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Impacto dos agrotóxicos aos territórios indígenas é tema de audiência na Câmara Federal


Apenas em 2023 foram 24 territórios indígenas intensamente afetados por atividades relacionadas aos agrotóxicos.  

Os Avá-Guarani (PR) tem sofrido com constantes intoxicações por agrotóxicos. Foto: Lizely Borges/ Terra de Direitos

O impacto dos agrotóxicos é tema de audiência realizada, na próxima segunda-feira (26), a partir das 10 horas, pelas Comissões da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais e de Meio Ambiente Desenvolvimento e Sustentável da Câmara dos Deputados. De proposição da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), a iniciativa deve realizar a escuta a organizações indígenas, da área de saúde e de direitos humanos e representantes Ministério dos Povos Indígenas. A audiência é transmitida para TV Câmara. 

A audiência tem por objetivo debater o tema da insegurança alimentar e nutricional em retomadas indígenas e a relação com a pulverização aérea de agrotóxicos no Brasil. É o caso do Povo Avá-Guarani da Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, localizada nos municípios de Terra Roxa e Guaíra, oeste do Paraná. Expulsos dos seus territórios com a construção do reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu e pela expansão agrícola na década de 1940, os Avá-Guarani empreenderam um movimento de retorno ao território em 2004. 

Cercado pelo plantio de monoculturas – em especial soja e milho – os relatos de sintomas por intoxicação aguda ou crônica dos indígenas e contaminação do solo e das águas por agrotóxicos são frequentes nas aldeias.   

“Sempre tem essas doenças como resfriados, dor de cabeça, diarreia, e outros e isso acontece nestes períodos em que os agricultores passem veneno nas lavouras. Não é só a gente que sofre com isso, mas animais também, plantas, a água e até mesmo nossos remédios naturais e sementes tradicionais são contaminadas. Estamos vivendo em meio a lavouras e não tem como evitar isso. Dependemos dos nossos pequenos espaços territoriais, já são pequenos e ainda sofrem o impacto do agronegócio”, enfatiza a liderança da aldeia Tekoha Y'Hovy (PR) e da Comissão Guarani Yvyrupá (CGY), Ilson Soares Karai Okaju. 

A contaminação dos Povos Avá-Guarani foi objeto de uma denúncia perante a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) contra a Bayer, em abril deste ano. A multinacional lidera o mercado de sementes geneticamente modificadas e pesticidas no Brasil. Nos municípios de Guaíra e Terra Roxa o uso de agrotóxicos é predominante: 509 dos 661 estabelecimentos agropecuários de Guaíra e 921 dos 1.209 estabelecimentos agropecuários de Terra Roxa relataram uso de agrotóxicos. Uma das denunciantes, a organização Terra de Direitos, participa da audiência.  

Contaminação disseminada 
A poluição dos territórios e de rios e cursos d’água pelos agrotóxicos tem provocado danos diretos às comunidades indígenas, tanto quanto o produto é aplicado em lavouras no entorno ou no interior de territórios indígenas. De acordo com levantamento realizado relatório Violência contra Povos Indígenas no Brasil, desenvolvido pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Apenas em 2023 foram 24 territórios indígenas intensamente afetados por atividades relacionadas aos agrotóxicos. 

Em estados de forte presença do agronegócio e assédio aos territórios indígenas, há intensa intoxicação dos territórios. Estudo realizado pela Fian-Brasil sobre a insegurança alimentar e nutricional de territórios Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, relatados em denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) mapeou que todos os territórios sofreram exposição a agrotóxicos de lavouras de monocultura das fazendas vizinhas, com pulverizações semanais. No período de um ano 105 pessoas adoeceram pela exposição e contato com os agrotóxicos. A organização apresentará o estudo na audiência. 

Na agenda também participam liderança Aty Guasu, Guarani Kaiowá, e as organizações Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)/CE. 

Medidas legislativas de violações aos direitos
Duas proposições legislativas recentes aprovadas pela Congresso Nacional tem impactado fortemente os territórios indígenas. De autoria do ex-senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como "rei da soja", o Projeto de Lei conhecido como “Pacote do Veneno” foi aprovado ao final de 2023. A medida, convertida na Lei 14.785/2023, flexibiliza a regulamentação dos agrotóxicos no país. Em razão das diversas violações à Constituição Federal e normas internacionais, partidos e confederação de trabalhadores rurais ajuizaram no último dia 14 uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A iniciativa conta com o apoio de organizações e não tem data para julgamento.  

A aprovação da tese do marco temporal, no mesmo período, também tem contribuído para aumento de violência contra os territórios indígenas, com reflexos do uso de agrotóxicos como arma química contra os povos originários.  A Lei 14.701/2023, nomeada pelo movimento indígena como Lei do Genocídio Indígena, determina que os povos indígenas só terão direito às terras que estavam ocupadas na data de 5 de outubro de 1988. Antes mesmo da aprovação no Congresso Nacional a tese ruralista já tinha considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. No início de agosto o STF realizou a primeira reunião da câmara de conciliação para discutir a demarcação de territórios indígenas baseadas nesta lei.  

 



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