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Executivo e judiciário como parceiros: agronegócio recorre aos poderes para liberar uso de agrotóxicos


Empresários cearenses ameaçam judicializar Lei que proíbe pulverização área no Estado. FPA se reúne com ministro da Agricultura para apresentar prioridades da área.

Deputado Alceu Moreira articulou agenda com ministro do Meio Ambiente para apresentação de pautas do agronegócio. Foto Brasil 247

Empresários do setor do agronegócio do estado do Ceará têm feito manifestações públicas nas mídias locais e nos bastidores da política de que devem questionar junto ao Poder Judiciário, num futuro próximo, a Lei 16.820/19. Sancionada pelo governador Camilo Santana (PT) no início de 2019, a lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos nas lavouras do estado é apontada pelo setor como “ameaça ao desenvolvimento econômico”. Para isso, anunciam que serão acionadas as Federações das Indústrias (Fiec) e a da Agricultura do Ceará (Faec).

A tentativa de constrangimento do setor ao governo do estado ainda incluiu a renúncia do empresário, Carlos Prado, da coordenação de 11 câmaras setoriais do agronegócio logo após a sanção da lei pelo governador. De caráter consultivo e deliberativo, o colegiado composto por representantes de órgãos públicos, não-governamentais e entidades privadas tem por finalidade apresentar propostas para desenvolvimento da cadeia produtiva.

Como Prado mobiliza diferentes áreas vinculadas ao agronegócio, a renúncia possui contornos de barganha política. “Ao final destes quatro anos a gente conseguiu, depois de muita articulação, aprovar a Lei. Na sequência vem o agronegócio ameaçar, por um lado politicamente, a partir do seu jogo político, e por meio da judicialização. Todo movimento que estamos fazendo é no sentido da constitucionalidade da lei”, aponta o deputado estadual Renato Roseno (PSOL/CE), autor do Projeto de Lei de proibição da pulverização área.

Em entrevista para a Terra de Direitos sobre o acolhimento do pedido de judicialização pelo sistema de justiça o deputado destaca o posicionamento do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Em apoio à normativa, em nota pública divulgada em dezembro, o órgão declarou que “considerando que a pulverização área representa afronta e violação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (..) resulta na obrigatoriedade do governo do Ceará em realizar os atos necessários à sua pronta efetivação [da nova lei]”, aponta um trecho. “Na ausência da força de argumentos eles vão apelar para argumento da força”, declara Roseno.

Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, a sustentação argumentativa dos empresários de uso da pulverização aérea para ganhos econômicos para o setor evidencia o lugar secundário conferido à saúde da população e animais e a preservação do meio ambiente. “É normal que haja resistência do agronegócio à legislação aprovada, porque significa a restrição nas práticas econômicas para a promoção da saúde humana e a preservação da biodiversidade. Mas de forma alguma esses interesses privados e particulares podem se sobrepor aos direitos coletivos e difusos dos povos e da natureza exposta à pulverização aérea”, declara.

A tentativa de reversão da proibição pelo agronegócio é apontada também pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Em nota, o coletivo nacional composto por profissionais e estudantes declarou que a oposição à Lei pelos empresários deve, necessariamente, desencadear apoio à lei pela sociedade e mobilização “para dar apoio e garantir que, com a proibição área no Ceará, sejam acompanhadas de outras ações estatais apoiadas nos princípios da agroecologia”. Reconhecida como “uma medida fundamental para garantia da saúde pública visando a proteção dos cidadãos cearenses” a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) também se manifestou em defesa da lei.

Em nota a Terra de Direitos destaca que a iniciativa estadual em proibir a pulverização área, pioneira no país, está alinhada a iniciativas do cenário mundial. Em 2009 a União Europeia vetou a pratica aos países do conglomerado.  “A vedação de pulverização aérea de agrotóxicos pelo estado do Ceará é um exemplo aos demais estados da federação e representa avanço na salvaguarda de direitos humanos sociais, ambientais, econômicos e culturais, especialmente das populações rurais expostas”, aponta um trecho do documento. Acesse aqui a nota da Terra de Direitos em apoio à Lei 16.820/19.

Impactos da pulverização aérea no estado
A relação entre a prática de pulverização área e a contaminação do solo e aquíferos cearenses, foi revelada no Dossiê da Abrasco (2012). Com uso de fungicidas de alta toxidade e em grande escala no cultivo de banana na região do Baixo Jaguaribe, por exemplo, os aquíferos da região apresentaram, em todas as amostras colhidas, até dez ingredientes ativos componentes de aditivos químicos, o que caracteriza uma poli exposição.

De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) a contaminação das águas, das terras, dos animais e dos trabalhadores pelo material tóxico é potencializada pela pulverização área na medida que a prática resulta em forte escoamento do agrotóxico. Mesmo com condições adequadas à aplicação pela via área – tais como temperatura e vento – cerca de 32% da agrotóxico fica retido na planta, 49% escoa para a terra e 19% são dispersados para áreas fora da região de aplicação, atingindo um raio de até 32 quilômetros da área alvo da pulverização.

O deputado ainda alerta para impactos da saúde da população diretamente atingida pelos químicos. “O que temos como resultado deste modelo: temos 30% a mais de câncer, 60% de câncer infantil. Muitos registros de má formação fetal, mutação genética e puberdade precoce. Temos o reconhecimento em segunda instância da justiça do trabalho do nexo causal entre o câncer a utilização dos agrotóxicos”, alerta.

Casos como a contaminação e 2013 de 92 pessoas, entre eles crianças e jovens, por pulverização área no entorno da Escola Municipal São José do Pontal, em Rio Verde (GO), e a mais recente, de quase cem pessoas município de Espigão Alto do Iguaçu (PR), maioria crianças, em novembro de 2018, pelo agrotóxico paraquate, químico proibido na Europa desde 2007, apontam a necessidade de revisão das normas, de forma a garantir restrições à pratica.

Diálogo Federal
Iniciativas de proibição da pulverização área tramitam no Senado Federal. Uma delas, o PLS 541/15, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), veda pulverização para qualquer finalidade. O PLS, após ficar retido na Comissão de Meio Ambiente por três anos, aguarda apresentação de relatório pelo senador Welligton Fagundes (PR/MT). Com a tarefa de emitir um parecer sobre o projeto de lei desde maio de 2018, o parlamentar deve sinalizar oposição à matéria. Isto porque integra a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), espaço de articulação dos expoentes do agronegócio para incidência parlamentar e colegiado ativo na flexibilização de leis para uso dos agrotóxicos.

O aceno do setor produtivo na defesa de matérias de seu interesse não ocorre apenas no Legislativo. No dia 23 de fevereiro uma comitiva de integrantes da FPA, entre eles o presidente da Frente, deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), esteve reunido com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Em pauta os projetos de leis e medidas de interesses dos ruralistas, como se autonomeiam. A aprovação do PL 6.299/2003, conhecido como “PL do Veneno”, consta como terceiro ponto de conversa. De forte interesse e articulação da Frente e pronto para análise pelo plenário da Câmara, o projeto de lei busca flexibilizar um conjunto de dispositivos relacionados à pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a classificação, o controle, a inspeção, a fiscalização, entre outros, no uso de agrotóxicos

Pauta de reunião entre a FPA e ministro do meio ambiente. Foto: De Olho nos Ruralistas

A aprovação da lei federal pode escoar para os Estados. Ainda que os Estados, orientados pelos artigos 196 e 225 da Constituição Federal, tenham autonomia para implementação de leis de caráter mais restritivo a fim de assegurar o direito à saúde e preservação do meio ambiente, a aprovação do “Pacote do Veneno” pode desencadear processos de revisão de normas estaduais. “O estado tem competência para legislar em matéria ambiental de maneira mais protetiva e restritiva. Então, se o “Pacote do veneno” nós temos que articular as bancadas estaduais que estão comprometidas pela saúde publica e meio ambiente e com o modelo de transição ecológica para que aprovemos normas estaduais mais protetivas”, avalia Roseno. 



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