rurais que destinam a produção para exportação e que - é bom lembrar - já são beneficiados por outros incentivos e benefícios no sistema tributário nacional, como é o caso das desonerações para exportações”, enfatiza ela.  

A advogada ainda destacou que os estudos e contexto brasileiro de uso de agrotóxicos no momento aprovação das normativas que concedem benefício fiscal aos agrotóxicos difere do momento atual. “Estamos falando de atos normativos federais datados um de 1997 e o outro de 2011, com sucessivas reedições ao longo dos anos, mas sem mudança substancial de conteúdo. Estas normativas seguem em vigor ou vem sendo reeditadas, à margem do vasto conhecimento científico produzido no Brasil e no mundo”.  Estudos na última década apontam a forte presença de agrotóxicos – alguns proibidos na Europa – no leite materno, alimentos e água. Também evidenciam maior impactos de contaminação entre populações mais empobrecidas e comunidades e povos tradicionais.  

Manifestações dos ministros  
O julgamento da ação foi iniciado em 2020, em plenário virtual. Em abril deste ano o julgamento foi deslocado para plenário presencial, por meio de destaque feito pelo ministro André Mendonça. O recurso regimental reestabelece o julgamento do início. Com isso, os votos já proferidos – 9 ao todo – podem ser revistos. A medida, na avaliação das organizações, contribui para ampliação da visibilidade do julgamento e acompanhamento pela população.  

Relator da ação, o ministro Edson Fachin havia reconhecido em seu voto que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional. O ministro concluiu que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.    

Na manifestação do voto, o ministro evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, apontou Fachin. O posicionamento do ministro é semelhante ao das organizações sociais que atuam como amicus curiae na ação, como a Terra de Direitos, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Associação Brasileira de Agroecologia e Fian Brasil.  

Já o ministro Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Mendes afirmou em seu voto que os danos à saúde "não devem ser desconsiderados, mas por si próprios são insuficientes para se declarar a inconstitucionalidade dos benefícios, porquanto produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde". A posição diverge do relator Fachin e de um conjunto de organizações, pesquisadores e órgãos que denunciam os fortes impactos dos agrotóxicos para a saúde e meio ambiente, o que descumpre preceitos constitucionais.  

Os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli acompanharam o voto de Gilmar Mendes. Já o ministro André Mendonça reconheceu, parcialmente, a inconstitucionalidade da isenção fiscal e determinou que a União e estados façam uma avaliação deste benefício. Com isso, o ministro abriu um voto intermediário.

Organizações e instituições de pesquisa também reivindicam a realização e apresentação de dados que justifique a validade das normativas.  

  

 

 



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