Notícias / Notícias



Megaprojetos do Tapajós: ilusões por trás da promessas de desenvolvimento


Rio Tapajós (Foto: Ramon Santos)

No altar do modelo desenvolvimentista, os sacrifícios e retrocessos para a biodiversidade e para os povos e indígenas e comunidades tradicionais não têm limites. Comportando megaprojetos de interesses privados e governamentais, as populações locais da região do Tapajós, no Pará, sofrem os impactos desses empreendimentos e têm suas vidas desorganizadas devido a eles.

A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - tratado que determina a obrigatoriedade de consulta prévia a qualquer medida administrativa ou ato legislativo passível de afetar os povos indígenas e demais populações tradicionais - é exemplo da negligência do Estado brasileiro no planejamento de megaprojetos frente aos interesses das grandes empreiteiras.

O chamado “Complexo Hidrelétrico Tapajós”, projeto lançado pelo Governo Federal em 2008 que prevê a construção de sete usinas no Oeste do Pará, impacta diretamente comunidades tradicionais, entre quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas e cerca de dois mil quilômetros de território indígena, principalmente da etnia Munduruku.

Tramitando desde 2012 sem o consentimento dos indígenas e das comunidades tradicionais, o processo de licenciamento ambiental da usina AHE São Luis dos Tapajós está parcialmente parado, sem nenhuma sinalização de que a consulta aos atingidos será realizada. O povo Munduruku, que já se manifestou contra a obra várias vezes, vive sob alerta na Terra Indígena (TI) Sawré Muybu, localizada entre os municípios de Itaituba e Trairão, local que teria três aldeias alagadas devido a construção de barragens da usina.

A falta de disposição para a realização da consulta prévia livre e informada aos povos indígenas impactados evidencia outros interesses relacionados ao empreendimento. A pressão de setores do governo para impedir que a Fundação Nacional do Índio (Funai) prossiga com a demarcação da TI, consiste no aparato legal que a demarcação trará, já que sem a terra demarcada, os Munduruku não estariam mais protegidos pela Constituição.

Resistência tradicional

Com o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) pronto desde setembro de 2013 para que fosse dado início à demarcação, e com a total falta de retorno da Funai, os Munduruku decidiram iniciar a demarcação de suas terras de forma independente. Adentrando a mata fechada e fincando picos nos principais limites da TI, os indígenas estão cercando território historicamente ocupado pela etnia.

“Cansamos de esperar o governo e decidimos nós mesmos, Mundurukus, fazer a demarcação da nossa terra”, declarou a indígena munduruku em um dos vídeos que relatam o processo de autodemarcação da TI, que segue sem data para acabar. “Nós vamos demarcar essa terra pra nossa proteção e não só pensando em nós, em todos. Nossos parentes, os ribeirinhos, pescadores, todo mundo”, destaca outro munduruku.

A comunidade de Pimental, localizada no município de Trairão, no Pará, também tornou-se símbolo de resistência local ao projeto de erguer usinas no Tapajós. Formada por ribeirinhos e ribeirinhas, a comunidade já se manifestou contrária a construção da hidrelétrica e à falta de informações e desrespeito a todos os moradores.

A militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) de Itaituba, Luvia Heidy Soares Lima, conta que a mobilização na comunidade começou ainda em 2010, quando uma empresa de topografia se instalou no local e começou escavações sem permissão dos moradores. Aos confortá-los, os moradores começaram a entender a dinâmica que a instalação traria para a comunidade.

“A comunidade se alertou quando falaram que iriam construir a barragem e que não ia ser bom pra nós, que iríamos perder tudo se não nos organizássemos para lutar por direitos”, conta Luvia, destacando o que considera um momento marco para a mobilização dos moradores. “Daí em diante todo mundo começou a entender o processo disso e participar das reuniões, dos eventos para trabalho de base, como os que o MAB, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Terra de Direitos puxaram”, conta.

Impactos, conflitos e manipulação

Pimental deve ser primeira comunidade extinta devido às obras do Tapajós. Sem qualquer informação que venha das empresas construtoras de barragens, a comunidade segue sem saber o que acontecerá com os moradores quando a região for inundada. “Muitas famílias já estão saindo, outras não querem mais construir nada porque têm medo de investir na comunidade sabendo que ela vai ‘pro fundo’”, aponta Luvia.

Segundo ela, as mulheres são as que mais sofrem psicologicamente com as obras. Não é incomum casos de adolescentes grávidas e abandonadas pelos trabalhadores das obras. Além de todo esse conflito, a presença desses homens alterara o cotidiano da comunidade de forma irreversível na vida de algumas mulheres, como através da violência sexual.

Além da constante violação de direitos, a comunidade tem que lidar com a disseminação de informação manipulada, segundo denúncia da representante do MAB. A ONG Diálogos Tapajós, projeto de comunicação do Grupo de Estudos Tapajós – que, segundo informações do próprio site, está elaborando os estudos de viabilidade técnica-econômica e os estudos ambientais das Hidrelétricas São Luiz do Tapajós e Jatobá – vem atuando na comunidade sob a falsa oferta de promover formação entre os moradores.

Composto por nove empresas do setor elétrico brasileiro, sendo elas Eletrobras, Eletronorte, GDF SUEZ, Grupo EDF, Neoenergia, Camargo Corrêa, Endesa Brasil, Cemig e Copel, o grupo atua fazendo visitas a comunidade e distribuindo materiais sobre as construções de barragens. Segundo Luvia, as informações que passam são falsas, mas capazes de persuadir os moradores menos envolvidos com o movimento de resistência contra as barragens. “Quem tá bem informado, sabe é mentira. Mas de qualquer forma isso deixa a comunidade ainda mais confusa”, conta Luvia.

Direito e Desenvolvimento

As violações de direitos humanos em empreendimentos como o Complexo Hidrelétrico do Tapajós será tema do Seminário Direito e Desenvolvimento, nos próximos dias 16, 17 e 18 de fevereiro, em Santarém.

Promovido pela Terra de Direitos em parceria com a Pro-Reitoria de Gestão Estudantil da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), o evento deve reunir movimentos sociais, comunidades impactadas, estudantes e pesquisadores para debater o tema.

As inscrições são gratuitas, e serão feitas no local.

Saiba mais sobre o evento aqui.

 

 



Notícias Relacionadas




Ações: Impactos de Megaprojetos

Eixos: Terra, território e justiça espacial